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O inevitável (e benéfico) fim das GOP

Na sessão plenária do passado dia 7 de Julho defendi, na Assembleia da República, em nome do Partido Social Democrata, o fim das Grande Opções do Plano, habitualmente conhecidas como GOP.

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Creio que se trata de uma proposta inovadora e que corta com a acomodação que, nesta matéria, há já algum tempo devia ter deixado de existir. E que, por configurar uma alteração relevante a uma prática de décadas, julguei ter importância suficiente para escrever, sobre este tema, o texto que o leitor tem em mãos.

Como seria de esperar, a proposta que apresentei no Plenário da Assembleia da República não mereceu o consenso parlamentar, tendo as reacções dos Partidos «ditos mais à esquerda» (PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes) sido veementes no sentido do «não», isto é, na defesa da continuidade das GOP, tal e qual hoje existem. O PCP invocou mesmo a impossibilidade da proposta que apresentei por imperativos constitucionais. Ora, como se verá mais à frente, não será certamente devido à Constituição da República Portuguesa que as GOP terão que, forçosamente, continuar a existir. No entanto, antes de me debruçar sobre esta vertente, creio que se impõe a justificação para o facto de considerar que hoje, as GOP não têm, de facto, grandes razões para existir.

Historicamente, os antecedentes das GOP são os Planos de Fomentos (ou Planos Quinquenais, como o nome indica, com cinco anos de duração), implementados em 1953 - bem longe ainda, portanto, do 25 de Abril de 1974. O seu objectivo era desenvolver o país - cujo atraso em diversas áreas (como, por exemplo, as infra-estruturas físicas) era bem visível - com metas de longo prazo bem definidas e que deviam ser cumpridas em tempos determinados.

As opções eram, então, muito centralizadas, e a economia mais planificada - o «planeamento» era uma realidade.

Já depois de 1974, as GOP foram a continuação natural dos Planos de Fomento, tendo sido consagradas na Constituição da República Portuguesa em 1976. Até 2004 foram apresentadas juntamente com a Proposta de Lei do Orçamento do Estado (na parte final do ano económico anterior ao da sua vigência, normalmente até 15 de Outubro), que as devia traduzir financeiramente. Desde então, a apresentação das GOP foi transferida para a primeira metade do ano anterior à sua vigência (até Abril), num movimento que, ao autonomizá-las do Orçamento do Estado, é bem elucidativo da perda de importância que progressivamente têm vindo a registar.

Ora, desde o início dos Planos de Fomento - e já lá vão mais de cinquenta anos! - Portugal desenvolveu-se em todos os domínios (mais nuns do que noutros - veja-se novamente como, por exemplo, as infra-estruturas físicas que hoje caracterizam o país mostram bem a diferença para há 20 ou 30 anos atrás); ao mesmo tempo, a economia mundial também mudou, e muito. Desde logo, as economias de tendência planificada que existiam tornaram-se, ou estão a tornar-se, na sua esmagadora maioria, economias de mercado. Veja-se o caso das ex-economias comunistas Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia e Polónia que, em Maio de 2004 aderiram à União Europeia. Para além disso, as semelhanças entre o actual contexto globalizante, concorrencial e competitivo, e o Mundo dos anos 70 ou 80 são praticamente nulas. Nesta realidade, o papel dos Governos pouco tem a ver com o «planeamento» de há algumas décadas atrás. Importa criar as condições para que os agentes possam desenvolver, da forma mais eficiente possível, a sua actividade nos mais variados sectores, cabendo aos Governos as tarefas de regulação, vigilância e redistribuição, suprimindo as insuficiências do mercado. Creio que até mesmo o Partido Socialista e o actual Governo se renderam já à economia de mercado e abandonaram a derrotada cartilha socialista...

Hoje, importa, sem dúvida, conhecer o Programa de um Governo que inicia funções, o seu projecto para o país, o rumo que pretende traçar durante a legislatura em questão. Depois, compete aos órgãos fiscalizadores e, em particular à Assembleia da República, verificar do seu cumprimento - mas, convenhamos, faz pouco sentido que, ano após ano, seja apresentada uma actualização desse Programa do Governo onde, em grande parte, são materializadas as opções já anteriormente apresentadas - e que pouco têm a ver com um «planeamento», ou com uma direcção centralizada.

Confirmando a progressiva menor atenção que tem sido dada às GOP, até o Ministério do Planeamento (ou do Plano, como chegou a chamar-se, em conjunto com as Finanças, a Administração do Território e até mesmo o Equipamento), foi extinto em 2002 - e que pena foi que não se tivesse aproveitado a oportunidade para acabar também com as GOP!...

Na minha intervenção no Parlamento, a propósito deste assunto, desafiei mesmo os meus colegas Deputados - de entre aqueles que não tinham tido que ler as GOP para o debate em questão e para as sessões que ocorreram em sede de Comissão de Orçamento e Finanças - a enumerar as linhas mestras das Grandes Opções do Plano. Não creio que fossem capazes de as identificar com clareza. Nem - muito menos, aliás - as do ano anterior. Talvez até mesmo o Ministro das Finanças não o soubesse fazer (e creio que ninguém lhe levaria a mal por isso!...) se não consultasse os documentos que traria consigo para o debate que então teve lugar!... Compare-se a atenção que é dada ao Orçamento do Estado, por exemplo, e facilmente se percebe onde quero chegar?

Noutros tempos, na altura dos Planos de Fomento, e enquanto existiu o Ministério do Planeamento, a existência e importância das GOP faziam sentido. Mas vamos ser sinceros e claros: é tempo de as GOP terem o seu lugar na história. Porque, fazendo uma introspecção séria e honesta, chegar-se-á à conclusão de que o modelo das GOP está falido e é inútil.

E alterar esta situação é até mais simples do que se poderia pensar à primeira vista: é que, se antes, as GOP eram um imperativo constitucional, a revisão da Constituição de 1997 veio eliminar a lógica da anualidade dos planos (artigo 91º). Na prática, a elaboração de planos anuais passou, desde então, a obedecer não a uma imposição constitucional, mas a uma opção estratégica de cada Governo, consagrando-se, isso sim, que sendo eles da responsabilidade governamental, a Assembleia da República exerça o seu controlo político através da aprovação de uma lei das respectivas grandes opções que, no caso de ser elaborada, terá sempre que lhe ser submetida para aprovação. Lá se vai, assim, a argumentação apresentada pelo PCP no debate de 7 de Julho?

Portanto, continuar ou não com as GOP é uma opção do Governo. Já atrás referi que a extinção do Ministério do Planeamento em 2002 constituiu uma excelente oportunidade para «dar paz à sua alma». Infelizmente, tal não foi feito pelo XV Governo Constitucional. Espero que o Governo do Engº. Sócrates possa alterar esta situação e não perpetue a existência de um documento redondo, vago, cheio de lugares comuns e na sua maioria repetindo o que já foi apresentado em anos anteriores e no Programa do Governo. E que pouco, muito pouco diz aos cidadãos.

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