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Opinião
07 de Janeiro de 2009 às 13:00

Nada de bom em Gaza

Resta pouco tempo a Israel para declarar vitória e retirar de Gaza. A destruição da maior parte dos túneis de contrabando entre Gaza e o Egipto ainda não foi conseguida e, apesar dos ataques de mísseis do Hamas terem diminuído, o sul de Israel continua debaixo de fogo.

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Os combates em áreas urbanas e o arrastamento da ofensiva tornarão mais difícil a posição israelita e darão um peso político acrescido ao Hamas.

O essencial dos termos de uma trégua é claro. Israel quer uma presença internacional no sul de Gaza para impedir o rearmamento do Hamas através do Egipto. Em troca aliviará o bloqueio a Gaza, permitindo fornecimentos de energia e bens essenciais, e, posteriormente, movimento de pessoas, desde que o Hamas pare com os lançamentos de mísseis.

Para o Hamas o fundamental é ser reconhecido na prática como autoridade efectiva em Gaza, independentemente de europeus e norte-americanos classificarem a organização como terrorista, e assegurar o levantamento do bloqueio.

Na negociação de uma trégua os islamitas poderão ainda aceitar libertar o cabo Gilad Shalit (capturado em Junho de 2006) e militares israelitas que venham a ser eventualmente feitos prisioneiros durante a presente guerra, caso Israel e a Autoridade Palestiniana concedam a liberdade a detidos do Hamas.

Duas Palestinas e um presidente desacreditado

Em qualquer cenário o Hamas continuará a controlar Gaza e a capacidade negocial de Mahmoud Abbas, cujo mandato como presidente da Autoridade Palestiniana expira esta quinta-feira, será praticamente nula e confinada a áreas da Cisjordânia sob tutela efectiva do exército israelita.

O Hamas poderá, ainda, jogar a cartada de não reconhecer Abbas como “presidente da Palestina”, uma eleição orquestrada pelo Conselho Central da OLP em Novembro de 2008, e recusar-se a participar nas eleições legislativas que deveriam ter lugar este ano, acentuado, assim, a divisão política entre Gaza e a Cisjordânia.

A questão política de criação de um estado palestiniano viável e fora da órbita islamita não terá solução sem o desmantelamento da maior parte dos colonatos israelitas na Cisjordânia, a partilha de Jerusalém, um acordo sobre indemnização a cerca de quatro milhões de refugiados e a gestão concertada dos recursos de água.

A divisão entre palestinianos, a experiência fracassada da administração da Fatah e a rejeição pelo Hamas do direito à existência do estado de Israel não auguram avanços nas negociações.

Do lado de Israel, enquanto os Estados Unidos mantiverem a política seguida pelas recentes administrações democráticas e republicanas de fechar os olhos à expansão de colonatos, nenhum governo afrontará os colonos e muito menos aceitará negociar sem garantias efectivas de segurança.

Perspectivas negras

O bloqueio no conflito israelo-palestiniano que condiciona, por sua vez, as negociações de paz com a Síria para retorno a Damasco dos Montes Golan, poderá vir a conhecer um desenvolvimento ainda mais negativo no caso da sucessão de Hosni Mubarak mergulhar o Egipto numa crise em que os islamitas venham a impor-se como uma das principais forças políticas.

O crescente islamita, que a partir dos anos 80 começou a explorar o fracasso dos regimes e movimentos nacionalistas árabes, não será desbaratado tão cedo e, mais do que uma ameaça militar nuclear do Irão, é o principal desafio às monarquias do Golfo e da Jordânia, às autocracias do Egipto e da Síria, e um factor de destabilização do Líbano.

Seguindo o exemplo de resistência dos xiitas libaneses do Hizballah na guerra do Verão de 2006 o Hamas tudo fará para chegar a um cessar-fogo como força política incontornável, independentemente da degradação das suas capacidades militares imediatas pela ofensiva israelita.

A destruição de infraestruturas em Gaza e as baixas civis são irrelevantes para o Hamas na medida em que a devastação da guerra apenas aumenta a dependência da população face aos islamitas na falta de outras alternativas políticas.

Os apoios políticos internacionais aos islamitas sunitas do Hamas podem resumir-se ao baluarte da minoria alauíta em Damasco, aos xiitas libaneses do Hizballah e ao Irão, mas se desta guerra a imagem do movimento sair fortalecida como um bastião da resistência anti-israelita então as consequências serão bem gravosas.

No ataque ao Líbano em 2006 Israel viu posta em causa a sua capacidade de dissuasão militar convencional. Nesta ofensiva Israel arrisca perder capital político, alienando os aliados árabes dos Estados Unidos, retirando credibilidade a Mahmoud Abbas, agravando a hostilidade da sua minoria de cidadãos árabes (20% da população) e nada conseguido de melhor do que um triunfo militar sem futuro em Gaza.

A tenaz do Hamas e do Hizballah

A ameaça dos mísseis Qassam, Grad, Katiusha e Fajr e o risco do Hamas aumentar a sua capacidade de fogo e alargar o raio de alcance dos ataques obriga qualquer governo israelita a empenhar-se em acções militares.

As forças armadas israelitas não podem permitir que o sul do país – incluindo cidades como o centro industrial de Ashkelon ou Ashdod, o maior porto do país – seja alvo de ataques que, no pior dos cenários, podem vir a ser coordenados com o Hizballah, capaz de atingir, por sua vez, a maior parte do Norte e do Centro de Israel.

Incapaz de esmagar militarmente o Hamas em Gaza, salvo mediante uma reocupação do território abandonado em 2005, Israel precisa de garantir que os islamitas não possam recuperar rapidamente a sua capacidade de montagem e armazenamento de mísseis.
Na impossibilidade de ocupar a faixa fronteiriça com o Egipto e sem poder contar com a cooperação do Cairo para evitar o contrabando de armamento e munições Israel não dispõe de soluções a prazo.

Se o eleitorado israelita presumir que a guerra em Gaza não traz uma garantia real de segurança contra ataques de mísseis a guinada à direita nas eleições de 10 de Fevereiro será inevitável e o Likud de Benjamin Netanyahu tornar-se-á o parceiro indesejável de Barack Obama em qualquer tentativa de negociações no Médio Oriente.

Uma paz podre em Gaza, um governo palestiniano desprestigiado na Cisjordânia, outra fronteira insegura no Líbano, novo impasse nas negociações com a Síria, um Egipto trémulo à espera da sucessão de Mubarak e, ao longe, a ameaça do Irão, tudo conspira para mais um ano terrível no Médio Oriente.

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