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30 de Agosto de 2012 às 01:38

Governanta ao poder?

Talvez seja desconcertante ver uma instituição instrumental da União Europeia dar instruções sobre como deve ser gerida toda a empreitada. Mas se lá em casa ninguém se entende, não é de admirar que as chaves e o livro de cheques fiquem com a governanta.

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Talvez seja desconcertante ver uma instituição instrumental da União Europeia dar instruções sobre como deve ser gerida toda a empreitada. Mas se lá em casa ninguém se entende, não é de admirar que as chaves e o livro de cheques fiquem com a governanta.

Não é a primeira vez que o faz, mas nesta quarta-feira Mário Draghi assumiu, sem rodeios, que não sendo uma instituição política legitimada pelo voto, o BCE está comprometido com a defesa de uma opção política que os políticos de hoje ainda querem irreversível - o euro – e que essa defesa legitima o uso de expedientes heterodoxos, como a compra de dívida, que, com mais ou menos criatividade, sempre se encaixará no tal mandato original da estabilidade dos preços.

O longo texto publicado num jornal alemão tem muita parra e uma conclusão quase trivial – a de que a sobrevivência do euro não exige soluções radicais, até porque não há condições políticas para voltar à estaca zero e fazer de novo (eventualmente com menos países e mais integração política), nem para dar o salto para uns Estados Unidos da Europa. É no meio que está pragmaticamente a virtude: uma união mais profunda ter-se-á de ir fazendo no espaço e tempo possíveis numa Europa onde as mudanças de Governo se estão a converter em contagem de espingardas contra e a favor do euro.

Aqueles quase oito mil caracteres acabam por ser pretexto para enviar um inusitado recado à elite dirigente alemã, que, ao contrário do que frequentemente se assume, não é farinha do mesmo saco: há muita cabeça a pensar diferente dentro da coligação e até dentro da CDU (desde logo, Schäuble não é Merkel) e entre os homens da finança (está bem documentado que o que pensa Jens Weidmann, presidente do Bundesbank, não é o que pensa Jörg Asmussen, o alemão da comissão executiva do BCE).

O que Draghi escreve é que os alemães devem ficar sossegados quanto ao fantasma de o euro se transformar numa união de transferências. Cada país tem de "viver dentro das suas possibilidades" porque "a área do euro não é um Estado-nação onde subsídios persistentes entre as suas regiões gozem de suficiente apoio popular". Isso quer dizer muita coisa muito difícil de fazer. Desde logo "renovar o modelo social europeu" (em tempos, disse que o modelo estava "morto" e foi quase crucificado por dizer uma quase verdade).

Mas Draghi escreve também que é preciso fazer-se qualquer coisa "excepcional" porque os mercados estão a castigar Espanhas e Itálias pelo "medo irracional" de que o euro fique pelo caminho – e é que do maior interesse da Alemanha manter-se no centro da segunda maior moeda do mundo.

É aqui que entram as compras que o BCE se prepara para voltar fazer de dívida soberana, que, ao invés do que sucedeu no passado, ficarão condicionadas a um pedido formal de ajuda e respectivas condições e mecanismos de acompanhamento.

É provavelmente o recurso mais expedito e eficaz para fazer baixar a febre dos juros da dívida. Mas é terreno lodoso a vários níveis (o presidente do Bundesbank fala em "droga" que distorcerá mercados e incentivos para as reformas). Facto é que será o BCE a quantificar o prémio que considera estar a ser indevidamente cobrado pelos mercados a uma Espanha, por exemplo. Podem-se usar parâmetros quantificáveis com base nos registos passados, mas é um exercício que envolverá sempre arbitrariedade – em última análise, política. E é aqui que entra a governanta. Que decidirá se deixa o miúdo no castigo ou se lhe passa a mão pela cabeça por julgar que tirou más notas porque a turma é malcomportada.

*Redactora Principal

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