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Andrés Velasco - Economista 07 de Maio de 2012 às 23:30

O último espectáculo da Argentina

A única coisa pior do que um mau filme é assistir a um mau filme mais do que uma vez. Ao nacionalizar a gigante petrolífera YPF, a Argentina fez-nos assistir a uma história de nacionalismo económico de um estilo que todo o mundo conhece bem. Nós já assistimos a este filme e ele termina mal.

A começar com uma exagerada e previsível reacção dos empresários e dos políticos conservadores. Depois da expropriação, eles insistiram que ninguém mais vai voltar a investir na Argentina.

E isso é falso, assim como eram as anteriores considerações que sustentavam que ninguém iria conceder emprestimos à Argentina depois do enésimo incumprimento da dívida. Como P.T. Barnum nos recorda, a todos os minutos nasce um otário; e é quase tão frequente nascer um otário que vai ser resgatado pelo seu governo por ter muitos empréstimos.

Mas o que está em jogo sempre que o governo argentino faz uma exibição populista não é o destino dos investidores estrangeiros, mas o dos cidadãos argentinos. O populismo e o nacionalismo económico têm vindo a empobrecer a Argentina desde, pelo menos, a década de 1940. Desta vez não será diferente.

A Argentina tem vindo a provocar uma confusão no seu sector energético há mais de uma década. Depois da crise económica, em 2001, as autoridades fixaram os preços da energia em termos nominais e mantiveram-nos assim durante anos mesmo com a inflação a atingir mais de 20% (de acordo com as estimativas independentes; os números oficiais são "cozinhados" para mostrarem uma inflação mais baixa).

Por isso, não é surpreendente que os consumidores tenham consumido em excesso e as empresas tenham feito poucos investimentos. A produção estagnou. Com o gás a ser cada vez mais escasso, a Argentina entrou em incumprimento no que toca aos seus contratos de exportação de gás para o Chile e impôs impostos abusivos e arbitrários na venda de gás ao seu vizinho.

Hoje, a Argentina é apontada como detentora da terceira maior reserva de gás de xisto no campo, sugestivamente apelidado, de "Vaca Morta". O governo da Argentina não tem nem dinheiro nem a tecnologia para explorar estes vastos recursos. A Argentina pode escolher seguir o caminho da Bolívia: expulsar as empresas estrangeiras e a seguir falhar na extracção de gás. Caso contrário, vai ter de encontrar parceiros, muito provavelmente estrangeiros.

Por isso, a questão não é se os argentinos estão orgulhosamente sozinhos, mas que tipo de parceiros vão ter. A Argentina acabou de expulsar uma empresa cujo capital advém sobretudo de um país democrático, a Espanha. Por todos os seus defeitos – eles nunca foram modelos de inovação ou de uma gestão orientada para o futuro – a YPF e a sua empresa mãe, a Repsol, eram, pelo menos, ligadas pelas regras exigidas à negociação nas bolsas de valores dos países desenvolvidos.

Se as notícias que têm vindo a ser publicadas na imprensa estão certas, o próximo parceiro estrangeiro da YPF pode muito bem ser a China. E o historial das empresas chinesas em África, onde entram numa verdadeira corrida para controlar os recursos naturais, com pouca consideração pela transparência e pela contabilidade moderna, assim como pela protecção ambiental, direitos humanos e liberdades democráticas, não é propriamente encorajador.

De acordo com as indicações recentes, a nova YPF não será uma empresa modelo. Reconhecendo que muitos países europeus e asiáticos têm empresas estatais bem-sucedidas, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) desenvolveu um código de boas práticas. A OCDE recomenda investir em empresas independentes dos interesses de curto prazo dos políticos, nomeando administrações independentes, melhorar os mecanismos de divulgação de informação, monitorizar os conflitos de interesses e contratar gestores profissionais. Estes eram os princípios em vigor quando o Congresso do Chile, como parte da adesão do Chile à OCDE, votou em 2009 para renovar a governação corporativa do gigante do cobre Codelco.

Em contraste, na Argentina, o vice-ministro do Governo, cuja experiência profissional é na teoria académica, foi destacado para a YPF. A qualidade da gestão é, provavelmente, tão alta como na Aerolíneas Argentinas, que voltou a ser nacionalizada recentemente, e cujas rabugentas assistentes de bordo e os permanentes atrasos nas partidas se tornaram anedota no sector. A administração da YPF vai ser constituída por muitos membros da "La Cámpora", um grupo de jovens Peronistas liderado por Máximo Kirchner, filho da presidente Cristina Fernández de Kirchner.

A perspectiva de que a YPF poderia estar a lançar o caminho para a próxima geração da dinastia Kirchner seria absurdo se não fosse inquietantemente plausível. A família Kirchner parece estar a trabalhar duramente para provar o famoso ditado de Marx que diz que a história se repete, "da primeira vez como uma tragédia, da segunda vez como uma farsa". De facto, os governos dos Kirchners devem mais a Groucho, Chico e Harpo do que a Karl. Como é triste para a Argentina.

Andrés Velasco, antigo ministro das Finanças do Chile, é professor convidado na Columbia University.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2012
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro
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