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29 de Julho de 2009 às 12:00

Outra promessa de reforma no Japão

Depois da "década perdida" e das reformas inacabadas do primeiro-ministro Juinichiro Koizumi, entre 2001 e 2006, o Japão está prestes a entrar num novo ciclo político que porá termo à hegemonia do Partido Liberal-Democrático (PLD)...

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Depois da "década perdida" e das reformas inacabadas do primeiro-ministro Juinichiro Koizumi, entre 2001 e 2006, o Japão está prestes a entrar num novo ciclo político que porá termo à hegemonia do Partido Liberal-Democrático (PLD).

O Partido Democrático do Japão (PDJ) vai, com toda a probabilidade, liderar o governo de Tóquio após as eleições de 30 de Agosto para a Câmara Baixa do Parlamento nipónico (Dieta), prometendo reformar o sistema político e relançar a economia.

A perda do controlo da Câmara Alta da Dieta em Julho de 2007 e a sucessão, entre escândalos e desavenças das facções do PLD, de três chefes de governo notoriamente incapazes foram o dobre de finados num cenário de agravamento das desigualdades sociais e perda de competitividade a que se juntou, por fim, a crise financeira e económica mundial, que resultou na pior recessão do pós-guerra no Japão.

Ganhar credibilidade
Às portas do poder, o PDJ tem passado os últimos meses a tentar ganhar respeitabilidade como partido governamental.

O controverso Ichiro Ozawa demitiu-se da presidência do PDJ a favor de Yukio Hatoyama em Maio devido a um escândalo de corrupção, mas, ainda assim, é um dos cabeças-de-lista em Tóquio e figura de proa na campanha eleitoral.

Fundado em 1998 por dissidentes do PLD e agregando, ainda, social-democratas, socialistas, sindicalistas e centristas de várias tendências, o PDJ é um partido heteróclito e a sua linha política tem sofrido revisões significativas.

Apesar de continuar a afirmar a necessidade de reorientar a aliança de defesa com os Estados Unidos numa base igualitária, o PDJ abandonou as reticências à missão logística da marinha japonesa no Índico para apoio ao esforço de guerra no Afeganistão e admite agora a comparticipação financeira de Tóquio na reorganização da rede de bases militares norte-americanas no arquipélago.

O PDJ ainda critica a concentração em Okinawa de 70% dos 37 mil militares dos Estados Unidos estacionados no arquipélago, considerando que devem ser redistribuídos por outras regiões, mas passou a aceitar a comparticipação financeira de Tóquio na transferência de 8 mil fuzileiros norte-americanos para Guam.

A instalação de armas nucleares norte-americanas ou a sua passagem pelo arquipélago sem consulta prévia ao governo de Tóquio, ao abrigo de um acordo secreto paralelo ao Tratado de Segurança Mútua de 1960, também já não é terminantemente repudiada pelo PDJ.

Hatoyama afirma estar disposto a negociar com Washington a eventual revisão do princípio dos "Três Nãos", adoptado numa resolução da Dieta de 1971, que exclui a posse, produção ou introdução no Japão de armas nucleares.

O PDJ concorda igualmente com as sanções em vigor contra a Coreia do Norte, as missões de patrulha da marinha japonesa nas costas da Somália e admite maior flexibilidade nas negociações com a Rússia sobre o Sul da cadeia das Curilhas anexadas por Moscovo no final da Guerra do Pacífico, mas reafirma a soberania japonesa sobre as quatro ilhas em disputa.

Além de aceitar o compromisso de reduzir em 25% em 2020 as emissões de gases com efeito de estufa em relação aos níveis de 1990, em vez dos 8% propostos pelo actual governo, o PDJ apresenta-se sobretudo como um garante da continuidade na política externa.

Disciplinar o Estado, reforçar o governo
Disciplinar a burocracia do estado e descentralizar poderes é uma das grandes promessas eleitorais do PDJ.

Hatoyama afirma que cumpre pôr cobro ao sistema preservo que caracterizou cinco décadas de governação em que as facções do PLD interferiam na actividade do executivo e a burocracia definia e controlava orçamentos à revelia do parlamento.

O PDJ propõe-se impedir que, uma vez referendado o executivo e o orçamento pela Dieta, facções do partido governamental vetem de facto as decisões do poder executivo.

Na prática trata-se de incorporar no governo os principais dirigentes do partido, evitando que os chefes de facções ganhem peso no parlamento e em órgãos de decisão informais.

O PDJ pretende impor a neutralidade do funcionalismo público e a sua subordinação ao governo através da nomeação de mais de uma centena de supervisores da Dieta para os principais organismo de estado, além de reforçar o papel das chefias políticas dos ministérios na elaboração e gestão do orçamento.

A par desta centralização da decisão política à custa da burocracia de estado, o PDJ defende a descentralização de poderes, incluindo gestão orçamental, para os municípios e órgãos de governo local.

Para um partido pouco coeso e sem experiência de governo, tamanha reforma, que implica a neutralização do alto funcionalismo público a par da sua subordinação a directivas de um governo partidário, remetendo, ainda, os parlamentares do PDJ a um papel de mero suporte político, parece de difícil concretização, mas é parte integral da própria estratégia económica e financeira.

Limitações orçamentais
Hatoyama considera ser possível recuperar mais de 100 mil milhões de dólares gastos de forma espúria num orçamento que atinge os 2.172 triliões de dólares e reorientar essa verba para programas de reforma da segurança social, apoio às famílias, consumidores, e ao sector agrícola reduzido a 3 milhões de pessoas - 70% na faixa etária a partir dos 60 anos - para estimular o consumo interno numa economia demasiado dependente das exportações.

A reforma do sistema de reformas e a garantia de uma pensão mínima universal de 70 mil ienes (515 euros) é uma das prioridades num país em que 21,5% da população atingiu a faixa etária a partir dos 65 anos.

As projecções apontam para uma redução da população dos actuais 127 milhões para 89 milhões em 2055 e o PDJ não contempla o recurso a mão-de-obra imigrante, apesar de pouco mais de 2,5 milhões de estrangeiros viverem no arquipélago.

O PDJ visa financiar a reforma do sistema de pensões através do imposto sobre o consumo, cuja revisão dos actuais 5% para valores mais elevados considera não ser possível efectuar nos próximos quatro anos.

Tal como no caso de apoios às famílias com filhos menores de 15 anos, da eliminação de portagens em auto-estradas, ou da redução dos impostos sobre os lucros para pequenas e médias empresas, de 18% para 11%, o PDJ confronta-se com problemas de financiamento que não serão superados pela prometida redução de deduções fiscais para os rendimentos mais altos.

O défice orçamental ronda os 7% do PIB e para o presidente do PDJ só após a estabilização da economia será possível apontar objectivos quantitativos para a sua redução.

Uma retoma lenta

Os 264 mil milhões de dólares em programas de estímulo à economia (cerca de 2% do PIB) injectados desde o Outono de 2008 tardam a relançar o consumo interno, e o desemprego deverá ultrapassar no final do ano o recorde de 5,5% registado em Abril de 2003.

O partido, com apoio da esquerda, defende um aumento do salário mínimo e a garantia de igualdade salarial para trabalhadores temporários.

A reforma laboral de Koizumi de 2004 acelerou as desigualdades de remunerações e presentemente trabalhadores a prazo ou a tempo parcial representam um 1/3 da mão-de-obra com remunerações em média 40% inferiores à do pessoal do quadro.

Esta remuneração diferenciada da força de trabalho foi um dos factores que permitiram às empresas evitarem maiores perdas de competitividade, apesar de o Japão ter caído para nono lugar em termos mundiais.

O PDJ contará com apoio eleitoral e político para rever o sistema de remunerações, ainda que muitas empresas possam repercutir aumentos de custos sobre fornecedores ou reduzir pessoal, mas confrontar-se-á com forte resistência por parte das associações patronais.

As dificuldades da retoma económica, após a contracção de 3,5% do PIB no ano fiscal terminado em Março, são outro factor inibidor de reformas a curto prazo.

Apesar do declínio das exportações em Junho (menos 35,7% em relação ao mês homólogo do ano anterior) ter diminuído cerca de 5% comparado com a quebra das vendas ao exterior de Maio, apenas as grandes empresas beneficiaram destes resultados.

A dívida pública supera os 180% do PIB, o pior índice na OCDE, e, salvo um aumento nas emissões de títulos do tesouro, tradicionalmente subscritos na quase totalidade pelos particulares e a banca japoneses, o PDJ terá grandes dificuldades em financiar as suas promessas.

Um novo ciclo político vai começar no Japão caso o PDJ venha a conseguir maioria para formar governo sem necessidade de alianças comprometedoras, mas muitas das reformas dificilmente serão concretizadas.


Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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