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30 de Setembro de 2009 às 11:52

Penúltimo acto na crise iraniana

São pouco animadoras as perspectivas para as conversações que se iniciam na quinta-feira, em Genebra, entre o Irão, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha. A suspensão do programa de enriquecimento de...

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São pouco animadoras as perspectivas para as conversações que se iniciam na quinta-feira, em Genebra, entre o Irão, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha.

A suspensão do programa de enriquecimento de urânio, a troco de garantias de segurança e levantamento de sanções comerciais e financeiras, é o mínimo denominador comum entre ocidentais, russos e chineses, mas Teerão reitera, em princípio, o cunho pacífico do seu programa nuclear e recusa a exigência do Conselho de Segurança.

A construção de uma segunda instalação para enriquecimento de urânio, só reconhecida por Teerão a 21 deste mês, obriga ainda o Irão a aceitar a sua inspecção pela Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA).

Outro segredo controverso
A unidade, situada perto da cidade santa de Qom, entrará em funcionamento a partir do próximo ano e terá uma capacidade demasiado pequena para servir à produção de energia eléctrica, mas suficiente para enriquecimento de urânio, capaz de eventualmente ser utilizado para fins militares.

Tal como sucedeu no Verão de 2002, quando dissidentes iranianos revelaram a existência de instalações nucleares secretas em Natanz (enriquecimento de urânio) e Arak (produção de água pesada para moderar processos de fissão), a construção de mais uma unidade perto de Qom já era do conhecimento prévio dos serviços de informação norte-americanos, além de britânicos e franceses.

A nova unidade tinha sido identificada há pelo menos quatro anos pelos Estados Unidos e os trabalhos de construção aceleraram em 2006, o que se afigura contraditório com a avaliação oficial das 16 agências de informação norte-americanas de Novembro de 2007 de que o Irão teria suspendido no Outono de 2003 um "programa militar nuclear", ou seja após a invasão do Iraque ocorrida em Março.

A estimativa, referindo "alto grau de confiança" nas suas conclusões, definia como programa militar nuclear "projectos de concepção e aplicação armamentista e actividades clandestinas correlativas de conversão e enriquecimento de urânio".

O consenso oficial das agências norte-americanas foi imediatamente contestado, designadamente por alemães e israelitas, e, entre outras avaliações para consumo público, as presentes estimativas de Washington apontam para um prazo máximo de cinco anos até o Irão ter capacidade para dispor de suficiente urânio enriquecido, tecnologia para construção de dois ou três engenhos nucleares e respectivos meios de transporte.

Na frente de informação e desinformação, o Irão está, de momento, numa situação difícil para justificar omissões diversas e dados suspeitos na posse da AIEA e até à publicação do próximo relatório da agência de Viena, previsto para Novembro, não será possível aos inspectores concluírem o escrutínio da unidade de Qom.

Sanções em dúvida
No cenário provável das conversações de Genebra não produzirem resultados positivos, o Conselho de Segurança terá de decidir no final do ano um quarto pacote de sanções contra o Irão, na sequência das medidas adoptadas a partir de Dezembro de 2006 que incidem essencialmente sobre transacções relacionadas com equipamentos militares e aquisição de componentes para a indústria nuclear.

Os Estados Unidos têm vindo a agravar sucessivamente as sanções financeiras e comerciais desde a crise dos reféns de 1979-1981, a União Europeia, principal parceiro comercial do Irão, limita, também, transacções envolvendo o maior banco iraniano, o Banco Melli, e concessão de créditos, mas no contexto internacional o Irão consegue escapar a um bloqueio como o que recaiu sobre o Iraque de Saddam Hussein a partir de Agosto de 1990, após a invasão do Koweit.

A China surge claramente como o principal opositor a sanções multilaterais gravosas, dado que depende das importações de petróleo iranianas (15 % das compras chinesas de crude no primeiro semestre deste ano) e abastece Teerão com gasolina, através de intermediários em Singapura, já que a falta de capacidade de refinação do Irão obriga o país a adquirir no exterior o suficiente para satisfazer 40 % do consumo interno.

A Rússia, apesar das suas inquietações com o desenvolvimento do arsenal de mísseis iranianos e os riscos de proliferação nuclear no Médio Oriente, tem demasiados interesses estratégicos no Cáucaso e no Mar Cáspio para hostilizar Teerão, e, presentemente, limita-se a adiar a entrega de baterias de mísseis antiaéreos S 300, contratada em 2005.

Entre estados vizinhos, o primeiro-ministro turco, Recep Erdogan, já se manifestou contra a imposição de sanções que afectem designadamente as exportações de gás iraniano e o presidente do Iraque, Jalal Talabani, declarou contraprodutiva e ineficaz a eventual adopção de novas medidas punitivas contra Teerão.

A via do boicote aos fornecimentos de combustíveis, mesmo que Washington imponha medidas unilaterais contra empresas, seguradoras e resseguradoras envolvidas no fornecimento por via marítima de derivados do petróleo ao Irão, parece inviável e estados como a França têm presente que este tipo de embargos atinge brutalmente a população como sucedeu no Iraque.

Sanções contra investidores na indústria do petróleo e gás dificilmente serão aceites no Conselho de Segurança, ainda que talvez seja possível reforçar os controlos sobre transacções internacionais de empresas iranianas ou interditar vendas de equipamentos militares.

A próxima Primavera e talvez a guerra
No pior e mais previsível dos cenários não haverá compromissos aceitáveis para o Irão desenvolver um sector nuclear civil sob supervisão da AIEA e tão pouco será adoptado pela ONU um regime multilateral de sanções gravosas.

Falhada a via das sanções, aliás de eficácia duvidosa face à determinação dos diversos centros de poder no Irão quanto à necessidade de dotar o país de um programa nuclear civil capaz, no mínimo, de rápida conversão militar, restarão, já na próxima Primavera, duas alternativas.

Os Estados Unidos terão de optar entre aceitar um Irão capaz de se dotar a curto prazo de capacidade de dissuasão militar nuclear e respectivas consequências de proliferação regional, ou, então, preparar condições para um eventual acto de força.

Em Israel, partindo do princípio de que não serão aplicadas sanções internacionais gravosas, será chegada a altura em que terá de ser tomada uma decisão sobre a viabilidade e oportunidade de uma acção militar capaz de atrasar significantemente o programa nuclear do Irão.


Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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