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20 de Setembro de 2006 às 13:59

"Quem vai matar o Papa em Istambul?"

Pois será um jornalista ligado à Opus Dei a mando dum cardeal seguidor de Josemaria Escrivá e da Loja Maçónica P2 na ficção tortuosa do escritor turco de romances policiais Yücel Kaya que não falha em trazer ao enredo radicais islamitas e ...

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Pois será um jornalista ligado à Opus Dei a mando dum cardeal seguidor de Josemaria Escrivá e da Loja Maçónica P2 na ficção tortuosa do escritor turco de romances policiais Yücel Kaya que não falha em trazer ao enredo radicais islamitas e oficiais de extrema-direita dos serviços secretos turcos apreensivos com a aproximação entre católicos e ortodoxos em terra de Islão.

A ficção d’ "O atentado contra o Papa", com a inevitável aparição no meio da intriga de Mehmet Ali Agca e a interrogação de choque em inglês para subtítulo publicitário, já era um êxito de vendas antes da polémica bizantina, mas com o avolumar da controvérsia tornou-se um omnioso sinal dos tempos.

As autoridades turcas e o patriarca ecuménico e arcebispo de Constantinopla Bartolomeu I mantêm o convite para a visita do Papa no final de Novembro, por ocasião da festa do apóstolo Santo André, venerado por ortodoxos e católicos, ainda que o ambiente, já inquinado pelo assassinato de um missionário italiano e três ataques a clérigos católicos desde o início do ano, tenha ficado ainda mais pesado depois da controvérsia sobre as alegadas tiradas antimuçulmanas de Joseph Ratzinger.  

Bento XVI é uma personalidade malquista nos círculos políticos e empresariais turcos pela sua oposição determinada à adesão da Turquia à União Europeia em nome das raízes e essência cristã da Europa.

A pecha de cruzado que é agora assacada ao Papa vai juntar-se às apreensões generalizadas na Turquia sobre um preconceito anti-islâmico e anti-turco prevalecente nas opiniões públicas e entre os governos da União. As decepções nas atribuladas negociações com Bruxelas já se reflectem nas últimas sondagens na Turquia que indicam uma quebra significativa – mas salvaguardando um apoio ainda maioritário – ao projecto de adesão à União Europeia.

Em véspera da sua primeira visita a um país maioritariamente muçulmano, ainda que justificada pelo diálogo ecuménico com os ortodoxos, o que poderia levar o Papa a proferir um discurso com uma extensa citação que inevitavelmente exacerbaria os ânimos dos crentes muçulmanos?

Uma citação nada inocente

Um erudito de inteligência superior como é o caso do teólogo Ratzinger não escolheu por acaso a figura trágica de Manuel II, um dos derradeiros imperadores da dinastia dos Paleólogos, para elaborar sobre um dos temas fulcrais da sua doutrina.

O sultão otomano Bayezid, que o teve como vassalo e refém, entre 1390 e 1391, elogiou em termos célebres o porte imperial do bizantino. Muitos em Veneza, Londres e Paris se comiseraram com a longa e infrutífera viagem que o senhor do Império Romano do Oriente encetou a 10 de Dezembro de 1399 em busca de alianças na Cristandade Romana contra os otomanos e ficou para a história a advertência que deixou no leito de morte ao filho João VIII em como seriam vãs as esperanças de qualquer submissão eclesiástica ao papa de Roma a troco de apoio na luta contra os turcos.

Na agonia dos Paleólogos e na convulsa vida de Manuel II o alívio que deu a Bizâncio a investida das hostes mongóis de Tamerlão contra os inimigos otomanos foi sol de pouca dura que se eclipsou em Maio de 1453 quando o sultão Maomé II conquistou Constantinopla.

Desses tempos em que o Império era hostilizado a Ocidente e cedia frente aos otomanos ficou célebre a disputa de Manuel II sobre os fundamentos da fé com um imaginário erudito persa em que o bizantino aceita considerar as Leis de Moisés, de Jesus e de Maomé num mesmo plano intemporal e sinóptico.

É dessa discussão que o teólogo Ratzinger cita a passagem em que o bizantino apostrofa o muçulmano por Maomé ter trazido ao mundo "coisas maléficas e inumanas, como o mandamento de expandir a fé pela espada", ignorando que a violência é "incompatível com a natureza de Deus e da Alma" que se regram pela Razão.

Na alocução de Bento XVI na sua antiga universidade de Ratisbona esta tirada foi pretexto para expandir, entre outros argumentos, a tese de que o Islão ignora o império da Razão que fundamenta, a contrario, toda a tradição cristã assente no amor de Deus Na linha das suas teses tradicionais, condenando "a ditadura do relativismo" e o cientismo positivista sem sustento ético, Ratzinger concluiu que "uma razão surda ao divino e que relega a religião para o âmbito das subculturas é incapaz de entrar no diálogo das culturas".

De um discurso sobre o compromisso entre fé e razão, caracterizado por interpretações essencialistas e excessivas omissões históricas em que, nomeadamente, as escolas racionalistas islâmicas foram remetidas à obscuridade, o que ficou para notícia foi precisamente, a condenação pelo bizantino do irremediável irracionalismo do Islão como pretexto de violência.

A teologia determina a política

Esta questão preocupa de há muito Ratzinger que vê o Islão marcado pelo literalismo de uma ideia errada da Palavra Incriada de Deus e pelo anseio totalitário de submeter toda a sociedade a uma lei que ignora as esferas distintas do político e do religioso.

É esta patologia visceral que justifica a violência como acto religioso e que Ratzinger, enquanto teólogo e Papa, traz propositadamente à ribalta. Como a teologia determina a política Bento XVI vê de forma totalmente diferente de João Paulo II o diálogo interreligioso com o Islão. 

Para o Papa o reconhecimento de direitos de liberdade religiosa e proselitismo às minorias cristãs em terras de Islão é matéria fundamental para o diálogo possível, assente na reciprocidade, e centrado, essencialmente, em questões de ordem cultural e direitos legais. Estamos muito longe da abrangência em torno da ideia de boa vontade que levou João Paulo II a congregar, em Assis, em Outubro de 1986, representantes de todas as religiões no "Dia mundial de oração pela paz".

Não foi pois falta de tacto diplomático que levou o Papa a citar o bizantino.

Foi antes um imperativo de contestar legitimidade ao ateísmo, ao cientismo positivista, à religiosidade difusa e filantrópica, antes preferindo Ratzinger uma Igreja minoritária, mas fiel e firme nos seus princípios.

Foi, sobretudo, a intenção de trazer para primeiro plano a legitimidade da Igreja no confronto ideológico em que, tal como no século XIV, uma certa ideia de religião sustentada na Revelação histórica e na razão traça argumentos contra a violência justificada em nome do Islão.

Daí que o Papa lamente e manifeste tristeza pelas reacções a algumas passagens da alocução de Ratisbona, mas de forma alguma dê sinal de abdicar das suas teses fundamentais sobre a natureza do Islão, os pressupostos do diálogo de culturas e da reciprocidade de liberdade religiosa.

Porque para Bento XVI a Igreja é o lugar da fé verdadeira. Ser católico é para Bento XVI professar a indissociabilidade entre a fé em Deus e no seu Filho Jesus Cristo feito homem. É o Logos, a palavra do início, a razão e o amor criadores, que define a imagem cristã de Deus. É esta a fé de Ratzinger, a sua razão de ser, e a matriz que define toda a sua prédica. Sempre o disse, sempre o escreveu, sempre o pregou.

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