Opinião
O estado geral das coisas
Os acontecimentos no Reino Unido, que se seguem a outros, em outros países, deveriam merecer a atenção dos dirigentes mundiais.
Os acontecimentos no Reino Unido, que se seguem a outros, em outros países, deveriam merecer a atenção dos dirigentes mundiais. Não se pode reduzir a agitação e os motins a contracções étnicas ou a impulsos "criminosos de minorias desorientadas", como foi afirmado. A crise geral das sociedades, a impossibilidade demonstrada pelo capitalismo em regenerar-se, de forma a atentar na questão social, os esquemas estabelecidos apara tornar os ricos mais ricos, são temas fulcrais do problema.
A alegre indiferença com que, no nosso país, o problema é tomado, "isto só acontece lá fora", é a forma mais suicida de se dilucidar os males do nosso tempo. A verdade é que a pressão a que os mais pobres são submetidos não pode continuar sem resposta. Todos os dias somos sobressaltados por decisões governamentais que limitam, até ao sufoco, a nossa vida colectiva.
As organizações patronais, com António Saraiva à frente, rejubilam, e nem sequer têm o pudor de dissimular esse contentamento insultuoso. É com um misto de tristeza e de indignação que vejo e escuto o antigo operário António Saraiva defender as formas mais violentas de abuso de poder sobre a classe a que pertenceu.
A verdade é que este caminho não leva a coisa alguma, a não ser a explosões de raiva e de ódio, dificilmente controláveis, porque inorgânicas. Nessa ocasião, os partidos de Esquerda não terão mãos para conter a ira. Os economistas mais sérios sabem, e no-lo explicam, que esta política de aperto nada soluciona, e corrói, larvarmente, os fundamentos essenciais da democracia. Chegados aqui, pergunta-se: em Portugal as regras e os princípios democráticos são vigentes? Há dúvidas. A combinação espúria de dois "partidos de poder", o PSD e o PS, cristalizou-se no paradigma do "mercado", que permite e facilita todos os modos e práticas de iniquidade social.
"Para viver, todo o mundo; para morrer, Portugal", disse o Padre António Vieira, glosado num poema lindíssimo por Ruy Belo, meu amigo e parceiro de outros sonhos. Temos quase infinitas possibilidades de ser felizes, mas parece que um infortúnio nos persegue infatigavelmente. Que nos acontece para merecermos isto? Pedro Passos Coelho repete, em actos, sem glória nem grandeza, o que veementemente condenou a José Sócrates. Em pouco mais de mês e meio de governação, evocando, falaciosamente, a necessidade de "reformas" e de obediência cega ao memorando da troika, tem-nos condenado a uma existência vil e triste, porventura a mais triste e a mais vil dos últimos trinta anos.
Para me servir de uma expressão utilizada pela moderna sociologia, esta "contra conduta" exprime um movimento pretendidamente insubmisso mas que se traduz em submissão. Nada do que este Governo faz é original e destinado a seguir um programa, uma doutrina, um ideário que se diga ter uma marca de partido, um desiderato nacional. Apenas cumpre as severas indicações externas. E as indicações da troika, não o esqueçamos, professam, exclusivamente, o paradigma do Partido Popular Europeu, onde se alberga toda a Direita europeia.
Um livro recente, "Viver no Fim dos Tempos", de Slavoj Zizek, editado pela Relógio de Água, e cuja leitura atenta vivamente recomendo, analisa as causas profundas desta "legitimidade ilegítima" que coloca a democracia como inimiga do povo e não como um poder dele emanado. É um texto longo, escrito com clareza e fascínio, a juntar aos documentos reflexivos que, um pouco pela "Europa resistente ao pensamento único", têm vindo a ser publicados. Com os ensaios de Tony Judt, os de Myriam Revault d'Allonnes e de Jean-Pierre Le Goff, entre muitos outros, ajudam-nos a compreender a complexidade de uma política "globalizadora", cujo objectivo é a acumulação de capital e a destituição do humano. A própria igreja católica, habitualmente retardatária em exprimir opiniões sobre o mundo da política, tem vindo a criticar certos "exageros do capitalismo predador."
A crise a que somos submetidos cria, necessariamente, uma reacção apelativa, de que devemos tomar conhecimento. Ao contrário do que certos sectores nos querem inculcar, o pensamento europeu não paralisou com o "fim da história" de Fukuyama. Nem a queda do muro de Berlim constituiu o desmoronar da ideia socialista, a qual, como disse o monge trapista Thomas Merton, "é uma generosa criação do homem, que é uma generosa criação de Deus."
b.bastos@netcabo.pt
A alegre indiferença com que, no nosso país, o problema é tomado, "isto só acontece lá fora", é a forma mais suicida de se dilucidar os males do nosso tempo. A verdade é que a pressão a que os mais pobres são submetidos não pode continuar sem resposta. Todos os dias somos sobressaltados por decisões governamentais que limitam, até ao sufoco, a nossa vida colectiva.
A verdade é que este caminho não leva a coisa alguma, a não ser a explosões de raiva e de ódio, dificilmente controláveis, porque inorgânicas. Nessa ocasião, os partidos de Esquerda não terão mãos para conter a ira. Os economistas mais sérios sabem, e no-lo explicam, que esta política de aperto nada soluciona, e corrói, larvarmente, os fundamentos essenciais da democracia. Chegados aqui, pergunta-se: em Portugal as regras e os princípios democráticos são vigentes? Há dúvidas. A combinação espúria de dois "partidos de poder", o PSD e o PS, cristalizou-se no paradigma do "mercado", que permite e facilita todos os modos e práticas de iniquidade social.
"Para viver, todo o mundo; para morrer, Portugal", disse o Padre António Vieira, glosado num poema lindíssimo por Ruy Belo, meu amigo e parceiro de outros sonhos. Temos quase infinitas possibilidades de ser felizes, mas parece que um infortúnio nos persegue infatigavelmente. Que nos acontece para merecermos isto? Pedro Passos Coelho repete, em actos, sem glória nem grandeza, o que veementemente condenou a José Sócrates. Em pouco mais de mês e meio de governação, evocando, falaciosamente, a necessidade de "reformas" e de obediência cega ao memorando da troika, tem-nos condenado a uma existência vil e triste, porventura a mais triste e a mais vil dos últimos trinta anos.
Para me servir de uma expressão utilizada pela moderna sociologia, esta "contra conduta" exprime um movimento pretendidamente insubmisso mas que se traduz em submissão. Nada do que este Governo faz é original e destinado a seguir um programa, uma doutrina, um ideário que se diga ter uma marca de partido, um desiderato nacional. Apenas cumpre as severas indicações externas. E as indicações da troika, não o esqueçamos, professam, exclusivamente, o paradigma do Partido Popular Europeu, onde se alberga toda a Direita europeia.
Um livro recente, "Viver no Fim dos Tempos", de Slavoj Zizek, editado pela Relógio de Água, e cuja leitura atenta vivamente recomendo, analisa as causas profundas desta "legitimidade ilegítima" que coloca a democracia como inimiga do povo e não como um poder dele emanado. É um texto longo, escrito com clareza e fascínio, a juntar aos documentos reflexivos que, um pouco pela "Europa resistente ao pensamento único", têm vindo a ser publicados. Com os ensaios de Tony Judt, os de Myriam Revault d'Allonnes e de Jean-Pierre Le Goff, entre muitos outros, ajudam-nos a compreender a complexidade de uma política "globalizadora", cujo objectivo é a acumulação de capital e a destituição do humano. A própria igreja católica, habitualmente retardatária em exprimir opiniões sobre o mundo da política, tem vindo a criticar certos "exageros do capitalismo predador."
A crise a que somos submetidos cria, necessariamente, uma reacção apelativa, de que devemos tomar conhecimento. Ao contrário do que certos sectores nos querem inculcar, o pensamento europeu não paralisou com o "fim da história" de Fukuyama. Nem a queda do muro de Berlim constituiu o desmoronar da ideia socialista, a qual, como disse o monge trapista Thomas Merton, "é uma generosa criação do homem, que é uma generosa criação de Deus."
b.bastos@netcabo.pt
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