Opinião
Grande Courbet
Gustave Courbet foi um pintor do século XIX, principal figura da tendência artística conhecida por Realismo, a qual se propunha representar a realidade tal qual ela é.
Gustave Courbet foi um pintor do século XIX, principal figura da tendência artística conhecida por Realismo, a qual se propunha representar a realidade tal qual ela é. No entanto, ao contrário do que se possa imaginar, o realismo de Courbet foi tudo menos conservador. E isto porque a questão era menos a de representar o real do ponto de vista perceptivo, mas sim na sua perspectiva social. Mais do que pictórico, o realismo de Courbet é político.
Um dos seus quadros mais famosos, "O Enterro em Ornans", retrata o facto verídico do enterro de um tio-avô do artista, pobre aldeão sem maior história do que a miséria vivida. A cena reúne aqueles que participaram no acto, gente humilde da aldeia. Ou seja, um assunto banal, com gente banal. À época, o quadro provocou uma enorme agitação no público e sobretudo na crítica. A tela, actualmente em exposição no Museu d'Orsay em Paris, tem mais de três metros de altura e seis de largura, ou seja, uma escala adequada a grandes temas da mitologia ou da religião e onde seria suposto só figurar gente muito importante. Outra obra, entretanto destruída, segue este mesmo princípio de dar grandeza e estatuto à vida comum dos pobres. "Os pedreiros" retrata dois trabalhadores a partir pedra. Também aqui a escala enorme concede um sentido socialmente crítico à pintura que haveria de servir de inspiração ao neo-realismo.
Courbet era um socialista libertário que se descrevia a si mesmo desta forma: "quando eu morrer digam que nunca pertenci a nenhuma escola, a nenhuma igreja, a nenhuma instituição e sobretudo a nenhum regime que não fosse o regime da liberdade".
Para além da sua obra engagé, era igualmente um anarquista provocador da moral vigente. Em 1866 pinta um nu em que o centro do quadro é ocupado pela vagina de uma mulher deitada, vendo-se somente parte das coxas e do ventre. Chamou-lhe "A origem do mundo" e, para além da componente erótica, pode ser visto como uma homenagem à mulher e ao seu papel na procriação. A imagem é crua, directa, sem elementos decorativos, realista portanto no sentido de Courbet, e por isso chocante para gente a quem o sexo ainda envergonha.
Desde então a tela teve vários proprietários. Um deles tapou-a com umas portadas em madeira no qual mandou pintar uma paisagem bucólica. Muito ao estilo de alguns "memento mori" (lembra-te da morte) do século XVII - em que era comum fazer-se um retrato que depois se abria para mostrar uma caveira -, para se ver o nu de Courbet havia que o destapar. Só que aqui a celebração era a da vida e não a da morte.
Por fim o quadro foi adquirido por Jacques Lacan que o pendurou na sala. Na morte do psicanalista o Estado francês comprou-o junto com outro espólio e acabou no Museu d'Orsay onde se encontra.
Ninguém é obrigado a conhecer a História da Arte e muito menos a polícia de Braga. Também não é novidade para ninguém que muita gente continua a chocar-se com coisa pouca e correr a denunciar atentados à moralidade pública a propósito de ninharias. Mas já espanta a alarvidade de tanto jornalista e político. A propósito de uma caricata apreensão de cinco livros que reproduziam na capa o célebre quadro de Courbet, logo houve quem falasse de PIDE e censura. Os factos não merecem mais do que uma risada, mas desde telejornais à procura de mais um caso político, até à Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) e os especialistas do costume, foram muitos os que perderam uma boa oportunidade para estarem calados e não se cobrirem de ridículo. O cúmulo da cretinice ficou contudo a cargo do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda que exigiram explicações ao ministro da Justiça e houve até alguém que disse ir mandar uma carta ao Presidente da República a dar conta da ocorrência e pedir medidas.
O nu de Courbet hoje choca poucos, ainda que infelizmente sejam igualmente poucos os que o apreciam na sua notável qualidade artística. Mas já esta tendência que assola a sociedade portuguesa para a propósito de nada se pretender tirar dividendos mediáticos ou partidários está a tornar-se verdadeiramente repugnante. O oportunismo político, sim que é pornográfico.
Um dos seus quadros mais famosos, "O Enterro em Ornans", retrata o facto verídico do enterro de um tio-avô do artista, pobre aldeão sem maior história do que a miséria vivida. A cena reúne aqueles que participaram no acto, gente humilde da aldeia. Ou seja, um assunto banal, com gente banal. À época, o quadro provocou uma enorme agitação no público e sobretudo na crítica. A tela, actualmente em exposição no Museu d'Orsay em Paris, tem mais de três metros de altura e seis de largura, ou seja, uma escala adequada a grandes temas da mitologia ou da religião e onde seria suposto só figurar gente muito importante. Outra obra, entretanto destruída, segue este mesmo princípio de dar grandeza e estatuto à vida comum dos pobres. "Os pedreiros" retrata dois trabalhadores a partir pedra. Também aqui a escala enorme concede um sentido socialmente crítico à pintura que haveria de servir de inspiração ao neo-realismo.
Para além da sua obra engagé, era igualmente um anarquista provocador da moral vigente. Em 1866 pinta um nu em que o centro do quadro é ocupado pela vagina de uma mulher deitada, vendo-se somente parte das coxas e do ventre. Chamou-lhe "A origem do mundo" e, para além da componente erótica, pode ser visto como uma homenagem à mulher e ao seu papel na procriação. A imagem é crua, directa, sem elementos decorativos, realista portanto no sentido de Courbet, e por isso chocante para gente a quem o sexo ainda envergonha.
Desde então a tela teve vários proprietários. Um deles tapou-a com umas portadas em madeira no qual mandou pintar uma paisagem bucólica. Muito ao estilo de alguns "memento mori" (lembra-te da morte) do século XVII - em que era comum fazer-se um retrato que depois se abria para mostrar uma caveira -, para se ver o nu de Courbet havia que o destapar. Só que aqui a celebração era a da vida e não a da morte.
Por fim o quadro foi adquirido por Jacques Lacan que o pendurou na sala. Na morte do psicanalista o Estado francês comprou-o junto com outro espólio e acabou no Museu d'Orsay onde se encontra.
Ninguém é obrigado a conhecer a História da Arte e muito menos a polícia de Braga. Também não é novidade para ninguém que muita gente continua a chocar-se com coisa pouca e correr a denunciar atentados à moralidade pública a propósito de ninharias. Mas já espanta a alarvidade de tanto jornalista e político. A propósito de uma caricata apreensão de cinco livros que reproduziam na capa o célebre quadro de Courbet, logo houve quem falasse de PIDE e censura. Os factos não merecem mais do que uma risada, mas desde telejornais à procura de mais um caso político, até à Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) e os especialistas do costume, foram muitos os que perderam uma boa oportunidade para estarem calados e não se cobrirem de ridículo. O cúmulo da cretinice ficou contudo a cargo do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda que exigiram explicações ao ministro da Justiça e houve até alguém que disse ir mandar uma carta ao Presidente da República a dar conta da ocorrência e pedir medidas.
O nu de Courbet hoje choca poucos, ainda que infelizmente sejam igualmente poucos os que o apreciam na sua notável qualidade artística. Mas já esta tendência que assola a sociedade portuguesa para a propósito de nada se pretender tirar dividendos mediáticos ou partidários está a tornar-se verdadeiramente repugnante. O oportunismo político, sim que é pornográfico.
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