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Opinião
04 de Agosto de 2006 às 13:59

Os danos colaterais da fuga aos impostos

A publicação da lista negra dos devedores ao Estado é uma decisão governamental a aplaudir. Parece, no entanto, a muitos de nós, que o número apresentado é escasso, e não justificável com a prudência que estes assuntos merecem e exigem.

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Nas horas que antecederam a divulgação do rol, muitos deles cumpriram o que deveriam ter feito a tempo e horas, e muitos outros mais decidiram recalcitrar, apresentar reclamações, corrigir o que, no seu entender, está errado.

Numa sociedade civilizada (já não digo moralmente estatuída em cidadania) os compromissos fiscais com o Estado correspondem à ordem natural das coisas. Em certos países, a fuga ao fisco dá cadeia, caso dos Estados Unidos, onde as penas são pesadíssimas, por exemplares. Aqui, pouco ou nada acontece. Um dos devedores, interpelado por um repórter do TVI, ameaçou-o de estilhaçar a câmara. Há, neste caso, um delito evidente. Arremeter alguém, de punho cerrado e frases soezes, é motivo de tribunal. Impedir um jornalista de exercer livremente a sua tarefa constitui acto punível. Tudo vai passar sem nada acontecer ao energúmeno.

Não é só o calote em si mesmo uma infracção grave. As consequências do incumprimento dos impostos atingem aspectos fatais. Os chamados danos colaterais. É enorme a relação de empresas fraudulentamente encerradas, enquanto os patrões adquirem carros de luxo, vivendas sumptuosas, transferências de vultosas verbas para o estrangeiro. É dolorosamente volumoso o número de desempregados sem acesso a subsídios. É obscena a quantidade de fábricas e de empresas que mudam de nome e de local, deixando atrás de si um rasto de angústia e de desespero. É criminosa a displicência desses defraudadores profissionais, alguns deles com largo cadastro nestas manigâncias. Atingem proporções desmesuradas os desequilíbrios, em todos os sectores sociais, provocados pela fuga aos impostos. A prática da vigilância fiscal e o exercício da punição modelar aos prevaricadores são complementos fundamentais do edifício democrático.

Estávamos mais ou menos concordes com a decisão, eis senão quando o CDS aparece e diz, por antinomásia, estar em desacordo. O CDS ameaça tornar público catálogo da dívidas do Estado. Que o faça!, exclamo, com o maior dos contentamentos. Lamento, apenas, que só agora o faça, num eloquente testemunho daquilo que, na realidade, nada tem a fazer. Sejamos claros: de forma directa ou indirecta, o CDS, apesar da sua módica representação política, tem estado no poder, nos últimos trinta anos. É responsável por algumas das mais obscenas omissões, por alguns dos mais cavilosos silêncios e cumplicidades sobre práticas que a ética condena e o «personalismo cristão» verbera e condena. Não será único, nesta matéria. Mas é o CDS que vem a terreiro. Sem, no entanto, proceder ao acto de contrição tão próprio de um partido que se proclama ungido da verdade e repleto de virtude evangélica.

Entende-se esta recente vocação para o escrutínio da sinceridade e para o apanágio da boa-fé. O CDS atravessa momentos complicados. Não é novidade, claro!, porque o CDS deixou de ser um alvoroço de metáforas para se transformar num azougue de ficções. Ribeiro e Castro, que dirige o partido em Bruxelas, e, no remanso do lar lisboeta, os interesses portugueses na Europa, toma como reclame tudo aquilo que se lhe diz. Enternece o modo como passa a razoira implacável pelas desavenças dos seus contestatários. Finge ignorar a teia de intrigas tecida por Paulo Portas e pela alegre plêiade que rodeia o antecessor, praticando o que entende ser política hábil: irrita-os através de frases enviezadas e, agora, num almoço com Manuel Monteiro, secretamente anunciado por toda a Imprensa.

Altos dirigentes do CDS produziram deliciosas explosões críticas. Os jornais, mais dados às miuçalhas da politiquice do que inclinados a informar as causas das coisas, abriram, de par em par, as páginas nobres, celebrando os fastos domésticos do curioso partido do Largo das Caldas.

Que vale o CDS no contexto mais alargado da Direita portuguesa? Que tem Ribeiro e Castro a acrescentar à ideologia, à doutrina, ao método, a não ser o melancólico elemento da sua reconhecida mediocridade? Que significado assume, nesta panóplia, o funesto Manuel Monteiro? Note-se que nada tenho de pessoal contra estas criaturas. Mas creio haver uma necessidade indispensável de recomendá-los para outras actividades, que não aquelas para as quais, manifestamente, não dispõem de talento, nem de vocação, nem de estatura intelectual.

A crise do CDS é uma constante. Nos últimos tempos, animada pelo desconsolado Paulo Portas que deseja vingar-se de toda a gente com maior ou menor grau de intensidade. Portas é uma criação de si mesmo: seu mérito e sua grandeza. Quando sai do que se mete, aquilo em que se meteu soçobra. Claro que é um caso de adolescência prolongada. Melhor do que ser um caso de velhice antecipada, de que são exemplos José Ribeiro e Castro e Manuel Monteiro.

Com a clarividência e a acutilância que lhe é habitual, Maria José Nogueira Pinto colocou tudo no lugar devido: «Manuel Monteiro não representa absolutamente nada, nem à direita, nem ao centro, nem à esquerda. E convém lembrar que se portou bastante mal com o CDS». É evidente que Maria José também sabe que Ribeiro e Castro pouco representa. Mas, por enquanto, serve de tampão à presumível ascensão de Portas, cujo estilo, comportamento, ladinice ela detesta e despreza, porque pouco consentâneos com a dignidade exigível em política.

Estes malabarismos do CDS, relativamente à lista negra dos devedores ao Estado, não me parecem ser bom discernimento estratégico. Salta à vista desarmada que fundamentam uma ocultação das extremas dificuldades pelas quais o partido de novo atravessa. Tal como têm actuado, a direcção e o grupo parlamentar, este averiguadamente antagonista daquela, revelam não dispor de habilitações, e emergem como industriosos suspeitos. Ninguém os toma a sério, nem eles mesmos de si próprio.

APOSTILA - Dilecto: mais um livro lhe aconselho, «Camilo Broca», de Mário Cláudio, Publicações Dom Quixote. Não é, somente, um grande texto, tecido com uma sabedoria vocabular assombrosa, por ímpar, no panorama da literatura portuguesa actual. É uma indagação minuciosa, irónica e dramática do ser português: um aviso do que nos distingue como rivalidade assassina e nos incita à mais doce das ternuras. E, também, uma surpreendente originalidade temática. Mário Cláudio é um autor: atingiu as alturas, raras para os outros, do demiurgo, do criador que nos convida a entrar nos secretos domínios da alma, a fim de nos conhecermos a nós próprios. Direi: um romance absolutamente indispensável.

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