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22 de Dezembro de 2010 às 11:33

O mestre equilibrista da Europa

Lukashenko deixou a União Europeia sem mais um dos putativos parceiros numa estratégia de cooperação a leste que conta com cada vez menos estados interessados nas fronteiras comunitárias e no Cáucaso.

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As esperanças da União Europeia em integrar a Belarus na sua Parceria com o Leste, a par da Arménia, Arzebeijão, Geórgia, Ucrânia e Moldova, caíram por terra após mais uma fraude eleitoral e a subsequente repressão da oposição em Minsk.

Aleksandr Lukashenko permitiu uma campanha mais aberta do que o habitual para as eleições presidenciais, mas, uma vez acertado um compromisso com Moscovo, não hesitou em se fazer reeleger com 80 por cento dos votos, reclamando uma participação eleitoral de 91 por cento.
A razão próxima da intransigência de Lukashenko reside no acordo firmado a 9 de Dezembro com o Kremlin para manter o fornecimento de gás e petróleo russos a preços subsidiados a troco da promessa de Minsk em integrar com a Rússia e o Kazaquistão o chamado "espaço económico comum" assente na harmonização alfandegária.

A garantia de fornecimentos de energia da Rússia permite à Belarus continuar a refinar parte do petróleo adquirido a preços subsidiados - correspondentes a um desconto de 5,3 mil milhões de dólares para o ano de 2011, segundo estimativas do Kremlin - para reexportação para os mercados europeus.

A conciliação com a Rússia
A ajuda russa é essencial para a Belarus manter um crescimento económico que o FMI prevê de 6,2 por cento para 2011 - menos um por cento do que este ano - e reduzir os défices da balança de transacções correntes, actualmente na ordem dos 14 por cento do PIB, e orçamental, cifrado em 3 por cento do PIB em 2010.

A Rússia é, ainda, fundamental para as exportações agrícolas e de artigos de indústria pesada e química não-competitivos nos mercados europeus.

Apesar da economia ter estagnado em 2009 a recuperação, apoiada por um financiamento de 3,5 mil milhões de dólares do FMI, foi conseguida mantendo o controlo estatal da economia - sensivelmente 80 por cento do PIB é gerado por empresas públicas, incluindo as unidades colectivas agrícolas, que empregam 4/5 da mão-de-obra - e na ausência de investimento estrangeiro.

As empresas russas contam, por seu turno, ficar na primeira linha do processo de privatizações que deverá arrancar no próximo ano para fazer frente ao endividamento externo, 52 por cento do PIB, e conter a recente influência venezuelana, que vendeu petróleo à Belarus para obviar aos cortes nos fornecimentos russos, e da China.

Caracas e Pequim, que anunciaram intenções de investimento em firmas bielorussas, serviram de alternativa de emergência para Lukashenko enfrentar sucessivas disputas com a Rússia.

As tensas relações entre os dois países degradaram-se a partir das eleições presidenciais de 2006 e agravaram-se com a recusa de Minsk em reconhecer a independência da Abkázia e da Ossétia do Sul na sequência da guerra russo-georgiana do Verão de 2008, mas do lado bielorusso num esteve em causa uma ruptura com Moscovo que seria fatal para a Lukashenko.

A Rússia, por sua vez, apesar da melhoria das relações com a Ucrânia após a vitória de Viktor Yanukovitch nas eleições presidenciais deste ano, não tem qualquer interesse em ver frutificar a Parceria a Leste lançada pela União Europeia em 2009 num estado tampão na sua área de influência.

Promessas Europeias
Lukashenko jogou naturalmente a cartada europeia para ganhar espaço nos diferendos com a Rússia e viu Bruxelas levantar em Outubro a maior parte das interdições de viagens a funcionários do regime impostas em 2006.

Altos responsáveis da Lituânia, Polónia, Suécia e Alemanha manifestaram o apoio da União Europeia a uma eventual liberalização do regime e Bruxelas chegou mesmo nas vésperas das eleições a prometer um pacote de ajuda de 3,5 mil milhões de euros.

Após 16 anos no poder e afastada no imediata a ameaça de cortes nos subsídios de Moscovo e de restrições às transacções comerciais com a Rússia, Lukashenko deixou, no entanto, cair o trunfo europeu.

A necessidade de encetar privatizações implica riscos para a sua tutela pessoal do regime que propagandeia uma ideologia de autarcia agrária no âmbito de uma união fraternal com a Rússia.

As trocas de insultos com Putin e Medvedev, as denúncias russas de corrupção do regime de Minsk, serão esquecidas nos tempos mais próximos para evitar uma destabilização da Belarus.

Os interesses da Rússia e de Lukashenko coincidem ao pretenderem evitar a formação de alternativas políticas em Minsk que orientem a Belarus para uma liberalização económica que abra caminho a empresas dos estados vizinhos membros da União Europeia.

O risco de criação de centros de poder concorrenciais, tal como sucedeu nos processos de privatizações na Rússia e na Ucrânia, é já por si ameaça suficiente para concentrar as atenções de Lukashenko que terá de negociar partilhas de proventos entre a nomenclatura do regime e investidores estrangeiros, preferencialmente próximos do poder vigente.

Uma privatização em que participassem significativamente empresas europeias obrigaria a uma reorientação económica com custos políticos e poria em causa um regime de tutela política pessoal que apesar de não mobilizar a população dos maiores centros urbanos é suficientemente coeso para obstar a actos públicos de contestação e reprimir manifestações de protesto.

Lukashenko conta de resto, à imagem do fez Nicolae Ceasescu no seu tempo, com a alternativa de voltar a simular uma aproximação a Bruxelas em caso de necessidade extrema e pouco tem a temer da parte de Washington.

A cartada do urânio
Em Abril a Administração Obama recusou convidar a Belarus para a conferência internacional sobre segurança militar que reuniu 47 países em Washington, mas este Verão o governo de Minsk negociou com os Estados Unidos a transferência para a Rússia de uma pequena parte do stock de urânio enriquecido que o país herdou da era soviética.

As primeiras duas transferências para centrais russas tiveram lugar este Outono e foram financiadas por Washington que não tem embaixador em Minsk desde 2008.

No início deste mês Hillary Clinton anunciou um acordo com a Belarus para eliminar os stocks de urânio enriquecido passíveis de utilização militar e a futura participação de Minsk na próxima conferência sobre segurança agendada para 2012 em Seul .

Até lá os Estados Unidos Irão prestar auxílio técnico e financeiro ao processo de reprocessamento de urânio e de aquisição de um reactor nuclear para produção de energia eléctrica.

Este objectivo estratégico caro a Obama, que anunciou em Praga em Abril de 2009 a intenção de garantir em quatro anos a segurança de todos os matérias físseis passíveis de utilização militar, passou, assim, a condicionar qualquer atitude crítica de Washington face à Belarus.

A Belarus ao seguir o exemplo da Ucrânia, que na conferência de Abril anunciou a renúncia aos seus stocks de urânio enriquecido, e ao associar-se aos esforços de não-proliferação nuclear dos Estados Unidos, apoiados pela Rússia, neutralizou o alargamento das sanções de Washington por violações de direitos humanos.

Indepentemente das críticas públicas ao regime de Minsk os Estados Unidos nos próximos dois anos, precisamente num período crítico para Lukashenko ao iniciar privatizações que arriscam criar centros de poder concorrenciais, não tomarão medidas contra a Belarus que possam pôr em causa o objectivo estratégico fundamental de eliminação dos stocks de urânio enriquecido.

Lukashenko deixou a União Europeia sem mais um dos putativos parceiros numa estratégia de cooperação a leste que conta com cada vez menos estados interessados nas fronteiras comunitárias e no Cáucaso.

Em novo acto de equilibrismo Lukashenko retomou a aliança tumultuosa com a Rússia, salvaguardou uma abertura à China e à Venezuela, e neutralizou eventuais sanções norte-americanas.


barradas.joaocarlos@gmail.com
Jornalista
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