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Opinião
06 de Outubro de 2003 às 12:46

Mais duro, mais puro

A uma governação reformista, dura e que mexe com interesses instalados deve corresponder uma equivalente transparência na acção e intransigência nos comportamentos.

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Pedro Lynce demitiu-se, Martins da Cruz ficou. A decisão, salomónica, está no limite do aceitável. É o equilíbrio possível entre as consequências políticas mínimas que um caso lamentável teria obrigatoriamente que ter e o controlo de danos de um primeiro-ministro que não quer remodelar já.

Um fica pela sua palavra de honra e porque acabou de meter mãos na longa maratona negocial final da Constituição Europeia. É verdade que seria delicado para a defesa dos interesses do país mudar de ministro dos Negócios Estrangeiros no momento em que arranca a Conferência Intergovernamental. Mas não é menos verdade que Martins da Cruz sai deste episódio com uma nódoa que pode ser disfarçada mas não vai desaparecer.

Ironicamente, o outro sai numa altura em que também o Ministério da Ciência e do Ensino Superior dispensava uma mudança de protagonistas. Se bem se entendeu a declaração de demissão de Lynce, ela foi justificada precisamente para salvar a reforma do ensino superior que está em curso e que o colocou no olho do furacão da contestação universitária.

Importa agora, para que alguma coisa faça sentido, que não se deite fora a criança com a água do banho.

A reforma lançada por Pedro Lynce, sobretudo a questão do financiamento das universidades, é um trabalho que deve sobreviver ao destino político do autor. Assim haja firmeza do seu sucessor e do primeiro-ministro para aguentar as manifestações dos estudantes que se adivinham com a cumplicidade e apoio da generalidade dos reitores.

O caso da filha do ministro dos Negócios Estrangeiros deve, por outro lado, fazer reflectir os membros do governo sobre o grau de exigência que devem colocar na sua própria conduta política e pessoal.

Não se pede que em cada governante esteja um “hommo perfectu”, bacteriologicamente puro e sem sombra de pecado. Não existindo seres humanos desses, esse caminho, demagogicamente tentador, deixar-nos-ia sem classe política.

Mas há que ter a noção que a uma governação reformista, dura e que mexe com interesses instalados deve corresponder uma equivalente transparência na acção e intransigência nos comportamentos. É natural que uma liderança condescendente, ainda que irresponsável, beneficie do “nacional porreirismo”. E que uma governação de austeridade seja avaliada com severidade.

Para as corporações atingidas não há forma mais fácil de fazer abortar reformas e mudanças de fundo do que passar a imagem que as dificuldades de uns são, afinal, as facilidades de outros, sejam eles filhos, sobrinhos, militantes do partido ou amigos.

Isso corrompe a justiça dos sacrifícios, por mais necessários que sejam.

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