Opinião
Rentrée política
Os milhares de desalentados pelo termo das férias dificilmente se animarão com a rentrée que os políticos ensaiam por esta altura do calendário. Seria preciso algo de substancial, ideias fortes, propostas cativantes para injectar alguma energia neste novo
Mas tudo o que se lhes oferece são as mesmas receitas de sempre, as eternas frases ocas, a agressividade gratuita e acima de tudo nada de realmente novo. Há muito criticismo mas falta objectivamente sentido crítico. Senão vejamos.
Paulo Portas, o mais patético de todos, descobriu agora o Youtube. Na sua ignorância sobre a matéria apresentou-o como vanguarda técnica de suporte ao seu pensamento de retaguarda ideológica. Alguém lhe devia explicar que a coisa não tem novidade nenhuma. Até o António Costa já andou em campanha pelo Second Life. Além disso, blogues, youtubes e segundas vidas fazem parte da cultura urbana e jovem que Portas detesta e combate. Ou será que agora, em mais uma reviravolta habitual, o PP deixará cair reformados, antigos combatentes e lavoura, para se dedicar ao pessoal da net e dos blogues? Por muito que faça, Portas não consegue escapar à condição de avatar de si mesmo.
Marques Mendes a braços com a concorrência de outro neófito das novas tecnologias, o já famoso bloguer Luís Filipe Meneses, veio exigir pela enésima vez a baixa de impostos. Espera que isso lhe traga algum protagonismo no dia em que tal vier a ser feito por Sócrates. Trata-se de uma jogada táctica que de tão óbvia até faz doer os olhos. Imagina que um dia poderá reivindicar a antecipação, mas é duvidoso que nessa altura tal lhe valha mais do que um bocejo geral. Falar antes de tempo sempre foi o drama dos derrotados. Quanto ao resto, a lengalenga da arrogância autoritária mais não exprime do que a raiva de ver o PS fazer aquilo que o PSD não foi capaz.
Jerónimo de Sousa repete o mesmo disco riscado que de tão gasto já não comove nem os próprios militantes. Refém de uma cultura conservadora da resistência e incapaz de evolução sob o risco de perder a sacrossanta identidade comunista, Jerónimo nunca poderá dizer nem fazer mais do que o previsível. Aguenta o que pode mas não adianta um milímetro.
Por seu lado, o Bloco insiste num incongruente mais Estado e menos Europa. Para quem vem da tradição libertária e internacionalista encontra-se agora a defender um maior peso do Estado, o que significa menos liberdade para as pessoas, e um crescente isolamento do país, o que alimenta o pior das derivas nacionalistas e identitárias. Lá vai o tempo em que esta gente queria acabar com o Estado e abolir as fronteiras. Hoje estão mais próximos do proteccionismo de Salazar do que pensam. Por outro lado, insistir no referendo, quando anda tudo farto de referendos, é procurar mais uma derrota. Não só para os próprios como para o país por previsível falta de comparência. É mais um disparate sem sentido e novo atraso de vida.
Quanto ao Governo, passeia calmamente os seus quinze minutos de fama na cena política europeia, distribuindo sorrisos e abraços poliglotas. Nos intervalos, Sócrates oferece computadores à populaça numa acção que tem mais efeito na opinião pública do que a oposição pensa. Na verdade ninguém internamente o perturba apesar de algumas ministeriais asneiras que vêm com o exercício.
A reentrada é assim um continuar no mesmo sítio.
Num mundo que exige inovação e acelerada adaptação a política continua a mostrar-se lenta, impreparada e nada motivadora. A política pensa sempre em termos do que é, e nunca daquilo que pode vir a ser. Por isso tão frequentemente o seu discurso tem pouco a ver com uma realidade que é cada vez mais dinâmica.
Imagino que os partidos, que continuam a ter uma importância decisiva na organização social, deviam acima de tudo contribuir para a evolução civilizacional e não tanto simplesmente gerir uma aparente conflitualidade ideológica tantas vezes não fundamentada. Assistimos a muitos falsos debates que em nada contribuem para uma clarificação do estado das coisas e que só lançam a confusão. Num tempo de incerteza e medo do futuro, os partidos deviam fornecer pistas positivas e indicar tendências. Aliás, a análise de tendências devia ser o cerne dos (inexistentes diga-se de passagem) gabinetes de estudo dos partidos e da reflexão política geral.
A mudança acelerada é uma realidade da nossa era. Há pouco mais de dez anos não havia Internet nem telemóveis. Na tecnologia, nos comportamentos, na economia, no ambiente assistimos a rápidas alterações que geram novas condições de vida individual e colectiva. Ao contrário do que se diz para proteger a ignorância e a incompetência o homem é um animal extremamente adaptativo. Até Portas lá acabou por descobrir a Internet. Por isso, a política devia ser muito mais adaptativa e evolutiva. Ficar agarrada a velhos dogmas, bafientos rituais e ilusórios princípios sem qualquer conteúdo prático é pura perda de energia e tempo.