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OE’2007: A (des)ilusão do combate à despesa (I)

Acho o Orçamento do Estado para 2007 (OE’2007) uma desilusão. Nas semanas que antecederam a apresentação do documento foram criadas tantas expectativas quanto a "factos inéditos positivos", ...

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Nas semanas que antecederam a apresentação do documento foram criadas tantas expectativas quanto a "factos inéditos positivos", sobretudo do lado da despesa pública (leia-se "cortes", "reduções", etc.), que me interroguei: "bem, será que desta vez é que vai mesmo ser?"? Afinal?

Mas não sou o único a estar desiludido: por exemplo, a Fitch, única agência de rating que até agora se pronunciou sobre o OE’2007, não se impressionou nada com o documento e manteve a tendência negativa do rating da nossa dívida pública (isto é, manteve o risco de a notação atribuída ao nosso país poder ser revista em baixa). E vários economistas e gestores também se pronunciaram no sentido da insuficiência e da desilusão.

Vamos falar claro: Portugal tem, indiscutivelmente, um excesso de despesa pública, sobretudo de despesas correntes, de funcionamento – do aparelho do Estado. É aí que reside o famoso "monstro". E é aí que ele precisa de ser combatido. Ao mesmo tempo, Portugal tem um claro problema de falta de competitividade fiscal – uma das componentes da competitividade geral, nem mais nem menos importante que outras componentes, mas que não pode (nem deve, face às tendências internacionais) ser esquecida.

Ora, nenhum destes dois problemas é combatido eficazmente no OE’2007. Que, como tal, não me parece ser um Orçamento adequado. Explicarei porquê nas linhas que se seguem e no próximo texto, de hoje a duas semanas.

1. Nunca, na sociedade portuguesa, se encontraram reunidas tantas condições como agora para cortar eficazmente na despesa pública. E quando escrevo "cortar" refiro-me à sua redução de facto, em termos absolutos. Nunca tal foi feito – infelizmente. Sei que não é fácil. Mas nunca, como hoje, foi tão necessário. E isso, sim, a acontecer, teria sido inédito. É verdade que a despesa pública, a despesa pública corrente e a despesa corrente primária (para só referir os agregados da despesa mais importantes) descem em percentagem do PIB – e que isso é, inegavelmente, positivo. Mas esse não é o único critério relevante para se avaliar o que acontece na área da despesa pública. O crescimento destes agregados face ao ano anterior é, igualmente, importante. E a verdade é que, em 2007, a despesa pública total, corrente e corrente primária (i) sobem todas em valor absoluto (assumindo valores record); (ii) sobem mais do que se admite virem a aumentar em 2006 (respectivamente 2.6%, 2.9% e 2.5%, contra 0.4%, 1.3% e 0.8%); e (iii) sobem em termos reais (isto é, acima da inflação).

2. Ora, desta forma é transmitido um sinal de laxismo aos agentes (famílias e empresas), que considero absolutamente errado, até pelo momento difícil que a economia portuguesa continua a atravessar (não, a crise não acabou, infelizmente?). O que teria sido correcto, mesmo não conseguindo reduzir a despesa pública de facto, era, pelo menos, que todas estas componentes da despesa crescessem menos do que em 2006. Não acontecendo assim, o que se pode concluir é que, se existiu um esforço de contenção ou de consolidação, esse esforço resultou num rotundo falhanço – que, aliás, só não foi maior porque o investimento público é, de novo, reduzido face à execução do ano anterior (queda de 10.4% em 2006; queda de 3% em 2007). Não creio que possa ser criticável uma escolha criteriosa do investimento público a ser realizado e que possa levar a uma descida de um ano para o outro – ou mesmo em mais anos consecutivos – desta variável. Mas também não creio que tenha sido este o critério que presidiu a um novo corte no investimento público. Na verdade, inclino-me mais para uma opção de cortar onde é mais fácil fazê-lo, deixando a despesa corrente continuar a crescer. E isso, sim, é bastante criticável.

3. "Onde cortar?", pergunta repetidamente o Ministro das Finanças. Posso deixar duas sugestões que não incluem a área social (segurança social, saúde, educação), ao contrário do que o Ministro gosta de apregoar como sendo aquelas da minha preferência (o que, obviamente, é falso). Primeira: No relatório do OE, pode ler-se que as despesas de funcionamento dos ministérios em sentido estrito serão reduzidas em 3.6%... Ou seja, apenas os montantes suportados por receitas gerais do Estado. Porque as despesas com consignação de receita crescem? 35.8% – o que, no total, leva a que, afinal, as despesas de funcionamento cresçam 3.6%, contra 2.5% em 2006. Ora, estas despesas com consignação de receita dizem respeito, essencialmente, à área social (Segurança Social e Caixa Geral de Aposentações) e resultam do adicional do IVA (os 2 pontos percentuais resultantes da subida de 19% para 21% no ano passado) e da subida das contribuições dos funcionários públicos para a ADSE em 0.5 pontos percentuais (para 1.5%) e da aplicação de uma taxa de 1% às pensões dos reformados do funcionalismo público. São, claramente, financiadas com mais receita, resultante, também, do aumento de impostos. Mas então por que não se foi mais longe no corte das despesas de funcionamento em sentido estrito? Porquê apenas 3.6%?!...

Segunda (ligada à primeira): se já tivesse sido levada à prática uma real reforma da administração pública, que incluísse o repensar das funções do Estado, a implementação de um efectivo regime de avaliação dos funcionários públicos, e a criação de um regime de redução de funcionários públicos (sem despedimentos, claro, mas com acordos de rescisão financiados por emissão de dívida pública, por exemplo), creio que a situação já poderia ser outra em 2007. E se calhar a "tal" redução de 3.6% das despesas de funcionamento em sentido estrito, poderia ser bem maior? Mas o primeiro ano e meio de governação foi perdido a estudar o que já tinha sido estudado e o famoso PRACE está atrasadíssimo (como se comprova pela necessidade de manter o congelamento das progressões das carreiras em 2007 – o que, inicialmente, estava previsto apenas para 2006): só agora foram publicadas em Diário da República as leis orgânicas dos Ministérios com as novas macroestruturas, para as quais, por mais extinções que sejam anunciadas, se continua a desconhecer as poupanças que deverão gerar (será que deverão mesmo?...). É, assim, legítimo duvidar que tudo isto possa entrar em vigor ao longo de 2007, não só porque até agora nada se fez (embora muito tenha sido anunciado?), como estamos quase a entrar na segunda metade da legislatura, tempo mais dado a eleitoralismos do que a medidas e acções impopulares (mas necessárias)?

?Assim sendo, oxalá esteja enganado, mas creio ter sido perdido um tempo precioso, que veio contribuir decisivamente para que os três anos de 2005 a 2007 tenham sido desaproveitados em termos de consolidação orçamental pelo lado da despesa – aquela que verdadeiramente interessa e de que o país estava (e continua a estar) necessitado como "do pão para a boca".

Na segunda parte deste texto, dentro de duas semanas, apresentarei as estatísticas que sustentam este raciocínio e concluirei esta breve análise genérica ao OE’2007.

Nota: A segunda parte deste texto será publicada no próximo dia 14 de Novembro.

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