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10 de Fevereiro de 2009 às 12:00

O feitiço contra o feiticeiro

Felizmente, para os chineses - um quinto da população mundial - o Ano do Boi que agora se inicia apresenta-se desde já auspicioso. Será mais calmo e estável do que o anterior e, segundo a mitologia, será também um ano produtivo porque o Boi é um bom amigo do homem, é trabalhador e traz alimentação às pessoas.

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Felizmente, para os chineses - um quinto da população mundial - o Ano do Boi que agora se inicia apresenta-se desde já auspicioso. Será mais calmo e estável do que o anterior e, segundo a mitologia, será também um ano produtivo porque o Boi é um bom amigo do homem, é trabalhador e traz alimentação às pessoas. Esperemos que tenham razão.

Entretanto, perante a crise, os chineses acautelam-se e discutem se o acto de consumir será ou não antipatriótico. A minha amiga Yi Lin, por exemplo, assaltada por um súbito desejo de poupar, ficou na dúvida depois de um familiar lhe ter assegurado que ele próprio acabara de contribuir para a economia do país ao comprar um telefone móvel e nada menos do que duas máquinas fotográficas - tudo pago com um recém-adquirido cartão de crédito. Estaria ele a cumprir o seu dever enquanto consumidor para ajudar as empresas afectadas pela contracção da procura? Seria esta uma lógica patriótica para ajudar o país em tempo de crise? Yi Lin confidenciou-me que, em sua opinião, as pessoas não devem consumir para além da sua capacidade económica e introduziu o conceito de "consumo correcto", isto é, aquele que não envolve nem excesso de poupança, nem excesso de consumo. Aliás, recordou Yi Lin, não foi o excesso de consumo que desgastou as potencialidades de crescimento da economia americana? No cumprimento desta lógica e ponderando o seu rendimento, Yi Lin acabou por gastar 4 yuan (0,50 €) num par de meias para celebrar o 100º dia do nascimento do seu filho, assegurando-se primeiro, sem qualquer dificuldade como todos sabemos, que eram feitas na China.

E é precisamente a produção, a economia real, que é a força da China: onde está a produção está o dinheiro. O superavit da sua balança comercial é o resultado da nova divisão internacional do trabalho e da mudança ocorrida nos padrões do comércio mundial, um processo iniciado e consolidado não pela China, mas pelos países desenvolvidos do Ocidente que, ao longo das últimas duas décadas, transferiram sectores de produção de baixo valor acrescentado para os países em desenvolvimento, aumentando a sua dependência destes últimos na maior parte dos produtos manufacturados. Nesta lógica de transferência global, a China tornou-se num destino ideal devido à enorme vantagem da sua força de trabalho e de uma envolvente local cada vez mais amigável e segura, de tal modo que mesmo outras economias emergentes começaram a transferir as suas unidades de produção para a Chinam, o que ainda mais desequilibra o comércio desta com o mundo.

Um outro factor é responsável pelo superavit. O rápido crescimento da economia chinesa tem pressionado a procura crescente de produtos de alta tecnologia que os países desenvolvidos poderiam fornecer - contribuindo para amenizar o déficit das suas balanças comerciais -, mas aos quais impõem barreiras restritivas no desejo de protecção dos seus segredos. Tal política tem empurrado a China para o desenvolvimento da sua própria tecnologia e é isso mesmo: a China já está a inovar. De novo o feitiço se vira contra o feiticeiro.

Não é pois surpresa a emergência da China como terceira economia mundial ultrapassando a Alemanha, após a revisão das estatísticas de 2007. Para um país em desenvolvimento, a média de crescimento anual de 10% que tem mantido nos últimos trinta anos ilustra bem o que tem feito no prosseguimento do desenvolvimento e da prosperidade. Em termos de melhoria tangível para grande parte da população chinesa este novo estatuto económico tem apenas uma importância simbólica, mas é inegável a contribuição da China para a saúde da economia global. Apesar de todas as dificuldades e dos reflexos que a crise nos Estados Unidos e na Europa também provocam na China - as exportações chinesas têm vindo a decrescer desde Novembro passado - o crescimento económico do país pode evitar uma recessão ainda maior nos países desenvolvidos. Já não crescerá a 13%, mas os 8% previstos para este ano ainda estão dentro daquilo que o Nomura Research Institute, um respeitado think tank japonês, entende ser suficiente para assegurar a estabilidade e a paz social na China. Mesmo que as exportações decresçam, o novo padrão de desenvolvimento em curso põe mais ênfase no consumo interno para alimentar o crescimento.

Entretanto a minha amiga Yi Lin bem pode, em vão, continuar à procura de produtos que não sejam feitos na China, como o ano passado fez em França, quando queria levar uma lembrança para o seu bebé. Bebé que ela teve o cuidado de fazer nascer no Ano do Rato porque do Boi todos esperamos trabalho e a recompensa já se sabe qual é.
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