Opinião
Reino Unido, um regresso às origens?
O Brexit logrou vencer no Reino Unido, assim determinando a saída deste Estado-membro da União Europeia. As consequências políticas decorrentes deste autêntico tsunami que se abateu sobre o projeto de integração europeu são, por esta altura, completamente imprevisíveis.
Antecipar juízos de prognose sobre o que se vai passar nas próximas semanas e meses revestirá, por agora, mero exercício especulativo.
O que poderemos, com o respaldo da História, isso sim, é enfatizar o atribulado trajeto do Reino Unido ao longo destes últimos 43 anos no referido projeto de integração europeu. Em vista de tal fim, importa recuar ao final da Segunda Guerra Mundial, e recuperar o debate que então se travou com o propósito da obtenção da paz numa Europa traumatizada e dilacerada por duas guerras fratricidas ocorridas num curto período de três décadas.
De um lado, os defensores da integração pura e dura alavancada em volta de uma instituição na qual os Estados participantes se dispunham a abdicar de franjas da sua soberania em favor de entidades de caráter supranacional dotados de competências normativas, e que certa doutrina classificou como visão francófona. Do outro lado, os adeptos do reforço dos laços de cooperação entre as nações europeias no respeito das respetivas soberanias, assim refutando quaisquer possibilidades de existência de órgãos supranacionais titulares de poderes legislativos, posições identificadas com a então designada visão britânica.
Este alinhamento inglês por uma perspetiva alicerçada em meras relações de cooperação suscetíveis de se materializarem na celebração de um amplo acordo de livre comércio no Velho Continente acabou por dar origem à Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), cujo acordo foi assinado em janeiro de 1960, em Estocolmo, e representou uma desesperada reação à constituição da Comunidade Económica Europeia (CEE), tratado assinado em Roma, em 1957, estribado numa união aduaneira totalmente indesejada pelo Reino Unido que, a todo o custo, pretendia manter a sua autonomia decisória no que tocava à definição da sua política comercial externa, muito em particular as privilegiadas relações comerciais que à época mantinha com os seus antigos territórios no quadro da Commonwealth.
Mas cedo os dirigentes britânicos concluíram que tal caminho não se revelava capaz de travar o ímpeto da integração propulsionado pela união aduaneira instituída pelos seis fundadores da CEE, o que conduziu a um volte-face da sua política externa, protagonizado pelo seu pedido de adesão àquele espaço de integração, em agosto de 1961, o qual se viria a revelar penoso e até humilhante para os pergaminhos da Velha Albion, atendendo aos sucessivos vetos do general De Gaulle (1963 e 1967). Só após a morte do velho general, herói francês da Segunda Guerra, e já no consulado de Georges Pompidou, o Reino Unido logrou alcançar aquele desiderato, passando a ser membro de pleno direito a partir de janeiro de 1973, em conjunto com a Dinamarca e a Irlanda, naquele que ficou para a História como o primeiro alargamento da CEE.
Curioso registar que apenas dois anos após a sua adesão, o governo britânico de então, liderado pelo trabalhista Harold Wilson, refém de uma promessa eleitoral, promoveu um referendo nacional (o primeiro da História constitucional britânica), que teve lugar no dia 5 de junho de 1975, tendo o eleitorado, ao contrário do que agora sucedeu, votado favoravelmente (por uma maioria de cerca de 67%) a permanência do Reino Unido na CEE.
Libertado das amarras de Bruxelas importa, agora, antecipar o posicionamento do Reino Unido no que diz respeito à sua política comercial externa que poderá, a partir de agora, determinar em razão dos seus específicos interesses. Parece ser de admitir, com uma boa dose de probabilidade, que o Reino Unido pretenda, assim que consumada a saída, celebrar um acordo de livre comércio com a União Europeia assegurando a livre circulação dos produtos originários daquelas duas partes contratantes (leia-se não aplicação de direitos aduaneiros e outras barreiras não pautais). Mas não será igualmente de descartar a possibilidade de o Reino Unido tentar a sua reintegração na EFTA (atualmente limitada a Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein), o que representaria um verdadeiro regresso às origens volvidas mais de quatro décadas.
A verificar-se tal cenário, o Reino Unido estaria automaticamente abrangido pelo acordo de comércio livre celebrado entre a CEE e a EFTA, em 1972, justamente um ano antes da sua adesão às comunidades europeias, e que também implica a não aplicação de barreiras pautais e não pautais entre aqueles dois espaços.
Uma terceira hipótese, aventada nestes últimos dias, na linha da experiência do Espaço Económico Europeu, suscita mais reservas, pois, implicam concessões no domínio da livre circulação de pessoas, justamente, o que este referendo parece ter querido rejeitar.
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
O que poderemos, com o respaldo da História, isso sim, é enfatizar o atribulado trajeto do Reino Unido ao longo destes últimos 43 anos no referido projeto de integração europeu. Em vista de tal fim, importa recuar ao final da Segunda Guerra Mundial, e recuperar o debate que então se travou com o propósito da obtenção da paz numa Europa traumatizada e dilacerada por duas guerras fratricidas ocorridas num curto período de três décadas.
Este alinhamento inglês por uma perspetiva alicerçada em meras relações de cooperação suscetíveis de se materializarem na celebração de um amplo acordo de livre comércio no Velho Continente acabou por dar origem à Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), cujo acordo foi assinado em janeiro de 1960, em Estocolmo, e representou uma desesperada reação à constituição da Comunidade Económica Europeia (CEE), tratado assinado em Roma, em 1957, estribado numa união aduaneira totalmente indesejada pelo Reino Unido que, a todo o custo, pretendia manter a sua autonomia decisória no que tocava à definição da sua política comercial externa, muito em particular as privilegiadas relações comerciais que à época mantinha com os seus antigos territórios no quadro da Commonwealth.
Mas cedo os dirigentes britânicos concluíram que tal caminho não se revelava capaz de travar o ímpeto da integração propulsionado pela união aduaneira instituída pelos seis fundadores da CEE, o que conduziu a um volte-face da sua política externa, protagonizado pelo seu pedido de adesão àquele espaço de integração, em agosto de 1961, o qual se viria a revelar penoso e até humilhante para os pergaminhos da Velha Albion, atendendo aos sucessivos vetos do general De Gaulle (1963 e 1967). Só após a morte do velho general, herói francês da Segunda Guerra, e já no consulado de Georges Pompidou, o Reino Unido logrou alcançar aquele desiderato, passando a ser membro de pleno direito a partir de janeiro de 1973, em conjunto com a Dinamarca e a Irlanda, naquele que ficou para a História como o primeiro alargamento da CEE.
Curioso registar que apenas dois anos após a sua adesão, o governo britânico de então, liderado pelo trabalhista Harold Wilson, refém de uma promessa eleitoral, promoveu um referendo nacional (o primeiro da História constitucional britânica), que teve lugar no dia 5 de junho de 1975, tendo o eleitorado, ao contrário do que agora sucedeu, votado favoravelmente (por uma maioria de cerca de 67%) a permanência do Reino Unido na CEE.
Libertado das amarras de Bruxelas importa, agora, antecipar o posicionamento do Reino Unido no que diz respeito à sua política comercial externa que poderá, a partir de agora, determinar em razão dos seus específicos interesses. Parece ser de admitir, com uma boa dose de probabilidade, que o Reino Unido pretenda, assim que consumada a saída, celebrar um acordo de livre comércio com a União Europeia assegurando a livre circulação dos produtos originários daquelas duas partes contratantes (leia-se não aplicação de direitos aduaneiros e outras barreiras não pautais). Mas não será igualmente de descartar a possibilidade de o Reino Unido tentar a sua reintegração na EFTA (atualmente limitada a Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein), o que representaria um verdadeiro regresso às origens volvidas mais de quatro décadas.
A verificar-se tal cenário, o Reino Unido estaria automaticamente abrangido pelo acordo de comércio livre celebrado entre a CEE e a EFTA, em 1972, justamente um ano antes da sua adesão às comunidades europeias, e que também implica a não aplicação de barreiras pautais e não pautais entre aqueles dois espaços.
Uma terceira hipótese, aventada nestes últimos dias, na linha da experiência do Espaço Económico Europeu, suscita mais reservas, pois, implicam concessões no domínio da livre circulação de pessoas, justamente, o que este referendo parece ter querido rejeitar.
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
Mais artigos do Autor
Reino Unido, um regresso às origens?
28.06.2016