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O paradigma da Azambuja

Num dos seus primeiros e mais importantes livros [«American Capitalism: The concept of countervailing Power» - 1952], John Kenneth Galbraith ensinou que «o capitalismo não possui fibra moral e que o sentido da honra é desconhecido na sua índole e ignorado

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A história demonstra, abundantemente, que a afirmação de Galbraith não é destituída de fundamento. Por outro lado, a verdade é que o capitalismo não promete nada, e o socialismo promete quase tudo. Àquele, nada se lhe pode exigir; a este, exige-se o que prometeu.

Quando o governo de José Sócrates acusa a General Motors de «incumprimento contratual», a propósito do encerramento da Opel, na Azambuja, ou esquece a lógica do capitalismo ou actuou com notória leviandade. Não interessa, agora, se a fábrica da Azambuja está a pagar os desequilíbrios económico-financeiros com que a GM se confronta, nos Estados Unidos. O preocupante é o número de trabalhadores atirados para o desemprego: 1200, que vão juntar-se ao meio milhão. 

As estratégias das multinacionais não querem saber da desintegração das coesões sociais, exactamente porque desvalorizam a ideia de bem-estar colectivo. Há dias, na SIC-Notícias, o eng.º Ângelo Correia afirmou, dramaticamente, que a globalização parece desenfreada, a precisar, com urgência, de regulação, pois, de contrário, a crise planetária assumirá proporções endémicas e absolutamente incontroláveis. Porém, a regulação a ser organizada e praticada, sê-lo-á  por quem? Ora, por aqueles que a sustentam e a glorificam, e que, da globalização, extraem proveitos e proventos fabulosos.

O ministro Manuel Pinho, como que a bolear as arestas do gravíssimo problema, diz que «estão na calha novos investimentos». Seria bem melhor e mais curial que o ministro Manuel Pinho informasse claramente o País do medonho patamar a que chegámos, e como o Governo muito pouco poderá fazer porque as «leis do mercado», a «sociedade aberta», as «deslocalizações» pertencem ao seu abecedário programático. 

O «mundialismo» era inevitável, proclamaram vários trompetistas do «mercado». E adicionaram a este novo fatalismo planetário a absurda tese de que os Descobrimentos haviam sido os primeiros a estabelecer as bases do «mundo global». O impulso científico do séculos XIV, XV e XVI é deliberadamente omitido, em favor do argumento mercantil. Basta ler Vitorino de Magalhães Godinho para saber que essas  teses representam uma mistificação histórica. O «mundialismo» seria evitável acaso a insistência na nossa dupla pertença, nacional e planetária, não houvesse sido aniquilada, em nome de um substituto que pode levar à destruição da humanidade. Regresso a Galbraith: «O capitalismo só entende a unidade quando reconhece a sua multiplicidade de interesses. Então, para atingir os fins, não observa o respeito pelos meios. Ao aniquilar, está a aniquilar-se».

As explosões de ira dos dirigentes do PSD e do CDS expõem o acre sabor da hipocrisia. Então, eles nada têm a ver com estes e outros acontecimentos anteriores? Acusar Sócrates e o seu Executivo de únicos responsáveis pelo que está a ocorrer chega a ser repugnante. A farsa devia ter balizas. Mas esta gente não gosta da gente. Se gostasse assumia honradamente as altíssimas responsabilidades que têm neste descalabro, e não as assacavam exclusivamente a este Governo. Há qualquer coisa de imoral e de sórdido neste assunto.

Estamos a falar de pessoas, de gente decente, séria e digna, de mil e duzentos trabalhadores até agora apontados como modelares, em competitividade (execrável palavra!), em talento, em profissionalismo  -  e que destes cavalheiros nem sequer um pedido de desculpa recebem! Estes cavalheiros só sabem soletrar o que o realejo lhes ensinou: «novas dinâmicas»; «a abertura das economias» no Leste europeu; a «perda de atractividade» para o «investimento» em Portugal;  «flexibilização», «lógica das deslocações»  -   e «mercado», «mercado», «mercado».

Para que algumas multinacionais se fixassem em Portugal, sucessivos Governos ofereceram-lhes incentivos fiscais, financeiros e autárquicos através da entrega de fundos públicos que orçam em muitíssimos milhões de euros. Não resultou, como se vê. Os principais artigos de fé dos discursos políticos incidiram, sempre, sobre a importância dos «empreendimentos», como se estes existissem e se mantivessem por si mesmos. Chamou-se a colaboração do mundo do trabalho sem nenhuma contrapartida, a não ser a precariedade e a insegurança. E rios de dinheiro foram desperdiçados por inépcia, incompetência, carência de audácia e, até, por clara obediência a chantagens de vário tipo.

O encerramento da fábrica da Azambuja é paradigmático. E aqui reside a nossa tragédia.

OS PRÉMIOS GAZETA

Tenho pelos Prémios Gazeta de Jornalismo, instituídos pelo Clube de Jornalistas, uma profunda relação de afecto pessoal: por duas vezes os meus pares distinguiram-me. E também alimento o apego a uma distinção que nobilita quem a outorga e honra, sobremaneira, quem a recebe. O Prémio Gazeta de Mérito foi agora atribuído a uma grande jornalista, Edite Soeiro, cuja inteireza de carácter, talento e camaradagem se manifestaram em várias publicações. Nem sempre esta mulher de firmeza foi estimada e considerada, como o devia, por aqueles, menores e medíocres, que passeiam pelas direcções as suas enfáticas insuficiências. Não lhes escrevo o nome porque não desejo manchar este texto, que pretendo asseado e digno. Edite Soeiro é uma jornalista de mão-cheia, capaz de escrever (e muito bem) um jornal de ponta a ponta  -   até sobre futebol. Aliás, ela foi a primeira mulher a redigir relatos e comentários futebolísticos. 

O Prémio Gazeta de Reportagem distinguiu, ex aequo, duas outras notáveis jornalistas: Cândida Pinto, de Televisão; e Alexandra Lucas Coelho, de Imprensa. Um abraço feliz para Cândida. E outro para Alexandra. Cândida é uma excelente repórter televisiva. E o que Alexandra tem realizado, especialmente no «Público», restitui, a quem ama o jornalismo escrito (profissionais e leitores), o gosto da palavra, o prazer de assistir a um permanente acto de criatividade e à grandeza do risco. Sinto-me orgulhoso em pertencer a um ofício a que estas mulheres dão lustro e conferem magnitude.

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