Opinião
Muitos terão de morrer
"Um futuro diferente não nos oferece garantias e, portanto, estamos satisfeitos com este governo", assevera o patriarca Inácio IV de Antioquia e assim resume a crise síria: ninguém pode ceder.
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"Um futuro diferente não nos oferece garantias e, portanto, estamos satisfeitos com este governo", assevera o patriarca Inácio IV de Antioquia e assim resume a crise síria: ninguém pode ceder.
O dilema dos cristãos ortodoxos é partilhado pelas demais minorias que desde os anos 60 aceitaram a liderança dos alauítas, uma seita herética do xiismo, e da família al Assad.
A crescente violência dos confrontos desde o início dos protestos em Março de 2011 inviabiliza qualquer partilha do poder com os alauítas mesmo no caso de afastamento ou morte de Bashar al Assad.
Dominando as chefias das forças armadas e de segurança os alauítas contam ainda com o apoio da oligarquia sunita, mas este segmento dependente dos círculos do poder, tal como druzos ou arménios, não é representativo da maioria confessional que contesta o regime.
Tarda a vingança
Este mês passam três décadas sobre o massacre de Hama quando Hafez al Assad esmagou uma rebelião dos "Irmãos Muçulmanos", arrasando a cidade onde morreram mais de 10 mil pessoas, e para muitos sunitas a vingança tarda.
Combates esporádicos nos subúrbios orientais de Damasco e pequenas manifestações em Aleppo, a maior cidade do país, continuam sem alterar a relação de forças em que oposicionistas se mostram incapazes de desfeitear as forças do regime nos grandes centros urbanos.
As deserções de efectivos militares e policiais têm sido pouco significativas e as altas patentes perfilam-se firmes e hirtas ante Bashar.
As forças irregulares do "Exército Livre" não conseguiram até agora controlar zonas territoriais que possam proclamar "áreas libertadas", sobretudo nas proximidades da fronteira com a Turquia onde contam com apoio político ao mais alto nível.
O "Conselho Nacional Sírio", no exílio, e os "Grupos de Coordenação" do interior cedem primazia à militância dos "Irmãos Muçulmanos" que atemoriza outros sunitas ou representantes de minorias como os curdos que, tementes dos desígnios de Ancara, se dão de momento como essencialmente satisfeitos com concessões de Damasco que reconheceu no ano passado a cidadania síria que lhes tinha sido retirada em 1962.
A deterioração económica (perda das exportações de petróleo para a Europa, desvalorização da libra, fuga de capitais e inflação acima dos 20%) tem acentuado o impasse interno em que impera a superioridade militar alauíta de contestada legitimidade política, mas não hostilizada pelas principais minorias étnico-religiosas.
A passagem do poder para a maioria sunita (74% da população contra 10% de alauítas) implicará mudanças drásticas e incertas, mas Bashar ainda conta com apoios significativos para adiar o inevitável.
Falta de garantias
Para o governo do xiita Nuri al Maliki em Bagdade uma mudança de regime em Damasco acicataria tendências autonomistas e separatistas sunitas, sobretudo em al Anbar, província contígua à Síria, Jordânia e Arábia Saudita.
Em Teerão, bem como para os xiitas libaneses, a derrocada do poder alauíta representaria a perda dum aliado estratégico razão pela qual a maioria dos estados da Liga Árabe, assim como a Turquia, aspira ao rápido afastamento de Bashar.
A "falta de garantias", no dizer do patriarca ortodoxo, leva ao receio generalizado de uma prolongada guerra civil em que Israel, por exemplo, seguiria a estratégia de interferência por interpostos aliados, ou mesmo através de invasão para partilha territorial, tal como fez nas guerras civis do Líbano entre 1975 e 1990.
Na incerteza síria Moscovo arrisca-se a acabar como um dos maiores perdedores ainda que a falta de clareza estratégica das demais potências, incluindo a China, preocupada sobretudo em garantir os abastecimentos petrolíferos da região, seja também notória.
Putin, obrigado a cimentar a imagem de homem forte depois da desfeita da Rússia ante a intervenção ocidental na Líbia, recusa qualquer compromisso que punha em causa a derradeira esfera de influência no Levante que herdou dos tempos soviéticos.
Também Putin se confronta com "falta de garantias" quanto ao futuro da base naval de Tartus, a única presença militar russa fora do antigo espaço soviético, mas, mesmo temeroso da influência que mais um avanço do islamismo sunita possa ter no Cáucaso, nada melhor conseguiu até agora do que reiterar o apoio a um regime inviável.
Na sinuosa e arrastada luta que culminará em mais uma virada islamista muitos ainda terão de morrer na Síria.
"Um futuro diferente não nos oferece garantias e, portanto, estamos satisfeitos com este governo", assevera o patriarca Inácio IV de Antioquia e assim resume a crise síria: ninguém pode ceder.
A crescente violência dos confrontos desde o início dos protestos em Março de 2011 inviabiliza qualquer partilha do poder com os alauítas mesmo no caso de afastamento ou morte de Bashar al Assad.
Dominando as chefias das forças armadas e de segurança os alauítas contam ainda com o apoio da oligarquia sunita, mas este segmento dependente dos círculos do poder, tal como druzos ou arménios, não é representativo da maioria confessional que contesta o regime.
Tarda a vingança
Este mês passam três décadas sobre o massacre de Hama quando Hafez al Assad esmagou uma rebelião dos "Irmãos Muçulmanos", arrasando a cidade onde morreram mais de 10 mil pessoas, e para muitos sunitas a vingança tarda.
Combates esporádicos nos subúrbios orientais de Damasco e pequenas manifestações em Aleppo, a maior cidade do país, continuam sem alterar a relação de forças em que oposicionistas se mostram incapazes de desfeitear as forças do regime nos grandes centros urbanos.
As deserções de efectivos militares e policiais têm sido pouco significativas e as altas patentes perfilam-se firmes e hirtas ante Bashar.
As forças irregulares do "Exército Livre" não conseguiram até agora controlar zonas territoriais que possam proclamar "áreas libertadas", sobretudo nas proximidades da fronteira com a Turquia onde contam com apoio político ao mais alto nível.
O "Conselho Nacional Sírio", no exílio, e os "Grupos de Coordenação" do interior cedem primazia à militância dos "Irmãos Muçulmanos" que atemoriza outros sunitas ou representantes de minorias como os curdos que, tementes dos desígnios de Ancara, se dão de momento como essencialmente satisfeitos com concessões de Damasco que reconheceu no ano passado a cidadania síria que lhes tinha sido retirada em 1962.
A deterioração económica (perda das exportações de petróleo para a Europa, desvalorização da libra, fuga de capitais e inflação acima dos 20%) tem acentuado o impasse interno em que impera a superioridade militar alauíta de contestada legitimidade política, mas não hostilizada pelas principais minorias étnico-religiosas.
A passagem do poder para a maioria sunita (74% da população contra 10% de alauítas) implicará mudanças drásticas e incertas, mas Bashar ainda conta com apoios significativos para adiar o inevitável.
Falta de garantias
Para o governo do xiita Nuri al Maliki em Bagdade uma mudança de regime em Damasco acicataria tendências autonomistas e separatistas sunitas, sobretudo em al Anbar, província contígua à Síria, Jordânia e Arábia Saudita.
Em Teerão, bem como para os xiitas libaneses, a derrocada do poder alauíta representaria a perda dum aliado estratégico razão pela qual a maioria dos estados da Liga Árabe, assim como a Turquia, aspira ao rápido afastamento de Bashar.
A "falta de garantias", no dizer do patriarca ortodoxo, leva ao receio generalizado de uma prolongada guerra civil em que Israel, por exemplo, seguiria a estratégia de interferência por interpostos aliados, ou mesmo através de invasão para partilha territorial, tal como fez nas guerras civis do Líbano entre 1975 e 1990.
Na incerteza síria Moscovo arrisca-se a acabar como um dos maiores perdedores ainda que a falta de clareza estratégica das demais potências, incluindo a China, preocupada sobretudo em garantir os abastecimentos petrolíferos da região, seja também notória.
Putin, obrigado a cimentar a imagem de homem forte depois da desfeita da Rússia ante a intervenção ocidental na Líbia, recusa qualquer compromisso que punha em causa a derradeira esfera de influência no Levante que herdou dos tempos soviéticos.
Também Putin se confronta com "falta de garantias" quanto ao futuro da base naval de Tartus, a única presença militar russa fora do antigo espaço soviético, mas, mesmo temeroso da influência que mais um avanço do islamismo sunita possa ter no Cáucaso, nada melhor conseguiu até agora do que reiterar o apoio a um regime inviável.
Na sinuosa e arrastada luta que culminará em mais uma virada islamista muitos ainda terão de morrer na Síria.
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