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02 de Julho de 2010 às 12:32

Presos na Eurolândia

Os americanos (e alguns asiáticos) chamam muitas vezes à Zona Euro a "Eurolândia". Dada a semelhança da palavra com "Disneylândia", uma terra de fantasia, acaba por ser um nome muito mais irónico do que útil.

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Os americanos (e alguns asiáticos) chamam muitas vezes à Zona Euro a "Eurolândia". Dada a semelhança da palavra com "Disneylândia", uma terra de fantasia, acaba por ser um nome muito mais irónico do que útil.

Desde que o euro foi idealizado, cépticos (na maioria norte-americanos) e apoiantes (na maioria europeus) debateram acaloradamente as condições económicas iniciais da moeda única, os benefícios para os seus membros e a sua viabilidade política. As economias asiáticas que promovem a integração regional na Ásia assistiram a este debate com espanto, já que a linha divisória não se baseava na filosofia económica, como "keynesianos vs neoclássicos" ou "liberais vs conservadores", mas numa divisão geográfica transatlântica.

Os economistas norte-americanos, liderados por Martin Feldstein, argumentaram que as economias da Zona Euro são muito diferentes, com muitas diferenças institucionais e mercados laborais rígidos, para formar uma área monetária ideal. Além disso, uma política monetária comum combinada com uma política orçamental independente está condenada ao fracasso: a primeira aumenta o desemprego nas economias mais fracas porque a taxa de juro reflecte os indicadores médios da Zona Euro (onde a Alemanha e a França têm um grande peso) mas mantém os custos do endividamento suficientemente baixos para os governos das economias mais fracas poderem financiar o esbanjamento orçamental.

Os apoiantes europeus insistem que a moeda única é, realmente, baseada no forte desejo político de manter a paz eterna na Europa. Mesmo que no princípio a Zona Euro não satisfaça as pré-condições económicas necessárias, as variáveis económicas irão convergir no futuro. Os países de rendimento médio e baixos preços e salários cresceriam mais rápido com uma taxa de inflação mais elevada. O Pacto de Estabilidade e Crescimento garantiria a disciplina orçamental.

Durante a primeira e próspera década da Zona Euro, os apoiantes europeus pareciam ter ganho o debate. Os países da Zona Euro cresceram a uma taxa razoavelmente elevada, os rendimentos per capita e os níveis de preços convergiram, os "spreads" das taxas de juro reduziram-se e ocorreram, ocasionalmente, pequenas turbulências nos mercados. Vários países integraram, com sucesso, a Zona Euro após reformas orçamentais e monetárias. E mais aguardam para o fazer. O euro tornou-se a segunda mais importante moeda do sistema financeiro internacional.

Os asiáticos observaram a crise grega com uma sensação silenciosa de vingança. Em 1997, muitos asiáticos pensaram que os ataques especulativos que sofreram na altura as moedas asiáticas eram injustificados, com o primeiro-ministro da Malásia, Mohamad Mahathir, a liderar as acusações contra os especuladores.

Em resposta à crise, os asiáticos tentaram criar o Fundo Monetário Asiático, que ajudaria qualquer país atingindo pela crise, fornecendo-lhe liquidez maciça. Esperava-se que o simples anúncio da criação deste fundo detivesse os ataques especulativos. Mas o Fundo Monetário Internacional e os Estados Unidos rejeitaram esta ideia. Agora os europeus estão a estabelecer o Fundo Monetário Europeu - nome a que talvez se oponham - em cooperação com o Fundo Monetário Internacional.

Mas anunciar um programa do Fundo Monetário Internacional (com apoio bilateral regional) não foi o que acalmou os mercados na Coreia do Sul e na Indonésia em 1997. No final, a Coreia do Sul foi resgatada através de refinanciamentos coordenados e forçados de empréstimos de bancos estrangeiros (por que não tentar o mesmo na Grécia?) e a Indonésia viveu uma turbulência financeira porque o país não conseguiu cumprir a maior parte das condições do Fundo Monetário Internacional (um novo e mais amável FMI prescindiu desses requisitos no caso da Grécia).

Há duas diferenças entre a crise asiática de 1997 e a crise que se vive actualmente na Grécia. Uma tem a ver com quem pede dinheiro emprestado. Na Grécia, o problema tem a ver com os défices públicos (grande parte deles ocultados durante muito tempo), enquanto o problema na Ásia foi a dívida do sector privado, que cresceu sem controlo.

A segunda diferença tem a ver com o regime de taxas de câmbio. Os Estados Unidos, o Fundo Monetário Internacional e outros encorajaram os países asiáticos a aumentar a flexibilidade das taxas de câmbio. A depreciação que se seguiu à crise ajudou a acelerar a recuperação através do aumento das exportações.

De facto, dado que a depreciação é um instrumento fundamental para definir uma rápida recuperação económica, porque não convidar a Grécia a deixar a Zona Euro? Apesar de tudo, ao ficar no euro, é impossível o país registar uma rápida recuperação com base no aumento das exportações. A outra forma de conseguir uma depreciação em termos reais é através de uma maciça deflação dos preços domésticos, juntamente com uma severa recessão.

Além disso, todos os problemas estruturais da Grécia (base tributária fraca, um grande número de funcionários público que recebem bónus e pensões generosas) não podem ser sustentáveis dentro da Zona Euro. Mas resolver qualquer um deles vai ser extremamente difícil e se estes problemas não foram resolvidos na Grécia, e em outros países problemáticos da Zona Euro, estes países vão seguir a mesma tendência. Mesmo o Fundo Monetário Europeu pode não ser suficiente para resolver o problema, porque os que agora estão na equipa de resgate podem precisar de ajuda no futuro.

Qualquer crise financeira parece uma crise de liquidez para aqueles que estão envolvidos nela - ou próximos dela. A mesma crise é semelhante a uma crise de solvência para os que estão geograficamente distantes. E as crises repetem-se em diferentes regiões, impulsionadas por mecanismos financeiros e económicos semelhantes, apesar dos detalhes serem diferentes. Como escreveram Carmen Reinhart e Ken Rogoff, todas as pessoas que lidam de perto com uma crise financeira pensam "desta vez é diferente".

Mas a evolução da crise grega é diferente da crise asiática. Os europeus têm, actualmente, um fundo monetário regional, que os asiáticos queriam mas não puderam ter. A vontade política de proteger o euro é forte - talvez forte o suficiente para superar as preocupações com o risco moral. Manter a Zona Euro intacta, independentemente do custo, tornou-se a única opção viável da Europa uma vez que a moeda única foi adoptada.

Assim, enquanto a "eurolândia" corre o risco de entrar em colapso devido à crise grega, os economistas recordam a enigmática última linha da canção dos Eagles "Hotel California" dos anos 70: "You can check out any time you like, but you can never leave."

Esta frase ecoa enquanto a Alemanha e a Grécia contemplam o seu destino comum. As suas preocupações são uma boa lição para esses asiáticos que continuam a pensar em aprofundar a integração económica através de uma moeda única.


Takatoshi Ito, professor de Economia da Universidade de Tóquio, é um antigo vice-ministro das Finanças japonês para os Assuntos Internacionais e Conselheiro Sénior no Departamento de Pesquisa do Fundo Monetário Internacional.


© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques





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