Opinião
Elogio aos exportadores
Empresas e famílias têm uma história de morticínio para contar. A queda do consumo privado só encontra paralelo numa época em que andava o FMI dentro da nossa casa e o doutor Ernâni Lopes a congelar o pagamento do 13º mês.
Uma economia a três velocidades, ou uma economia com três realidades distintas. O sector Estado, onde a imolação está longe do fim. O sector privado, que foi submetido a um massacre mais violento que julgávamos. O sector exportador, com resultados absolutamente extraordinários e a merecer uma estrondosa ovação.
O retrato do país ontem exibido pelo Banco de Portugal dá vontade de chorar. Mas como é preciso ultrapassar a crise nacional de auto-estima, temos de nos agarrar, que nem uns desesperados, àquilo que corre bem. Aliás, muito bem, como tem sido o fantástico desempenho das nossas empresas exportadoras. Com alguma dose de exagero, pode dizer-se que elas têm sido os bravos conquistadores dos nossos tempos, que, contra ventos e marés, partiram para outros mercados em busca de ouro e glória. E que ventos! E que marés!
Falar das nossas exportações é o mesmo que falar da União Europeia. Cujas economias estão virtualmente estagnadas. Vender, num ambiente destes, mais 3% este ano que em 2002 significa ganhar de quota e uma capacidade de competir acima da média.
Esta parte da nossa economia é aquela que funciona, e funciona em ambiente adverso, não ficou à espera dos apoios do Estado e é a prova de que a concorrência faz bem à saúde. Porquê?
Porque não tem desvalorizações competitivas em que se apoiar. Porque é um sector que parte em desvantagem no processo de formação de preços: inflação mais alta, custos de energia e comunicações mais elevados, etc, etc. E porque, apesar de tudo isto, é um sector hoje melhor que há dez anos, quando se afundou na última recessão europeia com uma queda superior a 3%. Tudo isto que já escrevi pode resumir-se numa frase: estivesse o nosso sector exportador a reagir em 2003 como reagiu em 1993 e Portugal estava com uma recessão à América Latina.
Porque o “segundo sector”, o sector privado, empresas e famílias, tem uma história de morticínio para contar. A queda do consumo privado só encontra paralelo numa época em que andava o FMI dentro da nossa casa e o doutor Ernâni Lopes a congelar o pagamento do 13º mês.
E lembram-se daquela gritaria contra a ortodoxia monetária de Miguel Beleza no banco central, das culpas assacadas a uma política de juros elevadíssimos, que em nome da convergência nominal castravam o investimento? E essas críticas tinham razão de ser. O investimento nesse ano recessivo recuou 5%. Pois este ano, a queda será de 10%. Dez por cento?!! E antes que as brigadas revolucionárias que o PS mobilizou em defesa do investimento público se precipitem, é preciso dizer que esta sangria é integralmente privada. Empresas e famílias, mais as primeiras que as segundas, apertaram a sério o cinto, controlaram despesa e o recurso ao crédito.
Falta o Estado. Que tem hoje um défice ordinário (quer dizer, expurgado de medidas extraordinárias...) de 5%. Quando o ano passado era de 4,2%. E quando a herança socialista apresentava um saldo de 4,1%. E o que quer isto dizer? Que, apesar de Manuela Ferreira Leite, continua tudo por fazer.