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21 de Dezembro de 2006 às 13:59

O gigante otomano

Quando o Papa Bento XVI proferiu a sua célebre conferencia na Universidade de Ratisbona, estaria longe de pensar que o seu raciocínio lógico sobre as violências cometidas sob a capa de causas religiosas incendiaria o mundo muçulmano, como veio a acontecer

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Fundamentalistas de todo o mundo uniram-se numa cruzada para diabolizar o Sumo Pontífice. Cruzada que foi subindo de tom até ao paroxismo da visita desta entidade à Turquia, país que vive uma circunstância muito particular. Trata-se de uma República laica (?) de matriz muçulmana.

De facto, dos quase 80 milhões de habitantes da Turquia, mais de 70 milhões declaram-se seguidores do Profeta Maomé. O partido no poder do Sr. ERDOGAN também se intitula como partido islâmico moderado. O que significa que, em termos práticos, embora a Turquia seja uma República laica, não confessional, o islamismo tem uma força política assinalável.

Tanto quanto se pode entender, a visita do Sumo Pontífice de Roma a este milenar país não poderia ter grande sentido de proselitismo religioso. Não é crível que o Chefe da Igreja Católica intentasse fazer uma Cruzada tendo em vista conseguir a conversão dos muçulmanos ao catolicismo.

Numa perspectiva ecuménica, saúda-se a presença do Papa num país tão marcadamente muçulmano, tendo em vista lançar pontes de diálogo com a igreja ortodoxa grega, que é uma igreja cristã separada de Roma há mais de mil anos. E tentar a aproximação com os líderes muçulmanos, aparentemente tão afastados. Afastamento que conduz, na prática, ao virar de costas das respectivas sociedades, com as consequências de natureza política que se conhecem.

Curioso é o destaque dado pela Comunicação Social do mundo europeu a esta visita. Que foi sendo animada, nos dias que procederam a chegada da Sua Santidade, com as imagens de repúdio vindas de Istambul que, tanto quanto se sabe agora, não eram representativas do sentir da generalidade da população.

Percebemos depois que os turcos, na sua maioria, ignoraram a presença do Papa, porque, pura e simplesmente, este não é o seu líder espiritual. Pelo contrário, os governantes de ANKARA perceberam que a dimensão do Bispo de Roma obrigava a "engolir os sapos" que fosse necessário, tendo em vista o objectivo que perseguem de entrada no Clube Europeu.

Estivemos, portanto, em presença de uma operação diplomática que convinha a todos: à Igreja de Roma, que pretende abraçar os seus irmãos ortodoxos, há tanto tempo afastados por razões que, à luz dos nossos dias, se afiguram perfeitamente utópicas; à Turquia, porque a sua adesão plena à União Europeia é determinante para o seu acelerado processo de desenvolvimento; e também aos países do chamado mundo ocidental, que começam a perceber que a Turquia não é a fronteira leste deste espaço, pois Istambul é a ponte que permite atravessar o Bósforo para se poder atingir o médio oriente, que é na realidade o verdadeiro berço da nossa civilização.

Por maiores que sejam os medos que muita Comunicação Social nos agita perante a inevitabilidade da entrada da Turquia na União Europeia, não podemos ceder à irracionalidade de deixar de fora um parceiro com as características deste pequeno gigante otomano. Não podem ser as crenças religiosas a afastar-nos deste desígnio comum. A esta luz, talvez se compreenda melhor o serviço que BENTO XVI nos prestou, empreendendo a sua recente viagem. Nem a Turquia, nem os turcos representam qualquer papão. Estejamos seguros disso.

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