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07 de Março de 2002 às 15:14

Pedro B. da Camara: «Mons parturiens»

É importante criar uma Cultura de Desempenho na Função Pública e recompensar, através duma componente variável os que mais se destinguiram no cumprimento dos seus objectivos e na contribuição para os resultados das instituições onde trabalham.

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É voz corrente que o País está parado, desde Dezembro passado. O Governo tornou-se invisível e os agentes económicos aguardam para ver o resultado das eleições de 17 de Março.

A situação deteriora-se. Decisões de investimento são adiadas, atrasam-se os pagamentos, não se admite pessoal. No mundo em que vivemos, três meses de «wait and see» podem ser fatais para as empresas e para os países, sobretudo quando as primeiras são pouco competitivas e quando o segundo sofre de graves desequilíbrios estruturais.

Veja-se com que determinação o Governo e o Congresso dos EUA reagiram ao 11 de Setembro. Em menos de um mês estava aprovado um pacote de estímulos à economia e de apoio aos sectores mais afectados.

Entre nós, os partidos vão lançando balões de ensaio, sobre privatizações e reformas estruturais. No entanto, o diagnóstico dos nossos males está feito há muito. O que precisamos é de acção e, nesse particular, os nossos antecedentes não são brilhantes.

Tradicionalmente, as reformas de fundo foram-nos impostas de fora ou feitas em ditadura. Vejamos o caso da Função Pública – todos reconhecem que tem que ser reformada. Que precisaríamos de metade dos funcionários que temos, com o dobro das qualificações e dos vencimentos.

Mas isso não basta.

É necessário que, para isso ser viável, se altere o papel que o Estado tem assumido, de entidade interventora, para um Estado regulador, que deixe o mercado funcionar e assegure as funções sociais que lhe cabem.

Sem essa mudança de paradigma é escusado pensar em fechar Comissões, Fundações, Institutos e similares.

Porque, a menos que tenhamos menos Estado, e com um papel arbitral, eles aparecerão, com outras roupagens a assegurar o controlo e intervenção que hoje são considerados indispensáveis. No entanto, porque reformas desse fôlego levam tempo e pedem uma invulgar coragem, há medidas que podem e devem ser tomadas, no curto prazo.

Uma das mais importantes é, sem dúvida, criar uma Cultura de Desempenho na Função Pública e recompensar, através duma componente variável de remuneração os que mais se destinguiram no cumprimento dos seus objectivos e na contribuição para os resultados das instituições onde trabalham.

E uma medida deste tipo – aliás preconizada tanto pelo PS como pelo PSD – provocaria uma verdadeira revolução de mentalidades. Na verdade, na Função Pública ninguém quer avaliar nem ser avaliado.

Basta ver o destino que teve o famigerado «sistema de notação» em vigor que, numa escala de 1 (mau) a 10 (excelente), só gera classificações globais entre 8 e 10. Ou seja, não serve para nada. E porquê?

Porque seria incómodo distinguir entre bons e maus desempenhos, sobretudo num contexto em que isso não é exigido pelas chefias de topo e em que o estatuto de emprego vitalício faz com que os maus funcionários continuem ao serviço, sem nenhuma consequência negativa.

Continuam a ganhar o mesmo e a evoluir na carreira, por força da antiguidade. Estamos, pois, perante um sistema perverso, que estimula as pessoas a fazerem o menos possível, porque fazer mais do que isso não é reconhecido e pior, desagrada aos preguiçosos que, assim, são postos claramente perante a evidência de que é possível fazer mais e melhor.

Daí que seja preciso partir do mais elementar, que é saber qual o conteúdo prático da função de cada funcionário, o que trará seguramente surpresas. Depois, fixar-lhes objectivos anuais, dentro da sua esfera de acção e que os comprometam também com as metas que a sua equipa deve alcançar.

Seguidamente, fazer o seu acompanhamento e apoiá-los na correcção de eventuais desvios, ao longo do ano. E, por fim, fazer-lhes uma avaliação final e dar-lhes uma classificação de mérito, em função dos resultados atingidos. E dispor de um sistema de recompensas variáveis para premiar os mais aptos. E não se diga que tais remunerações variáveis iriam onerar ainda mais a folha de salários.

Para financiar este bónus bastaria pôr termo às horas extraordinárias que se fazem em todos os serviços públicos (as mais das vezes, ficticiamente). Há é que ter a coragem de afrontar interesses instalados e de apoiar os mais aptos, que os há e muitos e estimulá-los a fazer mais e melhor. Uma medida deste tipo permitiria, se explicada de boa fé e com recta intenção, separar as águas. E trazer à luz do dia quem realmente trabalha e quem anda à boleia.

E são coisas simples, mas realmente reformadoras, que o país precisa e que lhe devem ser prometidas por quem o quer vir a governar. Porque, no ponto a que chegámos, já não nos bastam boas intenções. Precisamos de acção, que é, por definição, desagradável para alguns, mas imprescindível para criarmos nos órgãos do Estado uma meritocracia.

Chegámos, realmente, ao ponto em que não nos poderemos permitir que, como na fábula de Esopo, a montanha dê à luz um rato.

Pedro B. da Camara, Docente Universitário e Consultor

Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia

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