Opinião
Os modelos dos “neo-cons”
A “nova” Direita portuguesa ou neo-conservadores (neocons, na inspirada definição francesa) tem manifestado um esparvoado regozijo com a “descoberta” de Nelson Rodrigues, e uma babada adulação por Diogo Mainardi.
A “nova” Direita portuguesa ou neo-conservadores (neocons, na inspirada definição francesa) tem manifestado um esparvoado regozijo com a “descoberta” de Nelson Rodrigues, e uma babada adulação por Diogo Mainardi.
Quando os neo-cons descortinarem David Nasser ou Henrique Pongetti, entre outros jornalistas e cronistas brasileiros de linhagem, o espanto será aparvalhado.
Nelson, Nasser e Pongetti, intelectuais de Direita, como Orígenes Lessa ou Gustavo Corção, foram tudo o que os seus correligionários portugueses nunca serão.
Mainardi é um crítico menor, sem a força, a originalidade e o fulgor de Paulo Francis, de quem ambiciona ser discípulo, sem passar de epígono subalterno.
Francis estudara nos jesuítas, provinha do trotsquismo, fizera a escola de reportagem do “Última Hora”, o lendário jornal de Samuel Wainer, fundara “Status”, revista snob e culta, proseara no “Pasquim”, e instalara-se nos Estados Unidos, onde mudou de ideias e de convicções.
Deixou páginas terríveis e amiúde tão injustas quanto modelares pela concussão verbal.
Mainardi é um poço de rancor. Os seus textos na “Veja” demonstram uma criatura ressentida e intelectualmente execrável, e as intervenções que faz, no Manhattan Connection, revelam um substituto amarfanhado de Arnaldo Jabor.
Conheci Nelson Rodrigues no Rio de Janeiro, onde então eu vivia, década de 60. Eça de Queiroz era o seu xamã literário. Quando do golpe de Estado militar, em Abril de 1964, Nelson apoiou os generais e perdeu quase todos os amigos.
Os artigos que, então, assinou atingiram os territórios do asqueroso. Injuriava aqueles dos seus companheiros, hostis ao pronunciamento, demonstrando uma sordidez moral que se não associava à magnitude do dramaturgo que fundara o teatro moderno brasileiro.
Um dos seus alvos predilectos era Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde), grande intelectual católico, que se opusera, com admirável coragem, ao golpe de Estado patrocinado pela CIA e que depusera o governo institucional de João Goulart.
As crónicas de Nelson Rodrigues não atingiram, nunca, o grau de excelência literária das de Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Carlos Heitor Cony ou Paulo Mendes Campos.
Porém, não se pode negar ao cronista a destreza no uso de metáforas, sobretudo quando escrevia (ou falava) sobre futebol. Aliás, atingiu a popularidade em desabridos debates na televisão. De punho cerrado e verbo iracundo quase agredia o interlocutor que o contradizia.
Conheci-o nesse ano tenebroso. Falava de liberdade, admirava Salazar, e as reservas que fazia a Franco eram meramente académicas. Afirmava-se “democrata” mas concordava com as sevícias praticadas em adversários da ditadura militar.
Aconteceu um porém: o seu filho, Nelson, conhecido por Nelsinho, envolveu-se na Resistência ao regime dos generais, foi preso e barbaramente torturado.
Há uma carta em forma de crónica dirigida ao Presidente da República, reveladora daquilo que, efectivamente, Nelson Rodrigues era: um homem atormentado por dilacerantes contradições, assustado, minado de dificuldades, incompreendido, desprezado pelos antigos amigos, detestado pelo próprio sistema que defendia com denodo.
Batiam-lhe nas costas e contavam-lhe piadas, mas ele sentia a frivolidade de todas aquelas manifestações de falso apreço. Um dia, no jornal “O Globo”, onde trabalhava, um editorial aplaudiu a proibição a um romance de Nelson Rodrigues, “O Casamento”, cuja tese punha em causa os valores tradicionais da família brasileira.
O que, ainda não havia muitos anos, provocaria uma onda de protestos, claudicou num silêncio geral. Muitos anos antes de morrer, em 1980, já o escritor era conhecido em Portugal.
Os neo-cons portugueses apenas repetem, como se de novidade se tratasse, o que já havíamos dito - há quarenta anos. Nada de novo na frente cultural da direitona.