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07 de Novembro de 2006 às 13:59

Políticas internacionais

Duas notícias do final da semana passada, sobre matérias tão diferentes como a organização sindical internacional e uma quebra de energia na Europa, ilustram bem até que ponto a integração das economias, ...

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Duas notícias do final da semana passada, sobre matérias tão diferentes como a organização sindical internacional e uma quebra de energia na Europa, ilustram bem até que ponto a integração das economias, a nível europeu e mundial, passou a dominar áreas essenciais ao desenvolvimento de qualquer país, sobrepondo-se à maioria das matérias que continuam a reter o interesse dos debates políticos internos e tornando-os, por isso, cada vez mais irrelevantes.

Uma dessas notícias passou largamente despercebida em Portugal e diz respeito ao apagão que teve lugar no sábado à noite, por um período de menos de uma hora, que não mereceria grande comentário não fosse o caso de ter tido origem num problema de rotina algures na Alemanha, que mergulhou na escuridão milhões de consumidores de energia eléctrica na França, Itália e partes da Espanha, Portugal, Holanda, Bélgica, Áustria e até Marrocos. O problema, que poderia ter sido bem grave se tivesse ocorrido num dia de semana em horário laboral, teve a vantagem de chamar a atenção para a incapacidade europeia para tratar adequada e estrategicamente a questão da energia. A política não cooperativa, que tem vindo a instalar-se na Europa e a alargar-se a um cada vez maior número de áreas, leva a que, em matéria de energia, tudo se reduza a uma política de abertura de mercados, pondo de parte as questões fundamentais do sector.

Nesse contexto, os Estados comportam-se como se o mercado único não existisse e, não só a Europa não tem uma política energética, como a própria concorrência é posta em causa, com a transformação de monopólios estatais em monopólios privados e com uma desconfiança crescente dos pequenos países relativamente ao avanço das "utilities" gigantes. A crescente preocupação com o problema da segurança do abastecimento pode aqui ter um de dois efeitos: o de reforçar as estratégias nacionais, o que acentuaria as actuais fragilidades e irracionalidades, ou o de fazer perceber que o grau de interdependência já atingido – ilustrado pelo pequeno episódio de sábado – e a importância estratégica essencial do problema para o futuro da Europa e de cada um dos países europeus exige uma radical mudança de rumo. Mas, para que este tenha lugar, é indispensável que os cidadãos europeus ganhem consciência dos problemas e do papel prático que a União Europeia deve ter na sua solução. A opacidade do debate energético e o predomínio das políticas não cooperativas não favorecem esse caminho.

O outro tema internacional, esse largamente divulgado entre nós, respeitou à criação da Confederação Sindical Internacional que reune federações sindicais representando 168 milhões de trabalhadores em 154 países, distribuídos por todos os continentes. O seu objectivo é o defender os direitos dos trabalhadores na era da globalização. Além de um passo, eventualmente importante, na despolitização das estruturas sindicais, o novo organismo pretende ser um interlocutor das grandes organizações internacionais, como o FMI, o Banco Mundial ou a Organização Mundial do Comércio, levando-os a ter em conta os interesses dos trabalhadores nas políticas que adoptam.

Este é sem dúvida um acontecimento importante, mas que suscita desde logo uma perplexidade: como é possível que só agora este passo tenha sido dado, precisamente quando os organismos internacionais em causa já avançaram tanto para além do "consenso de Washington" e quando o que está em causa, muito mais do que as políticas macroeconómicas que aí eram defendidas, é uma transformação da economia mundial que se caracteriza, por exemplo, pela duplicação da força de trabalho em função da entrada no mercado global da China, Índia e ex-União Soviética, ou pela entrada de quase mil milhões de novos consumidores nesse mercado, à medida que o rendimento das famílias nos países emergentes ultrapassa o limiar de subsistência, levando a que o comércio dos países desenvolvidos com os países em desenvolvimento cresça já duas vezes mais depressa do que entre os primeiros.

O problema actual para os trabalhadores resulta de que, embora o crescimento das economias emergentes favoreça globalmente os países desenvolvidos, as vantagens não se distribuem uniformemente, nem entre países, nem entre factores de produção. A integração da China e de outras economias emergentes no comércio mundial está a provocar a maior alteração de preços e rendimentos relativos (do trabalho, capital, matérias-primas, bens e activos) a que o mundo assistiu em pelo menos um século e está a dar origem a uma fortíssima redistribuição do rendimento: enquanto os preços dos produtos trabalho-intensivos que esses países exportam descem, os dos bens e matérias-primas que eles importam sobem. Por isso, se alterou a remuneração relativa do trabalho e do capital: o trabalho tornou-se mais abundante e os trabalhadores dos países desenvolvidos perderam capacidade negocial, o que se aplica não só ao trabalho não qualificado, mas a todo o que pode ser deslocalizado ou fornecido à distância.

A edição mais recente (de Setembro passado) do World Economic Outlook do FMI sublinha, por isso, que o actual desafio para os países desenvolvidos consiste em encontrar formas de distribuir melhor os benefícios da globalização, sem os reduzir, o que exige "uma alteração radical na forma de pensar a política económica". Nomeadamente, os governos terão de saber usar o sistema fiscal e a segurança social para compensar os trabalhadores que perdem com a globalização e a política monetária terá de ser repensada. A incerteza e os desequilíbrios acrescidos exigem capacidade por parte dos responsáveis para responder de forma flexível aos acontecimentos, para actuar de modo a antecipar e evitar a acumulação de tensões e para abordarem em conjunto a gestão dos riscos globais.

A nova estrutura sindical tem, pois o terreno facilitado no que respeita aos seus interlocutores institucionais. A questão actual é mais a de saber qual o peso destes na evolução das políticas económicas e sociais dos diferentes países.

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