Opinião
Juízo à vista?
Na Europa é instrutivo verificar que as facilidades do euro deslumbraram demais sobretudo países passados quase directamente de longas ditaduras às liberdades e responsabilidades da democracia. Até nesses, porém, há tradições que tornam muito improvável o triunfo de populismos anti-democráticos.
No fim da vida, enquanto a doença de Lou Gehrig (esclerose lateral amiotrófica) o ia isolando cada vez mais dentro da prisão do corpo, Tony Judt, judeu inglês residente nos Estados Unidos onde dirigia o Instituto Remarque da Universidade de Nova Iorque (criado com um legado da viúva do autor de "Nada de Novo na Frente Ocidental"), historiador da esquerda francesa e da Europa do post-guerra e intelectual polémico, com vontade e memória prodigiosas conseguiu ainda comunicar ao exterior vários textos luminosos sobre algumas questões cruciais do nosso tempo, que "The New York Review of Books" foi publicando, antes e depois da sua morte em Agosto de 2010.
Fragmento dado à estampa em número da revista saída em Março, vem a propósito no debate que agora se trava sobre a democracia na Europa, ou melhor, sobre os riscos que a austeridade estaria a fazer correr à democracia. Há quem verbere a imposição de governos tecnocráticos em Atenas e Roma pela ‘Europa’ (neste caso, Europa é a maneira de dizer Alemanha com anestesia) os quais procuram fazer cumprir medidas que arruinam cada vez mais a Grécia, dão também mau viver em Itália e, "mutatis mutandis", em Espanha e em Portugal. Se italianos e gregos tivessem governos eleitos, reflectindo as respectivas vontades populares, pretende-se, estes não apoiariam a austeridade (esquece-se que os governos português e espanhol foram eleitos e que o Presidente grego se desunha para chamar os eleitos do seu povo à razão, mas adiante).
Passo a citar Tony Judt. "Se se olha para a história das nações que maximizaram as virtudes que associamos à democracia, vê-se que vieram primeiro constitucionalidade, estado de direito e separação de poderes. A democracia veio quase sempre no fim. Se por democracia quisermos dizer o direito de todos os adultos a tomarem parte na escolha daqueles que os vão governar, isso veio mais tarde ainda" (e cita a Suíça e a França em seu abono).
Eleições recentes vigiadas pela chamada ‘comunidade internacional’, incapazes de levarem os países respectivos a governos viáveis ilustram o argumento de Judt – por exemplo, nem o Congo nem a Bósnia têm tradições de constitucionalidade, ou de estado de direito, ou de separação de poderes. E na Europa é instrutivo verificar que as facilidades do euro deslumbraram demais, sobretudo países passados quase directamente de longas ditaduras às liberdades e responsabilidades da democracia. Até nesses, porém, há tradições que tornam muito improvável o triunfo de populismos anti-democráticos.
O problema não está aí, mas na Alemanha de Merkel cuja visão curta e provinciana não dá para a chefia que os outros, França à frente, lhe concedem numa espécie de sonambulismo colectivo. Tal parece começar a mudar – até na Alemanha - e é um alívio. O major David dos Santos que dava matemática no Valsassina dizia-nos às vezes: "Ó Senhor, é bom ser burro, mas não tanto!" Lembrei-me dele no rescaldo de alguns Conselhos Europeus do último par de anos.
Embaixador
Fragmento dado à estampa em número da revista saída em Março, vem a propósito no debate que agora se trava sobre a democracia na Europa, ou melhor, sobre os riscos que a austeridade estaria a fazer correr à democracia. Há quem verbere a imposição de governos tecnocráticos em Atenas e Roma pela ‘Europa’ (neste caso, Europa é a maneira de dizer Alemanha com anestesia) os quais procuram fazer cumprir medidas que arruinam cada vez mais a Grécia, dão também mau viver em Itália e, "mutatis mutandis", em Espanha e em Portugal. Se italianos e gregos tivessem governos eleitos, reflectindo as respectivas vontades populares, pretende-se, estes não apoiariam a austeridade (esquece-se que os governos português e espanhol foram eleitos e que o Presidente grego se desunha para chamar os eleitos do seu povo à razão, mas adiante).
Eleições recentes vigiadas pela chamada ‘comunidade internacional’, incapazes de levarem os países respectivos a governos viáveis ilustram o argumento de Judt – por exemplo, nem o Congo nem a Bósnia têm tradições de constitucionalidade, ou de estado de direito, ou de separação de poderes. E na Europa é instrutivo verificar que as facilidades do euro deslumbraram demais, sobretudo países passados quase directamente de longas ditaduras às liberdades e responsabilidades da democracia. Até nesses, porém, há tradições que tornam muito improvável o triunfo de populismos anti-democráticos.
O problema não está aí, mas na Alemanha de Merkel cuja visão curta e provinciana não dá para a chefia que os outros, França à frente, lhe concedem numa espécie de sonambulismo colectivo. Tal parece começar a mudar – até na Alemanha - e é um alívio. O major David dos Santos que dava matemática no Valsassina dizia-nos às vezes: "Ó Senhor, é bom ser burro, mas não tanto!" Lembrei-me dele no rescaldo de alguns Conselhos Europeus do último par de anos.
Embaixador
Mais artigos do Autor
Clausewitz às avessas
27.11.2013
"Douce France"
20.11.2013
Mediocridade
14.11.2013
Defesa europeia
06.11.2013
Espionagem, maneiras e bom senso
30.10.2013
O pequeno país
23.10.2013