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Opinião
27 de Julho de 2011 às 12:07

O mito do século XXI

"Terrorista antimuçulmano" - é o enquadramento político sumário para Anders Breivik e nesta lapidar definição resume-se muito da ideologia do assassino norueguês.

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Uma análise preliminar do heteróclito manifesto de Breivik revela que o anti-islamismo tem uma função equivalente nas elucubrações do norueguês às tiradas de anti-judaísmo de um ideólogo do nazismo como Alfred Rosenberg.

Para o alemão, oriundo da Estónia e autor do devastador "O mito do século XX" (1930), o ódio ao judeu era a pedra de toque do racismo extermicionista teutónico e no caso do norueguês, nascido em Londres, a expulsão dos muçulmanos surge como a essência do contra-ataque à ameaça da "jihad".

Às portas de Viena
A ameaça apocalíptica muçulmana surgiu quando Maomé "começou a massacrar judeus e cristãos" e a guerra dura desde então no universo maniqueísta de Breivik.

O manifesto de justificação ideológica de Breivik leva por título "2083 - Uma declaração europeia de independência".

A data assinala 400 anos sobre o triunfo das hostes cristãs lideradas pelos Habsburg contra os otomanos no cerco de Viena e surge como símbolo de uma arrastada "Reconquista".

A conivência de capitalistas que exploram mão-de-obra barata, a corrupção moral de entidades supranacionais como a União Europeia ou as Nações Unidas, além da decadência das elites multiculturalistas e marxistas abriram, entretanto, as portas da Europa à invasão dos emigrantes do Islão.

Os sustentáculos do chamado "multiculturalismo marxista", sobretudo entidades estatais e partidos "traidores do cristianismo europeu", surgem, consequentemente, como alvos prioritários na actual fase de combate aos crentes de Alá.

Foram mortos os primeiros traidores ou coniventes em Oslo e na ilha de Utoeya num acto simbólico de propaganda pelo acto, à velha maneira anarquista, chacinando, sobretudo, jovens apoiantes do partido dominante.

Matar o trabalhista é, na Noruega, o primeiro passo para aniquilar a ameaça muçulmana.

Totalitarismo nacionalista
A fantasmagoria genocidária do norueguês assenta na ideia de "homogeneidade da nação" e, por isso, o ideólogo dos fiordes louva a Coreia do Sul e o Japão, e, em menor medida, Taiwan.
Tais estados asiáticos representariam uma entidade "monocultural, cientificamente avançada, com uma economia progressiva e desenvolvida, dotada de um nível excepcional de regalias sociais".

À vertente antimuçulmana junta-se, assim, a ideia reaccionária de homogeneidade étnica, protecção da raça contra miscigenações indesejadas e autarcia económica.

Uma "nova zona económica" privilegiando a Europa, os Estados Unidos, a Rússia, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Israel, a par de uma política proteccionista e interdição de deslocalização de actividades empresariais, é o objectivo final para sustento da Cristandade e de seus aliados.

A crueldade necessária
Para lá chegar o extermínio de minorias promotoras de valores e políticas corruptores de valores cristãos (em Portugal, por exemplo, contam-se a 10 807 prevaricadores, segundo o ideólogo norueguês) é "uma crueldade necessária".

O norueguês é herdeiro de conflituosas tradições europeias que, além do extermínio assumido de raças inferiores em conquistas coloniais, abarcam, por exemplo, certas correntes anarquistas.

O francês Émile Henry no início dos anos 90 do século XIX recorria ao atentado bombista indiscriminado em Paris para fazer "a burguesia inteira expiar os crimes" de "exploração dos infelizes" e, posteriormente, comunistas e nazis irão justificar o terror em massa contra inimigos de classe e da nação.

Aos 32 anos Breivik pensa ser um representante típico de uma geração traumatizado pela "tirania islâmica e multiculturalista", mas, de facto, é antes filho do ressentimento e das tradições de culpabilização genérica de classes grupos étnicos ou religiosos.

Presentemente, 11,4% da população da Noruega é constituída por imigrantes e refugiados de primeira ou segunda geração e, apesar, de recorrentes sondagens assinalarem reticências quanto à integração de estrangeiros a expressão de sentimentos xenófobos tem vindo a diminuir.

O islão tornou-se a segunda maior religião do país, com mais de 160 mil fiéis, mas a sociedade norueguesa, tal como acontece nos demais países nórdicos, revela forte coesão social e cultural.
A conflitualidade provocada pela chegada de estrangeiros, sobretudo de religião muçulmana, acentuou-se, no entanto, a partir dos anos 90 e foi o caldo de cultura para a proliferação de grupos xenófobos.

Além do ódio a uma entidade genericamente definida como o Islão ou a "Jihad", o estado e instituições multinacionais surgem como inimigos a abater o que explica a influência em Breivik do norte-americano Ted Kaczynski que durante duas décadas até à sua prisão em 1996 recorreu ao terrorismo contra o "sistema técnico-industrial".

Os testículos ou as crianças
O autoproposto redentor de uma futura ordem templária - o típico corpo de elite capaz de suportar o insuportável como advogaria Heinrich Himmler para os seus SS - explora recursos sectários e secretos para iludir o inimigo levando às últimas consequências a retórica anti-muçulmana.

A ideologia jihadista do salafismo islamita encontra em Breivik o seu exacto oposto quando o norueguês admite o recurso a armas de destruição maçica.

Exigindo prova irrefutável de devoção ao massacre, Breivik medita sobre os termos em que possa ser feita confiança num templário para cometer um atentado com armas atómicas, bombas radioactivas ou substâncias químicas e biológicas.

Melhor não lhe ocorre, num universo macho, como garantia e aconchego ideológico, do que a exigência da ablação dos testículos e pénis do devoto matador antes de lhe serem confiadas as armas para o extermínio.

Uma alternativa poderia também passar pelo assassínio a sangue-frio de crianças por parte do cruzado anti-muçulmano de forma a fazer prova da sua fidelidade à causa e disposição ao martírio.

É a paranóia megalómana de um assassino sistemático e ideologicamente justificado pelo essencialismo de uma nação cristã em guerra contra as trevas do islão.

Rosenberg encontrou em Breivik um sucessor ideológico; outro mito para o século XXI.


Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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