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06 de Dezembro de 2007 às 13:59

Irão: a crise das estimativas

A possibilidade de a administração Bush lançar um ataque militar contra o Irão está praticamente afastada depois das agências de informação dos Estados Unidos terem concluído com “alto grau de confiança” que Teerão “parou” no Outono de 2003 o seu programa

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A estimativa das 16 agências norte-americanas reviu a análise de Maio de 2005 e considera, tendo em conta dados disponíveis até ao final de Outubro, poder afirmar com um grau de “confiança razoável” que o Irão só depois de 2015 terá capacidade para produzir urânio enriquecido em quantidade e qualidade suficientes para uma arma nuclear.

A hipótese do Irão ter “importado” material físsil suficiente para produzir uma bomba nuclear é tida como improvável com um grau de “confiança razoável ou alto”, segundo a Estimativa Nacional de Inteligência.

A eventual aquisição no estrangeiro de uma bomba nuclear não é descartada, mas as agências norte-americanas afirmam com um “grau de confiança razoável ou alto” que o Irão “não possui presentemente uma arma nuclear”.

Para os analistas norte-americanos ,Teerão tem “capacidade científica, técnica e industrial para produzir futuramente armas nucleares”, caso seja tomada uma decisão política nesse sentido.

A Estimativa adianta, com “grau de confiança razoável”, que dado a maioria dos líderes iranianos considerar a posse de armas nucleares essencial para a segurança nacional e os objectivos de política estrangeira de Teerão será “difícil” obviar à concretização futura de um programa nuclear militar.

Finalmente, as agências de informação afirmam que a paragem do programa militar em 2003, devida alegadamente à “pressão internacional”, indicia que “as decisões de Teerão guiam-se por uma abordagem custo-benefício”. Não está, consequentemente, em curso “uma corrida para a obtenção de um arma independentemente dos custos políticos, económicos e militares”.

Um projecto militar racional

Neste ponto, a Estimativa norte-americana faz-se eco de um relatório divulgado em Fevereiro pelo Instituto de Estudos de Segurança Nacional da Universidade de Telavive.

Esse estudo argumentava que a motivação iraniana para desenvolver um programa nuclear teria surgido como resposta à ameaça do Iraque sob Saddam Hussein e ao perigo que os Estados Unidos representam para a soberania e ambições regionais do Irão.

Esses especialistas israelitas, contestando outras análises maioritárias entre as chefias militares e políticas de Telavive, apresentavam o programa nuclear de Teerão como integrado numa estratégia de dissuasão e, adiantavam que, apesar da retórica antijudaica de radicais como Ahmadinejad, o objectivo essencial iraniano não passava pela destruição do estado de Israel, mas, visaria apenas “uma capacidade de dissuasão de último recurso contra ameaças externas”.

Os especialistas da Universidade de Telavive assumiam, ainda, existir um risco mínimo do Irão transferir para grupos terroristas armamento nuclear, questão que não é abordada na Estimativa divulgada esta segunda-feira em Washington.

A alteração radical de posição sobre o risco militar a curto prazo de um Irão nuclear levanta questões delicadas.

Em primeiro lugar, volta a fazer-se sentir a insuficiência de informações que permitiu a Teerão desenvolver um programa clandestino de enriquecimento de urânio desde 1985 – com recurso à rede de tráfico de centrifugadores do paquistanês Abdul Khan e só publicamente denunciado sete anos depois por um grupo da oposição iraniana – além das tentativas de aquisição de plutónio na Coreia do Norte.

Uma safra de análises contraditórias

Caso esteja correcta a última análise das agências de Washington, os Estados Unidos orientaram a sua política para com o Irão a partir de estimativas erradas desde 2003, à semelhança das análises sobre a existência de armas de destruição no Iraque.

A administração Bush terá, assim, subestimado a hipótese de o Irão optar por suspender o seu programa nuclear militar meses após a invasão do Iraque por considerar, eventualmente, que o risco de retaliações era maior do que os ganhos a prazo da eliminação de Saddam Hussein e da criação de um centro de poder xiita no país vizinho.

Se essa consideração se concretizou de facto é uma incógnita, apesar do novo “alto grau de confiança” dos analistas norte-americanos, mas ao que tudo indica prevalece agora em Washington a ideia de que não foi dada a devida atenção às possibilidades de políticas alternativas para conter as ambições iranianas, tal como foi ignorada a viragem, em última análise favorável a Teerão, provocada pelo ataque ao Afeganistão em 2001.

As divergências no seio da liderança de Teerão quanto ao risco de sanções gravosas para uma economia iraniana dependente de importações de gasolina, equipamentos industriais e capitais, foram, igualmente, subestimadas.

A eleição presidencial de Ahmadinejad em 2005 poderá ter distorcido ainda mais a avaliação da relação de forças em Teerão e levado a ignorar que o objectivo principal a curto prazo para o Irão é a criação de um Iraque sob controlo xiita e, consequentemente, não-hostil aos seus interesses.

Tendo em conta que outras avaliações da Agência Internacional de Energia Atómica, de especialistas independentes e dos serviços de informação dos Estados Unidos, de Israel e da Rússia se revelaram problemáticas no passado – caso da incapacidade generalizada para prever, por exemplo, os testes militares indianos realizados em Maio de 1974 e em Maio de 1998 – é de admitir que as dificuldades de análise de dados esparsos e contraditórios impliquem uma grande margem de incerteza quanto à determinação política de um estado ao desenvolver programas nucleares.

Mesmo considerando as análises da Agência Internacional de Energia Atómica ou eventuais elementos fornecidos pela fuga para a Turquia no final de 2006 do antigo vice-ministro da Defesa de Teerão Ali Reza Asgari – que no entanto colaboraria com a espionagem turca desde meados dos anos 90 – a revisão empreendida pelos serviços de informação norte-americanos é demasiado radical e abrupta para não ter sido motivada por considerações políticas que levaram a encarar com novos olhos os dados disponíveis.

Uma bomba a prazo e uma guerra suspensa

Desde que Robert Gates substituiu no ano passado Donald Rumsfeld no Pentágono que se faziam ouvir os comentários públicos das chefias das forças armadas contra a opção de um ataque militar favorecida por políticos como o vice-presidente Dick Cheney.

A opção pelo reforço de sanções económicas e financeiras e a negociação diplomática encontrou, assim, a sua consagração na nova Estimativa.

Agora admite-se a possibilidade de uma “combinação de ameaças de escrutínio e pressão internacionais acrescidas, a par de oportunidades para o Irão alcançar os seus objectivos de segurança, prestígio e influência regional poderem, caso os líderes de Teerão as considerem credíveis” levar à manutenção da actual suspensão do programa nuclear.

A reorientação proposta pela Estimativa Nacional de Segurança exclui, portanto, salvo crise inopinada, um ataque militar. Toda a política regional norte-americana, marcada pela contenção do Irão, terá de ser reavaliada e novas dificuldades vão surgir para levar o Conselho de Segurança da ONU a adoptar sanções mais gravosas contra Teerão apesar de serem justificadas pelo programa em curso de enriquecimento de urânio à revelia da Agência Internacional de Energia Atómica.

Israel mantém oficialmente a sua estimativa de que Teerão alcançará uma capacidade militar nuclear em 2009/2010, mas perdeu qualquer cobertura política de Washington para lançar um ataque ao Irão.

O ministro da Defesa Ehud Barack admitiu, após a divulgação da Estimativa norte-americana, que em meados de 2003 Teerão poderá ter suspendido temporariamente o seu programa clandestino, mas apenas para o retomar mais tarde através de meios difíceis de avaliar pelos serviços de espionagem de Washington, mas, aparentemente, identificados por Israel.

Por mais certa que seja a afirmação de Barack de que as avaliações dos serviços de informações, designadamente norte-americanos, decorrem “num clima de grande incerteza”, certo é que a questão nuclear iraniana, a bomba a prazo, passou já para as mãos do sucessor ou da sucessora de Bush na Casa Branca.

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