Opinião
O mito da desqualificação do emprego
Nos últimos dez anos, Portugal criou principalmente empregos qualificados para licenciados e viu diminuir o número de empregos de operários e de trabalhadores com baixas qualificações académicas.
Esta mudança está de acordo com a evolução da especialização da economia. Está também de acordo com os dados do desemprego. Só não está de acordo com as leituras mais apressadas que encheram a imprensa na última semana.
Entre 1998 e o primeiro semestre de 2007, o grupo de profissões intelectuais e científicas foi o que mais cresceu em Portugal, contribuindo com um aumento de 150 mil empregos – ver quadro 1. No mesmo período, o País assistiu à criação líquida de 310 mil novos postos de trabalho, dos quais 300 mil foram aumento do emprego de licenciados. Viu também diminuir o emprego total dos trabalhadores com habilitações inferiores ao 3º ciclo, em 240 mil lugares, enquanto o número de trabalhadores com o liceu completo cresceu 250 mil – ver quadro 2. Esta situação manteve-se nos últimos dois anos, em que o emprego de licenciados aumentou em 36 mil novos lugares, enquanto os trabalhadores com menos qualificações viram desaparecer em termos líquidos mais 46 mil empregos. Tudo isto parece contrário ao que saiu na última semana em numerosas crónicas onde mais uma vez se defendiam opiniões bastante mais pessimistas do que os factos permitem sustentar. No entanto, os dados aqui apresentados têm origem na mesma fonte: o INE.
Os dados do INE mostram que nem tudo está bem no nosso mercado de trabalho. A taxa de desemprego mantém-se demasiado alta, e entre 2006 e 2007 ainda aumentou. Em particular, o desemprego aumentou entre os trabalhadores com formação superior. No entanto, é importante assinalar que a taxa de desemprego se mantém mais baixa entre os licenciados e bacharéis do que entre os trabalhadores menos qualificados – ver quadro 3. É também importante verificar que a proporção de licenciados empregados é muito superior à dos grupos de trabalhadores com menos qualificações.
No que toca às profissões, foi muito salientada a variação negativa no grupo Quadros superiores da administração pública, dirigentes e quadros superiores de empresa. Quando se comparam os valores de 2005 com os valores médios dos últimos 12 meses, verifica-se que houve uma diminuição de 87 mil trabalhadores nesta classificação. Este movimento parece mais ser uma correcção do grande crescimento desta categoria nos anos anteriores (entre 2001 e 2005 o número de trabalhadores nesta categoria aumentou em 120 mil). É também importante sublinhar que este é um grupo bastante heterogéneo de profissionais, que inclui muitos trabalhadores com baixas qualificações. Menos de 25% do emprego neste grupo é de pessoas com formação superior, e em algumas categorias esta proporção é próxima dos 5%. Tal decorre de estarem incluídos dirigentes de pequenas empresas à mistura com quadros do estado e de grandes empresas. Em contraste, algumas categorias das profissões intelectuais e científicas (grupo onde mais cresceu o emprego nos últimos dez anos) têm mais de 90% de trabalhadores licenciados.
Por fim, é importante referir que Portugal está entre os países da União Europeia em que as diferenças de salários entre licenciados e trabalhadores não qualificados são mais acentuadas. Diferenças que tudo aponta têm até crescido. Esta evidência aponta exactamente no sentido contrário ao que tem sido a conclusão de muitos comentadores. Em Portugal, vale a pena estudar e investir nas qualificações. Ter qualificações aumenta a probabilidade de encontrar emprego, reduz a de estar desempregado e tem associado um prémio salarial considerável. E, segundo um estudo recente da Professora Ana Rute Cardoso (publicado na Economics-Letters.
February 2007; 94(2): 271-77), ao contrário do que os mais cépticos esperariam, os licenciados em Portugal estão, em geral, a exercer profissões adequadas às suas qualificações e não a preencher lugares destinados a trabalhadores menos qualificados. A evidência do mercado de trabalho aponta também que está a ocorrer uma mudança estrutural no emprego português com aumento líquido de empregos mais exigentes e que requerem trabalhadores com mais qualificações e uma diminuição do peso dos empregos menos exigentes de trabalhadores pouco qualificados. Esta evolução está de acordo com as mudanças estruturais que se têm estado a verificar quer na indústria, quer ao nível dos serviços e é um sinal de que o país, mesmo que lentamente, está a conseguir responder aos desafios da globalização.