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14 de Dezembro de 2006 às 13:24

Pinochet e a impunidade das ditaduras

Pinochet, responsável por um dos regimes mais repressivos, autoritários e sangrentos da América Latina, morreu na cama aos 91 anos de idade.

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Pinochet, responsável por um dos regimes mais repressivos, autoritários e sangrentos da América Latina, morreu na cama aos 91 anos de idade.

Nem as famílias das vítimas, amigos, jornalistas ou organizações de defesa de direitos humanos foram capazes de fazer condenar, em vida, o homem que, sob o pretexto de salvar o Chile do perigo comunista, procedeu a execuções em massa dos seus opositores, estimadas em mais de três mil, bem como conduziu à prisão cerca de 130.000 dirigentes de esquerda, para além de ter forçado ao exílio todos aqueles que não apoiavam o seu regime. De resto, nada mais do que desconfiar de tudo e de todos, baseado no seu próprio exemplo de traição, que cometeu contra Salvador Allende, depois de lhe ter jurado fidelidade, na sequência do golpe de Estado de 11 de Setembro de 1973, em que este se suicidou no Palácio de La Moneda, bombardeado e assaltado pelas forças armadas. Na sequência o Parlamento foi dissolvido, os partidos políticos suspensos e o comunismo proscrito.

Ou seja, um regime marcado por um historial de sangue, de violações dos mais elementares direitos democráticos e agora, mais recentemente, casos de corrupção com a utilização de fundos públicos, do enriquecimento ilícito, da falsificação de documentos e de fraude e evasão fiscais.

Não deixa de ser notável que Pinochet tenha sido capaz de alterar a Constituição de molde a estender o seu mandato, ou que tenha sido eleito senador vitalício com imunidade total ou, finalmente, que tenha sido libertado por razões de saúde quando foi preso em Londres.

É interessante verificar que a única perseguição a este homem nascido de uma família de origem francesa foi justamente feita, eficazmente, por europeus, no caso um espanhol, o famoso juiz Baltasar Garzon, e pela Inglaterra que o deteve por mandato deste em Outubro de 1998 até Março de 2000, por morte e tortura de cidadãos espanhóis e por crimes contra a Humanidade com base no relatório da Comissão Chilena da Verdade e do caso Caravana da Morte.

Com efeito, os juízes da Câmara dos Lordes decidiram que Pinochet não podia beneficiar de imunidade, tendo ficado em prisão domiciliária, da qual só sairia com o consentimento do governo trabalhista britânico que invoca razões humanitárias de saúde, embora a ultraconservadora Margaret Tatcher sempre o tenha apoiado, sobretudo após a ajuda dada pelo ditador na guerra das Malvinas contra a Argentina e, aliás, a única dirigente europeia a lamentar a sua morte.

Outra explicação para este apoio e libertação tem a ver com a tradicional aliança da Inglaterra com os Estados Unidos que pugnavam, na altura, contra uma esquerda imperialista, apoiando, assim, ditaduras latino-americanas como contraponto ao avanço, ideológico e outro, da União Soviética.

Não obstante, ainda há quem o considere um herói porque tornou o Chile um país próspero, ao nível económico, aconselhado pelos Chicago Boys, os jovens tecnocratas formados nos Estados Unidos, ao adoptar um modelo ultraliberal apoiado na privatização das grandes empresas e.

Contudo, há dois anos o Washington Post revelou que o Banco Riggs ajudou Pinochet a esconder diversos milhões de dólares, aquando da sua detenção na Grã-Bretanha, para além de se saber da existência de nove toneladas de lingotes em ouro em Hong-Kong numa filial do banco britânico HSBC.

Pinochet morreu mas a justiça não foi feita. A sua morte não pode constituir fundamento para não se apurarem culpas e se prosseguir com a possibilidade de obter a indemnização das vítimas. Este é, seguramente, um caso que nos deve fazer pensar e, sobretudo, agir na questão crucial da celeridade dos mecanismos judiciais ao nível internacional.

A Europa tem dado passos de gigante neste domínio, sobretudo com o mandato de detenção europeu, que tem de ser capaz de se estender ao resto do mundo. Caso contrário, a morte de um ditador na sua própria cama pode ser tida como metáfora de impunidade contra violações essenciais dos direitos humanos.

Especialista em Assuntos Europeus

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