Opinião
O semestre populista
Anuncia-se pouco prometedora a próxima presidência rotativa da União Europeia. O governo populista de direita de Viktor Orbán assumirá a presidência pela primeira vez desde a adesão da Hungria, em 2004
Anuncia-se pouco prometedora a próxima presidência rotativa da União Europeia.
O governo populista de direita de Viktor Orbán assumirá a presidência pela primeira vez desde a adesão da Hungria, em 2004, numa altura em que chovem críticas sobre a sua política de centralização de todos os poderes.
A questão mais embaraçosa prende-se com a lei de supervisão dos media aprovada este mês pelo Parlamento de Budapeste, onde o Fidesz (União Cívica) tem maioria absoluta.
Ameaças à liberdade de imprensa
Ao arrepio de todos os princípios democráticos da União, designadamente do artigo 11.º da Carta de Direitos Fundamentais e do artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, o governo de Bupadeste adoptou legislação atentatória do pluralismo e liberdade de imprensa.
A nova Autoridade dos Media e Comunicação integra exclusivamente membros da União Cívica, vencedora das eleições de Abril, e tem um mandato de nove anos.
Entre os poderes mais gravosos da comissão, presidida por Annamaria Szalai, contam-se a imposição de multas (entre 700 mil euros para estações de televisão e rádio e 90 mil euros para órgãos de imprensa e meios digitais) por "falta de objectividade", actos "atentatórios da dignidade humana" ou "ofensivos para nacionalidades, minorias e igrejas".
A Autoridade dos Media e Comunicação pode, igualmente, exigir a revelação das fontes dos jornalistas em casos que eventualmente façam perigar o "interesse nacional" e a "ordem pública", e impor a vistoria prévia de artigos e reportagens.
A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa considerou a legislação húngara uma violação da liberdade de imprensa "sem precedentes nas democracias europeias", e idêntica atitude foi tomada pelos presidentes dos grupos liberal e democratas, Guy Verhofstadt, e verdes, Daniel Cohn-Bendit, no Parlamento Europeu.
Neelie Kroes, vice-presidente da Comissão Europeia responsável pela Agenda Digital, solicitou, por sua vez, uma análise da nova lei, que se aplica a qualquer media nacional ou estrangeiro acessível na Hungria, para identificar eventuais infracções à legislação comunitária, enquanto os representantes dos governos de Berlim e do Luxemburgo criticaram publicamente o executivo de Budapeste.
Conflito com o Banco Central
O Banco Central Europeu está, por seu turno, em rota de colisão com o governo de Viktor Orbán.
O primeiro-ministro húngaro pretende afastar o presidente do Banco Central de Budapeste, Andras Simor, que tem vindo a criticar a política económica e financeira do executivo.
Urban planeia reestruturar o conselho monetário, que define as taxas de juro, retirando poderes ao presidente do Banco Central para nomear dois dos membros.
O parlamento, onde a União Cívica tem 263 dos 386 mandatos, passará a nomear quatro dos sete membros do conselho monetário, concedendo ao presente governo o controlo de facto da política monetária e financeira.
Jean-Claude Trichet opõe-se às pretensões de Orbán que cerceiam poderes essenciais do Banco Central de Budapeste, mas o primeiro-ministro húngaro deverá fazer prevalecer a sua vontade.
Na campanha eleitoral, Viktor Orbán prometera renegociar os termos do acordo com o FMI, o Banco Mundial e a União Europeia quanto ao crédito de emergência de 20 mil milhões de euros que em 2008 salvara a Hungria da bancarrota.
Orbán afirmara recusar "diktats" externos e pretender estimular a economia para criar um milhão de empregos numa década.
Uma vez eleito, logo ficou a saber que a linha de crédito que expirava em Outubro não seria prolongada, com a adição de mais 5 mil milhões de euros, caso Budapeste alterasse a política de redução do défice orçamental conforme prometera a União Cívica. O líder da União Cívica, político de muitas reviravoltas, adoptou desde então uma série de medidas que acabaram por acentuar ainda mais a austeridade imposta na última fase dos oito anos de governação do Partido Socialista, que acabou totalmente desacreditado entre escândalos de corrupção e inépcia administrativa.
Entrou na agenda a taxação em 10% das empresas com lucros anuais na ordem dos 2 milhões de euros, a introdução de um imposto único de 16% sobre o rendimento, a interdição de empréstimos em divisas, que representam presentemente cerca de 70% do crédito a retalho denominado sobretudo em francos suíços, e um aumento de impostos durante três anos sobre lucros de bancos, seguradoras e entidades financeiras.
Nem cortes até 15% nos salários da função pública e reduções de pensões evitaram no entanto que a Fitch baixasse na semana passada o "rating" da Hungria para BBB com perspectiva negativa, considerando improvável que o governo venha a conseguir em 2011 baixar o défice orçamental para 2,9% do PIB.
Senhor absoluto
Sem contrapesos políticos depois de ter derrotado sem apelo nem agravo os socialistas (a União Cívica obteve 53% dos votos em Abril e o Partido Socialista, tal como o Jobbik de extrema-direita, quedou-se pelos 17%) e passado a controlar a presidência e o Tribunal Constitucional, Orbán tem vindo a centralizar todos os poderes e a assumir uma linha vincadamente nacionalista.
O parlamento alterou a 31 de Maio a lei da nacionalidade, de modo a conceder a cidadania húngara a cerca de dois milhões e meio de húngaros que habitam nos estados vizinhos, designadamente na Eslováquia e na Roménia.
O parlamento de Budapeste decretou ainda 4 de Junho como "Dia da Unidade Nacional", assinalando assim, ante as previsíveis críticas dos estados que emergiram do Tratado de Trianon, o dia fatídico da assinatura do tratado de 1920 que amputou o antigo reino da Hungria em mais de 70% dos territórios que controlara no seio da monarquia dual austro-húngara.
Na Administração Pública, Orbán está a conseguir aquilo que lhe escapou no seu primeiro mandato como chefe do governo entre 1998 e 2002: uma purga radical de oponentes e nomeações sucessivas de militantes da União Cívica em todos os escalões da administração e das empresas controladas pelo estado.
Isolar Budapeste
Bem pode Orbán afirmar que a integração dos ciganos é uma das prioridades do semestre europeu húngaro, que a xenofobia generalizada a que se assiste no seu país desmente de imediato tais intenções.
Orbán é especialista em explorar todas as vertentes das políticas populistas de direita - tanto oscila entre tiradas antijudaicas ou contra ciganos como joga em palavras de ordem anticapitalistas ou anticomunistas - e à medida que saneia do aparelho de estado todos os críticos prepara-se para criar condições para uma longa permanência no poder.
Apresentando a economia, a segurança de abastecimentos de energia e a adesão da Croácia como objectivos essenciais da sua presidência, a política populista do líder húngaro mais aponta para uma série de confrontos sucessivos com a maioria dos parceiros europeus.
Se a União Europeia não adoptar de imediato diligências que possam, eventualmente, contemplar a adopção de sanções contra a lei de supervisão dos media na Hungria, dará um sinal de transigência inaceitável para com o mestre demagogo de Budapeste.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
Assina esta coluna semanalmente à quarta-feira
O governo populista de direita de Viktor Orbán assumirá a presidência pela primeira vez desde a adesão da Hungria, em 2004, numa altura em que chovem críticas sobre a sua política de centralização de todos os poderes.
Ameaças à liberdade de imprensa
Ao arrepio de todos os princípios democráticos da União, designadamente do artigo 11.º da Carta de Direitos Fundamentais e do artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, o governo de Bupadeste adoptou legislação atentatória do pluralismo e liberdade de imprensa.
A nova Autoridade dos Media e Comunicação integra exclusivamente membros da União Cívica, vencedora das eleições de Abril, e tem um mandato de nove anos.
Entre os poderes mais gravosos da comissão, presidida por Annamaria Szalai, contam-se a imposição de multas (entre 700 mil euros para estações de televisão e rádio e 90 mil euros para órgãos de imprensa e meios digitais) por "falta de objectividade", actos "atentatórios da dignidade humana" ou "ofensivos para nacionalidades, minorias e igrejas".
A Autoridade dos Media e Comunicação pode, igualmente, exigir a revelação das fontes dos jornalistas em casos que eventualmente façam perigar o "interesse nacional" e a "ordem pública", e impor a vistoria prévia de artigos e reportagens.
A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa considerou a legislação húngara uma violação da liberdade de imprensa "sem precedentes nas democracias europeias", e idêntica atitude foi tomada pelos presidentes dos grupos liberal e democratas, Guy Verhofstadt, e verdes, Daniel Cohn-Bendit, no Parlamento Europeu.
Neelie Kroes, vice-presidente da Comissão Europeia responsável pela Agenda Digital, solicitou, por sua vez, uma análise da nova lei, que se aplica a qualquer media nacional ou estrangeiro acessível na Hungria, para identificar eventuais infracções à legislação comunitária, enquanto os representantes dos governos de Berlim e do Luxemburgo criticaram publicamente o executivo de Budapeste.
Conflito com o Banco Central
O Banco Central Europeu está, por seu turno, em rota de colisão com o governo de Viktor Orbán.
O primeiro-ministro húngaro pretende afastar o presidente do Banco Central de Budapeste, Andras Simor, que tem vindo a criticar a política económica e financeira do executivo.
Urban planeia reestruturar o conselho monetário, que define as taxas de juro, retirando poderes ao presidente do Banco Central para nomear dois dos membros.
O parlamento, onde a União Cívica tem 263 dos 386 mandatos, passará a nomear quatro dos sete membros do conselho monetário, concedendo ao presente governo o controlo de facto da política monetária e financeira.
Jean-Claude Trichet opõe-se às pretensões de Orbán que cerceiam poderes essenciais do Banco Central de Budapeste, mas o primeiro-ministro húngaro deverá fazer prevalecer a sua vontade.
Na campanha eleitoral, Viktor Orbán prometera renegociar os termos do acordo com o FMI, o Banco Mundial e a União Europeia quanto ao crédito de emergência de 20 mil milhões de euros que em 2008 salvara a Hungria da bancarrota.
Orbán afirmara recusar "diktats" externos e pretender estimular a economia para criar um milhão de empregos numa década.
Uma vez eleito, logo ficou a saber que a linha de crédito que expirava em Outubro não seria prolongada, com a adição de mais 5 mil milhões de euros, caso Budapeste alterasse a política de redução do défice orçamental conforme prometera a União Cívica. O líder da União Cívica, político de muitas reviravoltas, adoptou desde então uma série de medidas que acabaram por acentuar ainda mais a austeridade imposta na última fase dos oito anos de governação do Partido Socialista, que acabou totalmente desacreditado entre escândalos de corrupção e inépcia administrativa.
Entrou na agenda a taxação em 10% das empresas com lucros anuais na ordem dos 2 milhões de euros, a introdução de um imposto único de 16% sobre o rendimento, a interdição de empréstimos em divisas, que representam presentemente cerca de 70% do crédito a retalho denominado sobretudo em francos suíços, e um aumento de impostos durante três anos sobre lucros de bancos, seguradoras e entidades financeiras.
Nem cortes até 15% nos salários da função pública e reduções de pensões evitaram no entanto que a Fitch baixasse na semana passada o "rating" da Hungria para BBB com perspectiva negativa, considerando improvável que o governo venha a conseguir em 2011 baixar o défice orçamental para 2,9% do PIB.
Senhor absoluto
Sem contrapesos políticos depois de ter derrotado sem apelo nem agravo os socialistas (a União Cívica obteve 53% dos votos em Abril e o Partido Socialista, tal como o Jobbik de extrema-direita, quedou-se pelos 17%) e passado a controlar a presidência e o Tribunal Constitucional, Orbán tem vindo a centralizar todos os poderes e a assumir uma linha vincadamente nacionalista.
O parlamento alterou a 31 de Maio a lei da nacionalidade, de modo a conceder a cidadania húngara a cerca de dois milhões e meio de húngaros que habitam nos estados vizinhos, designadamente na Eslováquia e na Roménia.
O parlamento de Budapeste decretou ainda 4 de Junho como "Dia da Unidade Nacional", assinalando assim, ante as previsíveis críticas dos estados que emergiram do Tratado de Trianon, o dia fatídico da assinatura do tratado de 1920 que amputou o antigo reino da Hungria em mais de 70% dos territórios que controlara no seio da monarquia dual austro-húngara.
Na Administração Pública, Orbán está a conseguir aquilo que lhe escapou no seu primeiro mandato como chefe do governo entre 1998 e 2002: uma purga radical de oponentes e nomeações sucessivas de militantes da União Cívica em todos os escalões da administração e das empresas controladas pelo estado.
Isolar Budapeste
Bem pode Orbán afirmar que a integração dos ciganos é uma das prioridades do semestre europeu húngaro, que a xenofobia generalizada a que se assiste no seu país desmente de imediato tais intenções.
Orbán é especialista em explorar todas as vertentes das políticas populistas de direita - tanto oscila entre tiradas antijudaicas ou contra ciganos como joga em palavras de ordem anticapitalistas ou anticomunistas - e à medida que saneia do aparelho de estado todos os críticos prepara-se para criar condições para uma longa permanência no poder.
Apresentando a economia, a segurança de abastecimentos de energia e a adesão da Croácia como objectivos essenciais da sua presidência, a política populista do líder húngaro mais aponta para uma série de confrontos sucessivos com a maioria dos parceiros europeus.
Se a União Europeia não adoptar de imediato diligências que possam, eventualmente, contemplar a adopção de sanções contra a lei de supervisão dos media na Hungria, dará um sinal de transigência inaceitável para com o mestre demagogo de Budapeste.
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