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O pobre espectáculo da política pop

A cultura deixou de ser importante para um político. Aqueles que, como Churchill, eram romancistas ou pintores desapareceram. Restam aqueles que têm de criar a imagem que têm cultura. Só como passaporte de reconhecimento. E isso tem-se feito em Portugal, desde há muito.

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A cultura deixou de ser importante para um político. Aqueles que, como Churchill, eram romancistas ou pintores desapareceram. Restam aqueles que têm de criar a imagem que têm cultura. Só como passaporte de reconhecimento. E isso tem-se feito em Portugal, desde há muito.

Aquele que é acusado de ser o ministro da Economia (e de mais uma série de coisas, segundo se diz) continua a somar créditos negativos no seu currículo. Já nem se fala de não riscar uma linha sequer na acção de diplomacia económica de Paulo Portas no plano externo. Vê-se em casos trágicos e cómicos como é o da administração do Metro do Porto. Em Setembro ainda será ministro ou continuará a ser apenas uma figura simpática?

Símbolo do pensamento liberal numa América Latina embalada entre os extremismos de Direita e de Esquerda, o escritor peruano Mario Vargas Llosa editou há poucas semanas um livro perturbador e lúcido, "La civilización del espectáculo". Para ele a superficialidade actual, fruto da globalização, está a fragilizar a cultura e também as sociedades. Ou seja, para ele, a cultura tornou-se uma célula do consumo. E lança o desafio mortal: "Seria uma tragédia se a cultura acabasse em puro entretenimento". No fundo Vargas Llosa fala-nos do empobrecimento generalizado das ideias e do seu debate, substituídas pelo puro entretenimento. Como se tudo na vida das comunidades tivesse de ser divertido e entreter. Deixámos de tentar responder a grandes questões: que fazemos neste mundo, somos realmente livres, que destino desejamos?

Ele ao mesmo tempo está a criticar a própria deslocação do discurso político para o entretenimento e para a pura pobreza de ideias ao dispor da sociedade. A política hoje tornou-se, não um debate de ideais, mas uma gestão de carreiras e de imagens. Todo o mundo pop, que Andy Warhol sintetizou na sua famosa frase ("no futuro todos serão famosos durante 15 minutos") ou na sua obra, onde a repetição de ícones conquistava mais facilmente os seres humanos transformados em consumidores, ocupou os nossos dias. A política tornou-se um espectáculo. Como pensava Guy Debord, foi a própria superestrutura da sociedade, o Estado, que se transformou em empresa teatral, em "Estado espectáculo". É por isso também que a política se era, outrora, de ideias hoje é de pessoas. Ou melhor, de personagens.

É por isso que a cultura deixou de ser importante para um político. Aqueles que, como Churchill, eram romancistas ou pintores desapareceram. Restam aqueles que têm de criar a imagem que têm cultura. Só como passaporte de reconhecimento. E isso tem-se feito em Portugal, desde há muito, através da necessidade de ter um curso. Como se ele, por si só, resolvesse a falta de estrutura cultural de alguém. Um curso é importante: dá mais vantagens e capacidades de análise a alguém. Mas, por si só, não garante cultura, ética ou moral. É por isso que, ao contrário de Portugal, em muitos países não se precisa para estar na política, ou no Governo, de ter uma licenciatura, como se esta fosse uma carta de alforria. Mas em Portugal ainda existe essa necessidade: ser doutor é, para muitos, um patamar de superioridade.

É por isso mesmo que a sucessão de casos sobre cursos feitos à velocidade da luz, de José Sócrates a Miguel Relvas, mostram o equívoco que esta sociedade do espectáculo deixou entre nós. Sobretudo pelo exemplo. Quando se pede aos mais jovens responsabilidade e exigência para que a escola e a Universidade não sejam um recreio onde todos passam sem estudar, isto é o pior exemplo que se pode dar à sociedade. Depois é a contínua falta de transparência sobre uma coisa que deveria ser óbvia e clara. Compreende-se que políticos cuja carreira foram as jotas e as lutas por detrás das cortinas pelo poder, não tenham tido tempo para estudar. Compreende-se que, depois, se tenham antes dedicado a trabalhar em empresas de "negócios". E que, à pressa, precisem de um curso que lhes dê legitimidade social. Como se ele, por si, garantisse isso. Esta sociedade frágil e superficial em que vivemos em Portugal, onde tudo se parece restringir à gestão da imagem no pequeno ecrã (como se viu nas romagens de políticos para receber futebolistas e atletas medalhados) ressalta de tudo aquilo que Vargas Llosa critica duramente. No fundo caminhamos alegremente para o Terceiro Mundo. Das aparências e da pobreza real e intelectual.

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