Opinião
O candidato mórmon
O mormonismo vai passar por um teste rigoroso que poderá, ou não, confirmar a sua integração no cenário religioso pluralista norte-americano.
O mormonismo vai passar por um teste rigoroso que poderá, ou não, confirmar a sua integração no cenário religioso pluralista norte-americano.
O mórmon Mitt Romney enfrenta o mesmo tipo de desconfianças e preconceitos religiosos que rodearam a campanha presidencial do católico Jack Kennedy. Romney rompe com a tradição republicana de candidatos protestantes, suscita reservas das alas evangélica e católica do partido, e confronta-se com a incompreensão de parte significativa do eleitorado.
A economia, a reforma da assistência social e médica irão dominar, em princípio, a provável disputa entre Romney e Obama, mas o factor religioso poderá decidir a votação em alguns estados.
O antigo governador do Massachusetts é suspeito entre os sectores mais conservadores republicanos de tendências liberais e a sua fé aviva temores de fidelidade a hierarquias obscuras, tal como sucedia em 1960 com a acusação de obediência de Kennedy ao Papa.
Cristãos ou excêntricos
Os mórmos são considerados como alheios à religião cristã por 51% dos norte-americanos, enquanto 17% não têm certezas sobre a sua eventual filiação cristã.
Já 97% dos fiéis da "Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias" consideram-se cristãos, segundo dados do "Pew Research Center".
Tal como os judeus os mórmons representam apenas 1,7% dos adultos confessadamente religiosos, mas a sua influência cultural, económica e política é incomparavelmente inferior.
O actual Congresso, por exemplo, conta com 7,3% de judeus, enquanto os mórmons se quedam pelos 2,8%, ainda que o líder da maioria no Senado, Harry Reid, seja um dos raríssimos mórmons democratas.
Entre os mórmons o conservadorismo de valores, a devoção à vida familiar, à temperança, autodomínio e estudo, vai a par do activismo organizativo reformista para promover as potenciais qualidades do ser humano e sustentar fins assistenciais.
O optimismo industrioso dos mórmon tem pontos comuns com alguma ética protestante do aperfeiçoamento e êxito pessoal tão celebrada nos Estados Unidos, mas a lembrança da poligamia (repudiada em 1890), da exclusão dos negros (em vigor até 1978) ou o rigorismo proselitista que obriga jovens adultos do sexo masculino a dois anos de missionação podem reavivar críticas e desconfianças.
O desafio ao pluralismo religioso
As maiorias evangélica (26%), católica (24%) e das igrejas protestantes tradicionais (18%) têm perfis demográficos muito mais variados do que os mórmons que se concentram em estados dos Oeste, sobretudo Utah, Idaho, Nevada e Arizona.
Os mórmons, na esmagadora maioria brancos não-hispânicos e apoiantes republicanos, afirmam-se alvo de preconceitos, mas consideram estar em vias de maior aceitação por parte dos seus concidadãos.
O mormonismo, em rigor uma heresia cristã fruto das visões do profeta Joseph Smith no clima de exaltação religiosa do início do século XIX no estado de Nova Iorque, vai nesta eleição presidencial passar por um teste rigoroso que poderá ou não confirmar a sua integração no cenário religioso pluralista norte-americano.
Enquanto Romney apresenta arreigados pergaminhos mórmon, Barack Obama é filho doutra América.
O presidente declara-se cristão, mas não segue qualquer igreja desde que foi obrigado a romper durante a campanha eleitoral de 2008 com o seu pastor Jeremy Wright, autor de sermões incendiários sobre o racismo e terrorismo de estado da América branca.
Para Obama com sua mãe céptica e pai ateísta, educado por avós maternos no ecletismo da "Igreja Unitária Universalista", seguidor em Chicago da "Igreja da Trindade Una de Cristo" – promotora da teologia da libertação negra a partir de matriz protestante congregacionalista –, a polémica religiosa não é questão que possa convir num confronto com Romney que tão pouco pretende carregar nessa tecla.
As surpresas da campanha irão, contudo, acabar por trazer à primeira linha a fé mórmon de Romney, que terá de encontrar um vice aceitável para o eleitorado evangélico, e excluída da controvérsia continuará a minoria de 16% de norte-americanos que não se reconhece em qualquer religião, incluindo 4% de ateístas e agnósticos.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
Assina semanalmente esta coluna à quarta-feira
O mórmon Mitt Romney enfrenta o mesmo tipo de desconfianças e preconceitos religiosos que rodearam a campanha presidencial do católico Jack Kennedy. Romney rompe com a tradição republicana de candidatos protestantes, suscita reservas das alas evangélica e católica do partido, e confronta-se com a incompreensão de parte significativa do eleitorado.
O antigo governador do Massachusetts é suspeito entre os sectores mais conservadores republicanos de tendências liberais e a sua fé aviva temores de fidelidade a hierarquias obscuras, tal como sucedia em 1960 com a acusação de obediência de Kennedy ao Papa.
Cristãos ou excêntricos
Os mórmos são considerados como alheios à religião cristã por 51% dos norte-americanos, enquanto 17% não têm certezas sobre a sua eventual filiação cristã.
Já 97% dos fiéis da "Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias" consideram-se cristãos, segundo dados do "Pew Research Center".
Tal como os judeus os mórmons representam apenas 1,7% dos adultos confessadamente religiosos, mas a sua influência cultural, económica e política é incomparavelmente inferior.
O actual Congresso, por exemplo, conta com 7,3% de judeus, enquanto os mórmons se quedam pelos 2,8%, ainda que o líder da maioria no Senado, Harry Reid, seja um dos raríssimos mórmons democratas.
Entre os mórmons o conservadorismo de valores, a devoção à vida familiar, à temperança, autodomínio e estudo, vai a par do activismo organizativo reformista para promover as potenciais qualidades do ser humano e sustentar fins assistenciais.
O optimismo industrioso dos mórmon tem pontos comuns com alguma ética protestante do aperfeiçoamento e êxito pessoal tão celebrada nos Estados Unidos, mas a lembrança da poligamia (repudiada em 1890), da exclusão dos negros (em vigor até 1978) ou o rigorismo proselitista que obriga jovens adultos do sexo masculino a dois anos de missionação podem reavivar críticas e desconfianças.
O desafio ao pluralismo religioso
As maiorias evangélica (26%), católica (24%) e das igrejas protestantes tradicionais (18%) têm perfis demográficos muito mais variados do que os mórmons que se concentram em estados dos Oeste, sobretudo Utah, Idaho, Nevada e Arizona.
Os mórmons, na esmagadora maioria brancos não-hispânicos e apoiantes republicanos, afirmam-se alvo de preconceitos, mas consideram estar em vias de maior aceitação por parte dos seus concidadãos.
O mormonismo, em rigor uma heresia cristã fruto das visões do profeta Joseph Smith no clima de exaltação religiosa do início do século XIX no estado de Nova Iorque, vai nesta eleição presidencial passar por um teste rigoroso que poderá ou não confirmar a sua integração no cenário religioso pluralista norte-americano.
Enquanto Romney apresenta arreigados pergaminhos mórmon, Barack Obama é filho doutra América.
O presidente declara-se cristão, mas não segue qualquer igreja desde que foi obrigado a romper durante a campanha eleitoral de 2008 com o seu pastor Jeremy Wright, autor de sermões incendiários sobre o racismo e terrorismo de estado da América branca.
Para Obama com sua mãe céptica e pai ateísta, educado por avós maternos no ecletismo da "Igreja Unitária Universalista", seguidor em Chicago da "Igreja da Trindade Una de Cristo" – promotora da teologia da libertação negra a partir de matriz protestante congregacionalista –, a polémica religiosa não é questão que possa convir num confronto com Romney que tão pouco pretende carregar nessa tecla.
As surpresas da campanha irão, contudo, acabar por trazer à primeira linha a fé mórmon de Romney, que terá de encontrar um vice aceitável para o eleitorado evangélico, e excluída da controvérsia continuará a minoria de 16% de norte-americanos que não se reconhece em qualquer religião, incluindo 4% de ateístas e agnósticos.
Jornalista
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