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06 de Setembro de 2012 às 23:30

O Dia Draghi

Calculo que o senhor Rajoy sinta um enorme calafrio quando olha para os números do seu vizinho português (que leva apenas um ano e pico de troika ) e os imagina transportados para Espanha e "sus regiones"!

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Calculo que o senhor Rajoy sinta um enorme calafrio quando olha para os números do seu vizinho português (que leva apenas um ano e pico de troika ) e os imagina transportados para Espanha e "sus regiones"!

Ontem, não terá sido, ainda , o dia D do Euro, mas foi o dia em que, graças à persistência de Mario Draghi, o Bundesbank e a Chanceler Merkl arrepiaram algum do caminho que traçaram para a Europa periférica.

Se nada de extraordinário se passou entre a hora em que tive de entregar este texto na redacção do Jornal de Negócios e a aprovação pelo BCE das medidas que transpiraram para os meios de informação especializados, ontem nasceu o MOOT , Monetary Outright Transactions: em termos práticos a máquina a que ficará ligado o Euro nos próximos 3 anos.

O dicionário de inglês contemporâneo da Longmans esclarece que outright significa "clearly and directly, without trying to hide your feelings and intentions".

Ou seja, este novo instrumento de política monetária que o BCE decidiu criar e utilizar, contra a opinião do Bundesbank e depois de vencer as reticências dos bancos centrais da Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Finlândia, destina-se exclusivamente a conter as taxas de juro da dívida emitida até 3 anos, através da compra dos respectivos títulos no mercado secundário.

A concretização desta decisão histórica, em que o BCE rompeu com as baias que lhe eram assinaladas pela interpretação alemã de que o objectivo único do banco deveria ser a promoção de políticas destinadas a garantir a estabilidade dos preços na Zona Euro, depende, ainda, de um facto incerto que só os alemães poderão determinar: a pronúncia final do Tribunal Constitucional sobre a constitucionalidade dos fundos e mecanismos de financiamento de estabilização monetária e financeira, aprovados a nível comunitário com a anuência da chanceler Merkl.

Vamos assumir que o Euro não quebra pela mão dos Juízes alemães e que o MOOT vai mesmo ser implementado. A espiral de juros crescentes da dívida a emitir pela Espanha e pela Itália vai ser contida? Os mercados acalmarão e a confiança regressará? O Euro está salvo?

Conforme Draghi já tinha anunciado o BCE só comprará dívida emitida por países que se comprometam com medidas concretas de reestruturação das suas finanças públicas. Isto é, que aceitem submeter-se a um plano de resgate e a uma "troika".

Sabemos como os nossos vizinhos espanhóis enjeitam estas limitações à sua soberania e orgulho nacional, mas como quem não tem dinheiro não tem vícios, acabarão por se submeter a um qualquer modelo de intervenção que salvaguarde a aparência de um Governo que não se submeteu ao resgate imposto à Grécia, à Irlanda e a Portugal. Ser PIGS nunca!

Sendo assim, a Espanha terá o seu plano de resgate cozinhado "à espanhola", os mercados acalmarão, as bolsas voltarão a animar-se e durante mais uns tempos, meses mesmo, poderemos viver na ilusão de que o problema do Euro está resolvido.

Como escrevia James Mackintosh na coluna "the short view" do "Financial Times" de ontem, ninguém duvida da capacidade do BCE para manter os juros da dívida de curto prazo em patamares baixos , intervindo no mercado e comprando a dívida que os países em dificuldades necessitem de emitir; a incógnita está na capacidade do BCE para impedir que os Governos gastadores destinem parte desse financiamento "to ease the pain of their austerity-weary voters" .

Qualquer regra tem que prever uma sanção para o caso de incumprimento. No caso do MOOT, os países que não cumpram com a disciplina e reestruturação financeira a que se comprometeram deixarão de beneficiar da garantia de compra da sua dívida futura. Mas se isso alguma vez acontecer a implosão do Euro está assegurada!

Para que o dia Draghi se converta no dia D do Euro e o MOOT no seu instrumento decisivo é fundamental que a Alemanha, a Finlândia, a Holanda e todos os que com eles partilham e alimentam a estratégia da Europa se convençam que repetir em Espanha os erros do resgate Grego e Português conduzirão, inevitavelmente, à ruptura do Euro.

Calculo que o senhor Rajoy sinta um enorme calafrio quando olha para os números do seu vizinho português (que leva apenas um ano e pico de troika) e os imagina transportados para Espanha e "sus regiones"!

Portugal é um país em que todas as receitas fiscais estão em queda, como não seria difícil de prever quando se põe um garrote à actividade económica das empresas e aos rendimentos das pessoas.

Portugal é um país em que parte substancial das despesas públicas está a aumentar, como também não era difícil de prever perante um cenário catastrófico de encerramento de empresas .

Portugal é um país em que não há investimento, porque não há consumo, porque o investidor estrangeiro não investe e o português não tem dinheiro, nem financiamento, porque o sistema bancário reserva a sua reduzida liquidez para o Estado ou para as grandes empresas.

Portugal é um país que tem de suportar juros insuportáveis enquanto outros, que coabitam a mesma Comunidade, não só recebem pelo financiamento que concedem juros adornados com spreads insultuosos, como conseguem financiar a sua própria economia com taxas de juro negativas, beneficiando da incerteza nos mercados criada pela constante dúvida sobre a solvabilidade dos PIGS e a sua pertença ao Euro.

Portugal tem seguido disciplinadamente as recomendações da troika, a quem um ou outro ministro tem que pedir autorização para gastar mais do que previa porque, pura e simplesmente, as previsões não se confirmaram.

Apesar de aluno distinto, Portugal está onde está e caminha para bastante pior se se confirmar a intransigência quanto à flexibilização de alguns objectivos e procedimentos.

É por isso natural que o senhor Rajoy se agarre ao MOOT, ao senhor Draghi, ao senhor Prodi, ao senhor Hollande e a todos aqueles senhores (e senhoras) que queiram ouvir a sua versão dos erros cometidos (sem reparação) na Grécia e (parcialmente reparáveis) em Portugal.

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