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06 de Março de 2009 às 15:37

É preciso destruir a indiferença

Há dias, no programa Fátima, da SIC, Helena Sacadura Cabral manifestou veemente indignação com o escândalo das sumptuosas reformas atribuídas a gestores, comparando-as com aquelas que recebe a maioria dos trabalhadores portugueses.

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Há dias, no programa Fátima, da SIC, Helena Sacadura Cabral manifestou veemente indignação com o escândalo das sumptuosas reformas atribuídas a gestores, comparando-as com aquelas que recebe a maioria dos trabalhadores portugueses. Os protestos começam a adquirir volume e forma. E gostei muito de ouvir uma mulher como Helena Sacadura Cabral, cuja inteligência, espírito e cultura ela, por vezes, oculta sob a máscara risonha de falsa frivolidade. Conheço-a há muitos anos. Um conhecimento feito na distância, o que não impede a observação do seu carácter e a grandeza das suas convicções.

Pertencemos, ambos, a uma geração que forjou o destino pessoal e colectivo no singelo sonho da liberdade. Cada um a seu modo, com os processos que lhes eram mais apropriados, mais peculiares e mais consentâneos com as idiossincrasias, jogou as cartas do tempo. Uns católicos, outros ateus, comunistas e socialistas, anarquistas, alguns gozadores eméritos, outros nem isso: escritores, jornalistas, arquitectos, sociólogos, economistas, cineastas, pintores, escultores, actores juntaram-se no coro, por vezes dissonante, da rude batalha contra o fascismo.

Às vezes, dobro os olhos para antigamente e, num tropel de imagens, vejo o trajecto de muitos desses, que fizeram o que devia ser feito, sem pedir soldo, sem investir numa hipotética glória futura. Faz falta, para memória futura, o testemunho dessa gente que fez História talvez sem disso se aperceber.

Ao ouvir a indignação de Helena Sacadura Cabral, ao mesmo tempo que reconhecia o triste silêncio de uma ainda mais triste gente que por aí anda, civicamente adormecida, moralmente desprezível, que somente se preocupa em arrumar a vidinha.

Que se perdeu? É difícil encontrar resposta, quando, há tempos, uma criatura que se intitula "historiador" escrevia ser um maçador trabalho de arqueologia andar a falar-se de fascismo e antifascismo. Se um "historiador" diz isto e cauciona a afirmação com um texto pretendidamente irónico, não de deixa, às gerações mais novas, um legado de dignidade e de honra.

A voz de Helena Sacadura Cabral é importante e fornece a densidade de uma mulher muito bem formada. Realmente, os vencimentos pornográficos de muitas centenas de "gestores" bradam aos céus. Há tempos, ao tomar conhecimento de que um cavalheiro exercera funções directivas na Caixa Geral de Depósitos durante seis meses, ao fim dos quais fora "aposentado" com 3.500 contos (moeda antiga) por mês, Bagão Félix proclamou: "isso é obsceno!" Toda a gente sabia desta vergonha. Pelos vistos, Bagão Félix não. De qualquer das formas o assunto ficou por ali. O regabofe continuou com sorridente impunidade.

E não tenho notícia de qualquer registo regulador, de qualquer redução nos opíparos ordenados, mesmo depois de o dr. Cavaco ter tocado no assunto. Um jornalismo travesso, preguiçoso e ignaro tem-se transformado, na última década, numa espécie de cego "retaliador": ajustes de contas, armadilhas, pequenas vinganças e sujas insinuações tornaram-se dados de facto. Um inquietante marqueteiro, com banca montada, que passou, fugaz e desonradamente, por alguns jornais, é useiro e vezeiro na infâmia, na ignomínia e na perversidade. Já esteve a contas com a Polícia e engavetado. Porém, possui estranhas protecções e tem conseguido escapar a castigos mais fortes e efectivos. É um sujeitinho capaz de tudo. Não por muito tempo, ao que julgo saber. Ele é o que é realmente: marqueteiro.

A "crise" financeira que afectou a todos, com responsabilidade, somente, para alguns, põe em risco a estabilidade não só económica, mas emocional das nações atingidas. E as decisões até agora tomadas são demasiado escassas se não verificarmos que este novo capítulo das doenças do capitalismo não pode ser resolvido com paliativos. Quando os Estados se vêem acossados, recorrem ao que condenam: nacionalizações, sobretudo da banca. Sublinhando recentes declarações do cardeal Saraiva Martins: o capitalismo está enfermo e há que procurar alternativas ao sistema, para que o sistema nos não devore.

Ninguém sabe que remédio eficaz se pode aplicar. E esta é a parte mais inquietante, por absurda, da história. De todas as vezes que os sábios economistas debitam para o mundo teses e doutrinas salvíficas, logo outro banco abre falência, logo dezenas de multinacionais fecham as portas. E logo milhões de trabalhadores são cruelmente atirados para a rua.

É preciso protestar, contestar, não deixar cair os braços, não admitir a indiferença como banalidade. Há um belo poema de Brecht que condena o egoísmo de nos julgarmos fora do baralho. A tragédia vai tocar no batente de todas as portas.
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