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14 de Março de 2007 às 13:59

Mugabe: o indesejado

A parada é alta no Zimbabué. Robert Mugabe declara-se disposto a concorrer à chefia do Estado no próximo ano mesmo que a ZANU PF (União Nacional Africana do Zimbabué Frente Patriótica), o partido governamental, rejeite o prolongamento do mandato presidenc

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É a forma de o Presidente colocar em xeque os seus adversários no partido quando no próximo dia 28 o comité central da ZANU PF votar a proposta de prolongar o mandato presidencial de forma a fazer coincidir as eleições legislativas e presidenciais.

A jogada de Mugabe comporta os seus riscos. Em Dezembro, na conferência anual da ZANU PF, não houve acordo para votar a proposta de prolongamento do mandato presidencial de seis anos de Mugabe e foi necessário proceder a consultas às estruturas do partido. Agora, findo o processo de negociações internas, Mugabe, mesmo que vença as resistências no partido governamental, corre, ainda, o risco de deserções no bloco parlamentar da ZANU PF virem negar-lhe a maioria de dois terços necessária à revisão da constituição.

Aos 83 anos, Mugabe, no poder desde a independência em 1980, confronta-se com uma crescente contestação na ZANU PF, mas, ao assumir-se, desde já, como candidato a mais um mandato obriga os seus adversários declaradas no partido a avançarem imediatamente para uma eventual nomeação à eleição presidencial.

Se os principais rivais, o general Solomon Mujuru, marido da vice-presidente Joice Mujuru, político com significativa base de poder na Maxonalândia Leste, e Emmerson Mnangagwa, homem forte da província central de Midlands, não ultrapassarem as suas divergências ou juntarem forças para um golpe de estado, será possível a Mugabe continuar a manter a liderança do partido.

Reprimir sem quartel

A repressão sem quartel da oposição é vital para Mugabe. A campanha não violenta lançada pela frente "Save Zimbabwe Campaign", congregando desde Agosto de 2006, igrejas, organizações não-governamentais, sindicatos e partidos, com o objectivo de afastar Mugabe, formar um governo de transição para convocar eleições presidenciais e legislativas em 2006 e rever a constituição, confunde-se actualmente com acções de protesto bem mais drásticas que são invariavelmente reprimidas pela força. 

Qualquer indício de fraqueza e cedências ante o principal partido oposicionista, o MDC (Movimento para a Mudança Democrática), dividido desde Outubro de 2005 entre facções lideradas por Artur Mutambara e Morgan Tsvangirai e reduzido nas eleições desse ano a menos de 1/3 dos deputados no parlamento, poderá revelar-se fatal para Mugabe pois abrirá caminho aos seus rivais na ZANU PF para negociarem uma estratégia de transição com a oposição.  
 
O colapso económico (contracção do PIB de 40 por cento nos últimos oito anos, desemprego na ordem dos 80 por cento, inflação ao nível dos 1 700 por cento) e social (mais de 80 por cento dos 13 milhões de habitantes subsistindo em situação de pobreza absoluta, esperança de vida de 34 anos para as mulheres e 37 anos para os homens) reacende os conflitos entre a maioria Xona e a minoria Ndebele, sendo improvável a reversão da expropriação dos agricultores brancos iniciada em 2000 que reduziu a comunidade de origem europeia a menos de 40 mil pessoas.

A relutância da África do Sul e dos demais 12 Estados da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (incluindo Angola e Moçambique) em pressionarem o seu parceiro de Harare e a recusa da União Africana em envolver-se no conflito do Zimbabué, além do recente apoio da China, têm-se revelado suficientes para Mugabe resistir a boicotes internacionais.

A decisão tomada por Mugabe em Dezembro de 2003 de abandonar a Commowealth não alterou as relações de Harare com os estados vizinhos, Zâmbia, África do Sul, Botsuana e Moçambique, todos membros da comunidade.  

Até que Mugabe saia de cena  

As sanções impostas em 2002 pela União Europeia e os Estados Unidos às deslocações de Mugabe e de alguns dos principais líderes do governo e da ZANU PF, além do congelamento de activos bancários e interdição de vendas de armamento, afectam directamente parte significativa da corrupta elite do Zimbabué, mas, por si só, não põem em causa a subsistência do regime.

A II Cimeira EU África, agendada para Dezembro em Lisboa, não poderá de forma alguma contar com a presença de Mugabe, do governo de Harare ou de membros da ZANU PF sujeitos a sanções.

Se até lá não tiverem sido dados passos no Zimbabué no sentido da formação de um governo de transição comprometido na convocação de eleições sob supervisão internacional mais vale que a Cimeira volte a ser adiada, como ocorreu em 2003, do que ceder às conivências dos estados da União Africana com um dos seus membros mais indesejados.

Quando até Estados de credenciais democráticas firmadas como Cabo Verde – que pela voz do seu Presidente Pedro Pires afirma ser "por princípio" contra o isolamento de qualquer país – reclamam a presença do Zimbabué na Cimeira de Lisboa é sinal de que caímos num equívoco em que as solidariedades africanas, alegadamente forjadas na luta anticolonial, estão profundamente enviesadas.

A União Europeia não deve alimentar conivências com regimes antidemocráticos em nome de uma cooperação a qualquer preço.

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