Opinião
Ganhar uma guerra e perder-se na paz
A vitória militar do governo de Colombo sobre os guerrilheiros Tigres de Libertação do Tamil Eelam (LTTE) levanta questões delicadas quanto às políticas a seguir para promover a efectiva pacificação do Sri Lanka e a compatibilização...
A vitória militar do governo de Colombo sobre os guerrilheiros Tigres de Libertação do Tamil Eelam (LTTE) levanta questões delicadas quanto às políticas a seguir para promover a efectiva pacificação do Sri Lanka e a compatibilização dos divergentes interesses das potências regionais e internacionais.
No imediato, a União Europeia, os Estados Unidos e o Canadá pressionam o presidente Mahinda Rajapaksa a tomar medidas de auxílio aos mais de 250 mil refugiados causados pela derradeira fase dos combates no Norte do país e a pôr termo a abusos do exército e das forças de segurança contra civis.
Bloquear um empréstimo de 1,9 mil milhões de dólares do FMI para obviar à escassez de divisas (as reservas de Colombo cobrem apenas seis semanas de importações) e a renegociação de direitos preferenciais de exportação por parte da União Europeia não são opções credíveis e arriscam diminuir ainda mais a capacidade de influência dos países ocidentais.
As críticas à forma brutal como as forças armadas do Sri Lanka conduziram a fase final da guerra, em paralelo à tradicional utilização de civis como escudos de protecção pelos Tigres, não tiveram efeitos práticos a partir do momento em que a Índia deu o seu apoio tácito a uma investida contra a guerrilha e a China assumiu decisivamente o apoio ao governo de Rajapaksa.
Pressões delicadas
A Índia pressiona agora Colombo a concretizar o acordo firmado em 1987 entre o presidente Junius Jaywardene e o primeiro-ministro Rajiv Gandhi para reconhecimento político dos direitos das minorias tâmil (12 % dos 20 milhões de habitantes), muçulmana (8 %) e burgher (os cerca de 40 mil mestiços católicos de origem portuguesa, holandesa e britânica) e a revisão constitucional desse ano que garantiria maior autonomia às províncias do Leste e do Norte.
Os mais de 60 milhões de tâmil do estado indiano de Tamil Nadu são particularmente susceptíveis à sorte dos seus congéneres no Sri Lanka, mas os principais partidos políticos locais não põem em causa a opção dos sucessivos governos em Nova Deli que depois de apoiarem os separatistas tâmil na década de setenta passaram a partir dos anos oitenta a tentar mediar o conflito, fomentando uma solução federal.
O assassínio de Rajiv Gandhi em 1991 por uma terrorista suicida dos Tigres, um ano depois da retirada do contingente militar indiano que acabara envolvido em combates com os separatistas, levou Nova Deli a assumir uma atitude mais distanciada do conflito e a defender que só uma negociação política, após uma decisiva vitória militar, permitirá criar condições para levar a população tâmil a negar apoio a movimentos subversivos à semelhança do que aconteceu com os sikhs no Punjab nos anos 90.
A China, o maior fornecedor militar e principal esteio diplomático e financeiro do Sri Lanka, junta-se à Líbia e ao Irão para apoiar economicamente Colombo e prepara-se para reforçar a influência na ilha que lhe permitirá alargar a sua margem de manobra estratégica no Oceano Índico.
A arrogância da vitória
A relutância da maioria cingalesa e em particular do clero budista em apoiar eventuais concessões políticas aos tâmil hindus cria, por seu turno, uma situação difícil ao presidente Rajapaksa que no final do ano se candidatará a um segundo mandato.
Vítimas do chauvinismo virulento do nacionalismo cingalês, que desde a independência em 1948 perseguiu a minoria tida por favorecida durante a colonização britânica, cerca de metade dos tâmil, maioritários no Norte e Leste do velho Ceilão, habitam outras regiões do país onde a intolerância étnico-religiosa está à flor da pele.
Os Tigres, sob a chefia de Vellupillai Prabhakaran, tinham aniquilado todos os movimentos rivais e imposto uma ditadura racista sem quartel nas áreas sob seu controlo até a ofensiva governamental iniciada em 2006 os condenar à derrota.
A partir da segunda metade de 2007 os Tigres, que chegaram a controlar um terço da ilha, viram-se acantonados em posições estáticas defensivas e começaram a perder território, mas, apesar de batidos como força militar após 26 anos de guerra que provocaram mais de 70 mil mortos e brutalizaram o Sri Lanka, mantêm uma rede invulgar de apoio e financiamento entre a diáspora tâmil.
A extorsão e contrabando são parte integrante dos esquemas de financiamento do LTTE e estimativas do "Jane's Intelligence Report" indicavam que em 2008 os Tigres conseguiam, apesar de proscritos como organização terrorista em 32 estados, angariar cerca de 200 milhões de euros por ano.
A cartada terrorista
O tesouro de guerra dos Tigres, apenas superado pelas receitas da cocaína das também exangues Forças Revolucionárias Armadas da Colômbia (FARC), é assegurado junto da emigração tâmil (cerca de um quarto da comunidade que se expatriou para o Canadá, Índia, Grã-Bretanha, Alemanha, França, Suíça e Austrália) e será mais do suficiente para sustentar uma campanha terrorista.
A tradição terrorista do LTTE, com fortíssima componente suicidária feminina e masculina, permitirá aos separatistas manter vivo o conflito e se o governo de Rajapaska alimentar, conforme fez até agora, o triunfalismo dos nacionalistas cingaleses e não souber neutralizar politicamente as consequências dos previsíveis atentados, a longa guerra do Sri Lanka continuará a deixar um rasto de mortes.
Num cenário em que só a China se pode arrogar como aliado indefectível de Colombo e em que o nacionalismo cingalês clama vitória qualquer pressão precipitada por parte de indianos, norte-americanos, canadianos ou europeus, mesmo bem-intencionadas sugestões dos esforçados mediadores noruegueses que em 2002 conseguiram negociar uma trégua, revelar-se-á contraproducente.
Impor uma vez mais uma política racista, frustrando e desesperando a minoria tâmil, seria, por sua vez, a pior atitude possível por parte dos políticos e religiosos cingaleses, mas na história do Sri Lanka já muitas vitórias se transmutaram em guerras fatais.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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No imediato, a União Europeia, os Estados Unidos e o Canadá pressionam o presidente Mahinda Rajapaksa a tomar medidas de auxílio aos mais de 250 mil refugiados causados pela derradeira fase dos combates no Norte do país e a pôr termo a abusos do exército e das forças de segurança contra civis.
As críticas à forma brutal como as forças armadas do Sri Lanka conduziram a fase final da guerra, em paralelo à tradicional utilização de civis como escudos de protecção pelos Tigres, não tiveram efeitos práticos a partir do momento em que a Índia deu o seu apoio tácito a uma investida contra a guerrilha e a China assumiu decisivamente o apoio ao governo de Rajapaksa.
Pressões delicadas
A Índia pressiona agora Colombo a concretizar o acordo firmado em 1987 entre o presidente Junius Jaywardene e o primeiro-ministro Rajiv Gandhi para reconhecimento político dos direitos das minorias tâmil (12 % dos 20 milhões de habitantes), muçulmana (8 %) e burgher (os cerca de 40 mil mestiços católicos de origem portuguesa, holandesa e britânica) e a revisão constitucional desse ano que garantiria maior autonomia às províncias do Leste e do Norte.
Os mais de 60 milhões de tâmil do estado indiano de Tamil Nadu são particularmente susceptíveis à sorte dos seus congéneres no Sri Lanka, mas os principais partidos políticos locais não põem em causa a opção dos sucessivos governos em Nova Deli que depois de apoiarem os separatistas tâmil na década de setenta passaram a partir dos anos oitenta a tentar mediar o conflito, fomentando uma solução federal.
O assassínio de Rajiv Gandhi em 1991 por uma terrorista suicida dos Tigres, um ano depois da retirada do contingente militar indiano que acabara envolvido em combates com os separatistas, levou Nova Deli a assumir uma atitude mais distanciada do conflito e a defender que só uma negociação política, após uma decisiva vitória militar, permitirá criar condições para levar a população tâmil a negar apoio a movimentos subversivos à semelhança do que aconteceu com os sikhs no Punjab nos anos 90.
A China, o maior fornecedor militar e principal esteio diplomático e financeiro do Sri Lanka, junta-se à Líbia e ao Irão para apoiar economicamente Colombo e prepara-se para reforçar a influência na ilha que lhe permitirá alargar a sua margem de manobra estratégica no Oceano Índico.
A arrogância da vitória
A relutância da maioria cingalesa e em particular do clero budista em apoiar eventuais concessões políticas aos tâmil hindus cria, por seu turno, uma situação difícil ao presidente Rajapaksa que no final do ano se candidatará a um segundo mandato.
Vítimas do chauvinismo virulento do nacionalismo cingalês, que desde a independência em 1948 perseguiu a minoria tida por favorecida durante a colonização britânica, cerca de metade dos tâmil, maioritários no Norte e Leste do velho Ceilão, habitam outras regiões do país onde a intolerância étnico-religiosa está à flor da pele.
Os Tigres, sob a chefia de Vellupillai Prabhakaran, tinham aniquilado todos os movimentos rivais e imposto uma ditadura racista sem quartel nas áreas sob seu controlo até a ofensiva governamental iniciada em 2006 os condenar à derrota.
A partir da segunda metade de 2007 os Tigres, que chegaram a controlar um terço da ilha, viram-se acantonados em posições estáticas defensivas e começaram a perder território, mas, apesar de batidos como força militar após 26 anos de guerra que provocaram mais de 70 mil mortos e brutalizaram o Sri Lanka, mantêm uma rede invulgar de apoio e financiamento entre a diáspora tâmil.
A extorsão e contrabando são parte integrante dos esquemas de financiamento do LTTE e estimativas do "Jane's Intelligence Report" indicavam que em 2008 os Tigres conseguiam, apesar de proscritos como organização terrorista em 32 estados, angariar cerca de 200 milhões de euros por ano.
A cartada terrorista
O tesouro de guerra dos Tigres, apenas superado pelas receitas da cocaína das também exangues Forças Revolucionárias Armadas da Colômbia (FARC), é assegurado junto da emigração tâmil (cerca de um quarto da comunidade que se expatriou para o Canadá, Índia, Grã-Bretanha, Alemanha, França, Suíça e Austrália) e será mais do suficiente para sustentar uma campanha terrorista.
A tradição terrorista do LTTE, com fortíssima componente suicidária feminina e masculina, permitirá aos separatistas manter vivo o conflito e se o governo de Rajapaska alimentar, conforme fez até agora, o triunfalismo dos nacionalistas cingaleses e não souber neutralizar politicamente as consequências dos previsíveis atentados, a longa guerra do Sri Lanka continuará a deixar um rasto de mortes.
Num cenário em que só a China se pode arrogar como aliado indefectível de Colombo e em que o nacionalismo cingalês clama vitória qualquer pressão precipitada por parte de indianos, norte-americanos, canadianos ou europeus, mesmo bem-intencionadas sugestões dos esforçados mediadores noruegueses que em 2002 conseguiram negociar uma trégua, revelar-se-á contraproducente.
Impor uma vez mais uma política racista, frustrando e desesperando a minoria tâmil, seria, por sua vez, a pior atitude possível por parte dos políticos e religiosos cingaleses, mas na história do Sri Lanka já muitas vitórias se transmutaram em guerras fatais.
Jornalista
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