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O Relatório e 2010: duas faces de duas moedas

É virtualmente impossível a um país conseguir impor-se num mundo onde o progresso e o bem-estar social dependem da capacidade de gerar e gerir conhecimento se os seus habitantes não tiverem os mais altos padrões de instrução e qualificação.

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Há cerca de duas semanas foram divulgadas pelo Ministério da Economia (ME) as conclusões de um estudo sobre o crescimento da produtividade em Portugal feito pela MCI. Sendo esta uma questão essencial para o desenvolvimento do País, eleita – junto com o combate ao défice orçamental – como a peça-chave da estratégia económica do Governo, seria pois legítimo esperar que este estudo constituísse um importante alicerce da concepção da política económica. E justificava-se assim a curiosidade sobre o mesmo, na medida em que constituiria um dos fundamentos da acção governativa nos tempos a vir (aliás, com o horizonte de 2010).

Não deixa, pois, de ser estranho que o estudo não tenha sido divulgado, apenas as suas conclusões. E isto não por se ser como São Tomé, que queria ver para crer, mas porque no formato actual o referido estudo não passa de um conjunto de afirmações gratuitas, embora eventualmente pesadas de consequências.

Com efeito, logo a principal afirmação do estudo – que o crescimento da produtividade depende sobretudo de um conjunto de seis barreiras, sendo que a relevância da última não pode ser quantificada, ficando assim por demonstrar. Estas seis barreiras são não estruturais, o que permite concluir que as barreiras estruturais são pouco relevantes. Aliás, na síntese diz-se que, do diferencial de produtividade entre Potugal e a média dos países europeus mais produtivos, que é de 48 pontos percentuais, os factores estruturais explicam “cerca de um quarto (16 pontos percentuais)”. ´

Fica por perceber se estes 16 pontos percentuais comparam com 25%, que é um quarto, e são pouco, ou com um quarto de 48 pontos percentuais, 12 pontos percentuais, e são muito. De acordo com a figura intitulada Quadro 2 na síntese do estudo do MCI (disponível no “site” do ME), o diferencial de produtividade de 48 pontos decompõe-se em 16 pontos ligados a barreiras estruturais e 32 a não estruturais, ou seja, afinal as barreiras estruturais representam um terço. Esta diferença não é tão irrelevante como parece, pois é o facto de as barreiras estruturais terem pouca expressão no estudo efectuado que permite concluir que “a aceleração do crescimento da produtividade em Portugal passa por actuar sobre as seis barreiras identificadas.” Duas observações se impõem aqui:

Em primeiro lugar, o Governo tem apontado muitas vezes a necessidade de se efectuarem reformas estruturais, pelo que não se compreende agora como as barreiras estruturais são ignoradas e classificadas como “não atacáveis” pela política económica. Isto é ainda mais difícil de perceber quando não se diz quais são as barreiras estruturais (a legislação laboral e a administração pública são barreiras não estruturais, mas nada se diz sobre a educação ou a investigação, genuinamente de carácter estrutural);

Em segundo lugar, quando o horizonte é o ano 2010 não se justifica abandonar os factores, elementos e políticas estruturais e considerar como prioritárias (para aumentar a produtividade) políticas não estruturais. A principal conclusão do estudo é que a mais importante barreira ao crescimento da produtividade seria então uma barreira não estrutural, a informalidade, compreendendo a evasão fiscal, a evasão a obrigações sociais (contribuições para a Segurança Social, por exemplo) e a evasão a normas do mercado (v. g. qualidade e segurança dos produtos).

Esta conclusão não pode, na minha opinião, ser aceite. Enferma de uma visão mecânica da produtividade, calculada como o produto por hora trabalhada. Neste contexto, se se forçar as empresas que não o fazem a respeitar as suas responsabilidades, conduzir-se-ia estas ao seu encerramento e ao aumento da produtividade (o numerador cai menos que o denominador), proporcionando os benefícios enunciados no texto-síntese.

Mas não é contra estas empresas que aquelas em que sustentamos a competitividade da nossa economia se afirmam, nem tão pouco os recursos humanos ou tecnológicos libertos pelas primeiras são utilizáveis eficientemente pelas últimas. Nem sequer há a vantagem de reduzirem o custo do capital num mercado europeu perfeitamente integrado.

O benefício microeconómico não está, pois, em linha com a expressão macroeconómica do ganho da produtividade, pois realizar este ganho potencial requer uma actuação das empresas verdadeiramente competitivas independente das não competitivas – e que será visível na inovação, na formação, na investigação e desenvolvimento.

Se um factor devesse ser apontado como o principal factor condicionador da evolução da produtividade a médio e longo prazo, aquele que mereceria mais consenso – seguramente mais do que a informalidade – seria, na minha opinião, o capital humano. E este é um desafio crítico para o nosso País.

Portugal tem reconhecidamente um baixo nível de instrução e de qualificação. Não dar prioridade a este factor é hipotecar o futuro, não apenas a 2010 mas também nos anos seguintes. Numa economia do conhecimento são as pessoas que fazem a diferença, não as tecnologias ou os capitais, pois esses são facilmente transportáveis de um país a outro. É virtualmente impossível a um país conseguir impor-se num mundo onde o progresso e o bem-estar social dependem da capacidade de gerar e gerir conhecimento se os seus habitantes não tiverem os mais altos padrões de instrução e qualificação – não haverá capacidade de inovar e de apostar e rentabilizar a aposta na Ciência e Tecnologia, determinantes das possibilidades produtivas de amanhã.

Ora, para dar apenas um exemplo, um estudo recente – Abril de 2003 – de Angel de la Fuente (Human Capital in a Global and Knowledge-Based Economy - Part II), relatório de uma conferência organizada pela Comissão Europeia, aponta para que mais um ano de escolaridade média eleve a produtividade em Portugal em 9,2 pontos percentuais a curto prazo. A este efeito de curto prazo somam-se mais 3,1 pontos percentuais a longo prazo.

A própria OCDE, no seu “survey” sobre Portugal de Fevereiro de 2003, afirma (Capítulo IV) que a diferença na qualidade do capital humano é o principal impedimento a uma mais rápida aproximação dos níveis de rendimento aos valores médios da OCDE, sendo a qualidade do capital humano o principal factor (mais de 50%) na explicação do crescimento da produtividade do trabalho, contributo que é de longe o mais elevado nesta zona.

Saliente-se que em 2001 dois terços da população portuguesa entre 25 e 64 anos de idade não ia além de seis anos de escolaridade, contra uma média de 15% na OCDE. E se é verdade que tem vindo a haver uma maior preparação da população mais jovem no nosso País, a situação permanece preocupante: em 2000, a percentagem de pessoas com idade entre os 25 e os 34 anos que tinha completado o secundário (upper secondary) era de cerca de 32% no nosso País, contra 30% na Turquia, mais de 50% na Polónia, na França, na Espanha e na Itália, praticamente 70% na Grã-Bretanha (que era simultaneamente o valor médio na União) e mais de 70% em países como a Bélgica, a Holanda, a Irlanda, a Dinamarca, etc., mas também como a República Checa ou a Hungria.

É com isto que vamos ter que nos defrontar nas próximas décadas. E trabalhar para preparar 2010 ou trabalhar para preparar 2006 vê-se na importância relativa que é dada à educação e ao capital humano.

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