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O imperador do futebol e da mozarella

Sílvio Berlusconi gostaria de ser Júlio César. Há quem, erradamente, acredite que ele gostaria de ser Nero. Mas estão errados. Berlusconi é o tribuno que promete a festa e o espectáculo. Não quer atear fogo ao local onde todos querem ver futebol, comer mo

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Berlusconi, que a maioria tinha considerado que estava enterrado politicamente, regressou da tumba. Mas não se pode dizer que não tenha tido ajudas. Muitos lhe deram a mão, a começar pelo Governo de Romano Prodi (que, apesar de ter chegado ao executivo com uma bomba relógio nas mãos – um défice orçamental de 4% - e de ter conseguido ser dos que mais tempo conseguiu estar no poder entre os mais de 60 que se sucederam depois da II Guerra Mundial). Berlusconi, agora com o seu novo Partido da Liberdade, sobreviveu a todos os processos judiciais, a escândalos mais ou menos indecorosos, a investigações policiais e às contínuas acusações a alguns dos seus leais apoiantes de ligações a organizações menos bondosas, como a Máfia.

A sua vitória poderá ser pírrica, dividindo mais uma vez a Itália, mas Berlusconi sabe uma coisa: na política, como nos mercados, como no futebol ou como na televisão, o que é importante é gerir as expectativas. E, em todas essas áreas, o melhor é escutar o ruído de fundo. E os italianos estão cansados da política de mistura e promiscuidade de interesses, sem decisões concretas. Sílvio Berlusconi sabe isso há muito tempo. E foi por isso que, antes de se dedicar intensamente à política, foi espalhando o seu “charme” discreto pela sociedade civil italiana. Hoje, os seus princípios políticos são simples. Quase “slogans”: “Precisamos de uma nova moral política”; necessitamos de “montar uma ofensiva contra a evasão fiscal” ou “é preciso abolir os privilégios da classe política”. Contra isso, o seu opositor, Walter Veltroni, o antigo presidente da Câmara de Roma, pouco mais pode fazer do que tentar apagar o incêndio inflamado dos discursos do rei dos “media” italianos. Muitos observadores dizem que, entre os dois candidatos, não há grandes diferenças ideológicas. Ambos falam da labiríntica ineficiência e corrupção do Estado, que impede a economia de florescer. Por isso a personalidade, e o culto que dela faz dela, permitem que Berlusconi, aos 71 anos, veja como fácil a sua reentrada no trono do poder.

As suas ambições políticas foram crescendo, cimentadas no seu poder televisivo. A que se juntou o AC Milan: televisão e futebol foram as suas armas de arremesso políticas. O AC Milan vencia campeonatos. Os seus canais de televisão venciam audiências. Quando a operação “Mãos Limpas”, entre 1990 e 1994, tentou colocar um ponto final na corrupta elite política italiana (salpicando quer os então hegemónicos Democrata-Cristãos e o próprio Berlusconi), este colocou a sua popularidade na urna dos votos e venceu as eleições de 1994. Apesar de acusado de actividade criminosa, Berlusconi sempre se livrou dessas acusações (só uma vez foi condenado, por perjúrio, depois de ter negado pertencer à loja maçónica P2). É por isso que a junção do seu império de “media” e do controlo do executivo (que, sempre que ele está como primeiro-ministro procura colocar o poder judicial sob a suas ordens) é visto com desconfiança.

Um dos seus maiores aliados é Cesare Previti, o seu advogado (e, depois, Ministro da Defesa num dos seus Governos), que foi o ano passado condenado por suborno de juízes que tinham entre mãos investigações a negócios de Berlusconi. Outro é Marcello Dell’Utri, presidente do centro nevrálgico do seu império mediático, por alegadamente ter tentado aliciar a Máfia a apoiar, com os seus votos, Berlusconi, depois dos sangrentos atentados contra os juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino.

Berlusconi joga no xadrez nacionalista. Sendo anti-estatista, muitos vislumbram-no como o mais sério aliado que Sarkozy poderá ter para defender o peso da influência do Estado na economia, contra as ideias mais liberais da UE. Depois que os italianos tenham orgulho no seu país (por isso defende que a Alitalia deve continuar a ser uma “transportadora de bandeira”). E, quando se pensa no lixo de Nápoles, e na incapacidade do Estado italiano para lhe pôr cobro, percebe-se porque é que o discurso de Berlusconi é tão escutado. Enquanto cresce o orgulho em comer mozarella.

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