Opinião
O Quinto Império – ontem como hoje
Nabucodonosor, rei da Babilónia, esqueceu um sonho que queria recordar.
O profeta Daniel revelou-lho e interpretou-o, criando o mito do Quinto Império; um império que sucederia ao da Babilónia, ao Medo-Persa, ao da Grécia, ao de Roma. O Quinto Império seria universal, não teria fim. Hitler e alguns nazis haveriam de fazer uma interpretação muito própria deste vaticínio.
Para Portugal, o Quinto Império é mito refundado por Padre António Vieira, que o prevê português, e por Fernando Pessoa, que o reordena. Os quarto impérios precedentes são todos da civilização ocidental: Grécia, Roma, Cristianismo e a Europa do Renascimento e das Luzes. Para Pessoa, o Quinto Império não seria o de um poder, mas o do espírito, o «cultural». O Quinto Império seria português.
Ver em 2005 o filme de Manoel de Oliveira «O Quinto Império – Ontem como Hoje» é tão importante como irrelevante. É importante porque é a nossa cara que o espelho reflecte. É irrelevante porque não veremos mais do que o que quisermos ver.
Somos nós. Somos nós não apenas por causa dos sebastianismos, das interpretações freudianas, das leituras pop, da treta do país soturno e desgraçado, das misogenias e das loucuras. Somos nós também porque somos governados por elites políticas e não técnicas, por gente conspirativa e enfezada, que vai gerindo o poder ao ritmo da ascendência das carreiras; gente ladeada, conselheiros acobardados, evidentes e desleais, normalmente pérfidos, normalmente incompetentes. Gente que venera o saber popular apenas por pavor da opinião pública, de quem nunca discorda. Gente que quando vê o filme de Oliveira – ou lê Vieira ou lê Pessoa ou lê Bandarra – nada vê no espelho que à sua frente reflecte. Porque essa gente é minúscula. Porque o seu poder está em ser invisível. Gente qualquer como a besta sadia. Ontem como hoje.