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01 de Abril de 2011 às 11:30

"Rosa de Hiroxima"

Numa emissão do programa "Twist the Throttle" do canal Discovery dedicada à história de Soichiro Honda e da sua empresa de motores homónima

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Numa emissão do programa "Twist the Throttle" do canal Discovery dedicada à história de Soichiro Honda e da sua empresa de motores homónima, surge um funcionário de bata branca imaculada que, com a irrepreensível linha de montagem em pano de fundo, diz, pragmático: "com esta bata pode-se ver a sujidade e, se há sujidade, então algo está errado com o local de trabalho". A afirmação - ou a atitutude - está em linha com os considerandos gerais que nós por cá, antípodas daquela zona do Pacífico, pensamos ter sobre os povos orientais em geral, e sobre o povo japonês em particular - muito rigor, muita dedicação, superior capacidade de sacrifício, entre outros chavões. A imensa tragédia do recente terramoto que afectou o Japão, traz consigo uma centelha de redenção, de restauro da fé em nós próprios, por entre o inesquecível sofrimento de milhões de pessoas: a magnitude do evento faz-nos sentir todos pequenos, todos iguais, enfim, solidários.

O Sr. Soichiro Honda era filho de um ferreiro. Começou o seu negócio de reparação de automóveis na megametrópole de Tóquio nos anos 30; passada a II Grande Guerra, fundou a Honda Motor Corporation, em 1948, com o objectivo de abastecer o frenético mercado da reconstrução pós-guerra com soluções práticas, criativas e económicas, capazes de satisfazer as necessidades de mobilidade dos consumidores, agora cada vez mais concentrados nos grandes centros urbanos. Começou por reutilizar motores de pequena dimensão para complementar a força da pedalada nas bicicletas, inventando a bicicleta-motorizada. Uns anos mais tarde, surge a "Dream", a primeira motorizada de 3 cavalos e 100 centímetros cúbicos inteiramente concebida pela Honda; este prodígio do design industrial transformou-se num autêntico objecto de culto. Daí até à CB750, a famosa 4 cilindros com que conquistou o mercado americano a partir de 1969, foi um passo do tamanho do Pacífico. A Honda é líder mundial no mercado de motocicletas.

Há uma ironia sádica no facto de a central nuclear japonesa de Fukushima recolocar na agenda a questão da energia atómica; desta vez, não foi uma bomba lançada por um avião americano que pulverizou toda uma região, mas um tremor de terra e maremoto, desastres naturais, a que se somou o sinistro incidente em Fukushima, o vigésimo acidente grave em 50 anos, abrangendo países da Grécia aos Estados Unidos, passando pela Alemanha, até ao tenebroso Chernobyl, na Ucrânia, em 1986.

"Não se esqueçam da Rosa de Hiroshima, a rosa heriditária, a rosa radioactiva, estúpida e inválida, (...) a anti-rosa atómica, sem cor, sem perfume, sem nada" diz Vinicius de Morais na letra da canção "Rosa de Hiroxima", brilhantemente imortalizada pela voz de Ney Matogrosso. Energia atómica? Não, obrigado; a História já tratou de confirmar que o assunto ultrapassa as militâncias, os partidarismos, as defuntas ideologias - simplesmente, não é coisa que se possa pôr sujeita aos desastres naturais e muito menos aos desastres humanos.


PS - esta crónica não contém qualquer referência directa às recentes declarações de Nicolas Sarkozy, presidente da segunda potência nuclear mundial, a França, de forma deliberada. Essas declarações, defendendo a invitabilidade do nuclear e o seu fomento futuro, foram proferidas em solo japonês, perante uma população que luta desesperadamente por conter a(s) tragédia(s), a bem, inclusivamente, da sua propagação a países europeus. Assim sendo, a verborreia encomendada do sr. presidente (que eficiente serventuário!) entra no território do nojo e da obscenidade; pertenceria, portanto, a um artigo sobre a decadência moral do Velho Continente, a tal decadência que trouxe a Guerra. E depois a Bomba.
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