Opinião
O terramoto chileno
Sebastián Piñera assume amanhã a presidência para um mandato de quatro anos que será marcado pelo investimento na reconstrução das regiões devastadas pelo sismo de 27 de Fevereiro e o objectivo de elevar o Chile ao nível dos países mais desenvolvidos...
Sebastián Piñera assume amanhã a presidência para um mandato de quatro anos que será marcado pelo investimento na reconstrução das regiões devastadas pelo sismo de 27 de Fevereiro e o objectivo de elevar o Chile ao nível dos países mais desenvolvidos antes do final da década.
O sucessor de Michelle Bachelet, após vinte anos de governação do centro-esquerda, propõe-se elevar o PIB per capita dos actuais 14.465 dólares - na estimativa do FMI que refere para Portugal 23.073 dólares - para 24.000 dólares em 2018, graças a um crescimento económico anual de 6% e à criação de um milhão de empregos.
Os custos de um terramoto de magnitude 8,8, o quinto mais violento a nível planetário nos últimos 110 anos, irão, no entanto, pôr em causa os cálculos de Piñera.
Os prejuízos poderão rondar os 30 mil milhões de dólares, cerca de 15% do PIB, segundo admite num cálculo muito pessimista o presidente eleito, estando identificadas no início desta semana 497 vítimas.
Nas regiões mais atingidas do Centro e do Sul, que representam 27 % do PIB chileno, as principais indústrias - siderurgia, produção de madeira, pasta de papel, pesca, viticultura e outros sectores agrícolas - irão ressentir-se da catástrofe, mas as grandes minas de cobre - matéria-prima que representa 30% das exportações -, situam-se a Norte e não foram afectados pelo sismo e maremotos.
A economia chilena deveria crescer 4,5% em 2010, depois de uma contracção de 1,8% em 2009, segundo previsão da Comissão Económica para América Latina e as Caraíbas. As perdas das empresas e a destruição de habitações e infra-estruturas obriga a rever esta estimativa, mas algum cálculo optimista considera que o investimento estatal no segundo semestre compensará os prejuízos.
O Chile conta com meios próprios para enfrentar a catástrofe, tanto mais que o fundo criado com as receitas das exportações de cobre permitiu acumular reservas de 15 mil milhões de dólares, e conta com boa cotação nos mercados financeiros caso recorra a empréstimos externos.
Os pobres e os ricos
O sismo evidenciou, contudo, o custo tremendo e o risco de destabilização derivados da acentuada desigualdade na distribuição de rendimentos que caracteriza a sociedade chilena.
As pilhagens nas cidades de Concepción, Talca e Talcahuano antes da imposição do estado de sítio e da tardia intervenção do exército que a presidente Bachelet hesitou em mobilizar, foram sinal evidente da exasperação dos desvalidos do boom económico.
O Relatório do Desenvolvimento Humano de 2009, referindo dados relativos a 2007, indica que os 10% chilenos mais ricos dispõem de rendimentos equivalente a 41,7% do PIB e os 10% mais pobres apenas 1,6%, um Coeficiente de Gini de 52 (38,5 para Portugal).
Apesar de 20% dos chilenos terem superado a pobreza desde o retorno à democracia nas duas últimas décadas presentemente 14% da população ainda subsiste abaixo do limiar de sustento mínimo.
Reduzir estas assimetrias na distribuição do rendimento torna-se assim uma das tarefas mais urgentes do executivo de centro-direito que agora chega ao poder.
A hesitação da presidente
Bachelet, que se preparava para deixar a presidência com um imenso capital político e uma taxa de aprovação de 83%, sai do palácio de La Moneda bastante ferida.
A primeira mulher a tutelar a pasta da Defesa num país latino-americano, entre 2002 e 2004, a presidente prestigiada, mas também a estudante de medicina que viu seu pai morrer nas prisões de Pinochet e sofreu a tortura e o exílio com a mãe, hesitou durante mais de um dia em mobilizar as forças armadas que, afinal, acabaram por cumprir até agora de forma exemplar tarefas de auxílio à população e restauraram a ordem sem violências ou abusos.
Bachelet tem uma quota de mérito nesta transformação dos militares chilenos, mas a sua hesitação inicial atrasou o auxílio e a descoordenação administrativa, além do erro fatal dos Serviços Hidrográficos e Oceanográficos da Marinha que descartaram a possibilidade de maremotos, acabou por agravar uma situação de desastre nacional.
Uma sondagem publicada domingo por "El Mercurio", o principal jornal do país, indicava que 60% dos inquiridos classificava a resposta do governo ao sismo como lenta e ineficiente, chegando a 72% os que consideravam Bachelet ter reagido tardiamente para restaurar a ordem pública.
A hora de Piñera
Piñera, que manteve uma exemplar cooperação com Bachelet desde a sua eleição a 17 de Janeiro, acabou por criticar a presidente pelo atraso na mobilização dos militares, mas não forçou a nota e solicitou a colaboração de altos responsáveis do governo cessante para acções de emergência no próximo executivo.
O sucessor de Bachelet está, igualmente, a negociar com os partidos do centro-esquerda alterações ao orçamento e legislação extraordinária para a reconstrução das regiões devastadas.
Ao próximo presidente, senhor de uma fortuna na ordem dos mil milhões de dólares, segundo a "Forbes", cabe agora manter o rumo que permitiu ao Chile uma bem sucedida transição democrática, consolidar as instituições nesta alternância de poder, e fazer jus às perspectivas de desenvolvimento económico de um Chile que ainda em Janeiro se tornou no primeiro país da América do Sul a ingressar na OCDE.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
Assina esta coluna semanalmente à quarta-feira
O sucessor de Michelle Bachelet, após vinte anos de governação do centro-esquerda, propõe-se elevar o PIB per capita dos actuais 14.465 dólares - na estimativa do FMI que refere para Portugal 23.073 dólares - para 24.000 dólares em 2018, graças a um crescimento económico anual de 6% e à criação de um milhão de empregos.
Os prejuízos poderão rondar os 30 mil milhões de dólares, cerca de 15% do PIB, segundo admite num cálculo muito pessimista o presidente eleito, estando identificadas no início desta semana 497 vítimas.
Nas regiões mais atingidas do Centro e do Sul, que representam 27 % do PIB chileno, as principais indústrias - siderurgia, produção de madeira, pasta de papel, pesca, viticultura e outros sectores agrícolas - irão ressentir-se da catástrofe, mas as grandes minas de cobre - matéria-prima que representa 30% das exportações -, situam-se a Norte e não foram afectados pelo sismo e maremotos.
A economia chilena deveria crescer 4,5% em 2010, depois de uma contracção de 1,8% em 2009, segundo previsão da Comissão Económica para América Latina e as Caraíbas. As perdas das empresas e a destruição de habitações e infra-estruturas obriga a rever esta estimativa, mas algum cálculo optimista considera que o investimento estatal no segundo semestre compensará os prejuízos.
O Chile conta com meios próprios para enfrentar a catástrofe, tanto mais que o fundo criado com as receitas das exportações de cobre permitiu acumular reservas de 15 mil milhões de dólares, e conta com boa cotação nos mercados financeiros caso recorra a empréstimos externos.
Os pobres e os ricos
O sismo evidenciou, contudo, o custo tremendo e o risco de destabilização derivados da acentuada desigualdade na distribuição de rendimentos que caracteriza a sociedade chilena.
As pilhagens nas cidades de Concepción, Talca e Talcahuano antes da imposição do estado de sítio e da tardia intervenção do exército que a presidente Bachelet hesitou em mobilizar, foram sinal evidente da exasperação dos desvalidos do boom económico.
O Relatório do Desenvolvimento Humano de 2009, referindo dados relativos a 2007, indica que os 10% chilenos mais ricos dispõem de rendimentos equivalente a 41,7% do PIB e os 10% mais pobres apenas 1,6%, um Coeficiente de Gini de 52 (38,5 para Portugal).
Apesar de 20% dos chilenos terem superado a pobreza desde o retorno à democracia nas duas últimas décadas presentemente 14% da população ainda subsiste abaixo do limiar de sustento mínimo.
Reduzir estas assimetrias na distribuição do rendimento torna-se assim uma das tarefas mais urgentes do executivo de centro-direito que agora chega ao poder.
A hesitação da presidente
Bachelet, que se preparava para deixar a presidência com um imenso capital político e uma taxa de aprovação de 83%, sai do palácio de La Moneda bastante ferida.
A primeira mulher a tutelar a pasta da Defesa num país latino-americano, entre 2002 e 2004, a presidente prestigiada, mas também a estudante de medicina que viu seu pai morrer nas prisões de Pinochet e sofreu a tortura e o exílio com a mãe, hesitou durante mais de um dia em mobilizar as forças armadas que, afinal, acabaram por cumprir até agora de forma exemplar tarefas de auxílio à população e restauraram a ordem sem violências ou abusos.
Bachelet tem uma quota de mérito nesta transformação dos militares chilenos, mas a sua hesitação inicial atrasou o auxílio e a descoordenação administrativa, além do erro fatal dos Serviços Hidrográficos e Oceanográficos da Marinha que descartaram a possibilidade de maremotos, acabou por agravar uma situação de desastre nacional.
Uma sondagem publicada domingo por "El Mercurio", o principal jornal do país, indicava que 60% dos inquiridos classificava a resposta do governo ao sismo como lenta e ineficiente, chegando a 72% os que consideravam Bachelet ter reagido tardiamente para restaurar a ordem pública.
A hora de Piñera
Piñera, que manteve uma exemplar cooperação com Bachelet desde a sua eleição a 17 de Janeiro, acabou por criticar a presidente pelo atraso na mobilização dos militares, mas não forçou a nota e solicitou a colaboração de altos responsáveis do governo cessante para acções de emergência no próximo executivo.
O sucessor de Bachelet está, igualmente, a negociar com os partidos do centro-esquerda alterações ao orçamento e legislação extraordinária para a reconstrução das regiões devastadas.
Ao próximo presidente, senhor de uma fortuna na ordem dos mil milhões de dólares, segundo a "Forbes", cabe agora manter o rumo que permitiu ao Chile uma bem sucedida transição democrática, consolidar as instituições nesta alternância de poder, e fazer jus às perspectivas de desenvolvimento económico de um Chile que ainda em Janeiro se tornou no primeiro país da América do Sul a ingressar na OCDE.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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