Opinião
Desafios para 2006
As grandes empresas internacionais tendem a deslocalizar a sua produção, com consequências para a actividade laboral dos países mais industrializados.
Os inícios de Ano Novo são, geralmente, uma altura em que fazemos um balanço acerca do ano que finda e avaliamos os desafios que nos esperam para o ano ou anos que se seguem.
Assim, e na área socio-económica, o balanço de 2005 fica marcado por boas e por más notícias, a maioria surpreendente dentro do seu género. Mas não surpreendeu um acontecimento decisivo que marcou o início do ano: em Janeiro de 2005, a agendada abolição das barreiras ao comércio têxtil decidida pela Comissão Europeia, tornou-se uma realidade. Desde 2001 – altura em que entrou para a Organização Mundial do Comércio – que a China apresenta um crescimento exponencial da produção, sobretudo ao nível dos sectores primário (na área agrícola exporta todo o tipo de alimentos, desde a carne e o peixe passando aos frutos e legumes) e secundário (industrial). Com esta decisão, a União Europeia passou a ser um destino de grande absorção da exportação chinesa.
Paralelamente – e sempre de forma imparável – outro dos gigantes da produção mundial aposta na expansão de sectores de actividade assentes em investigação e desenvolvimento (I&D). A Índia, que detém um potencial gigantesco no que respeita ao mercado de consumo, consegue, por exemplo, atrair investimentos feitos por importantes empresas. O poder de atracção indiano reside precisamente na capacidade de inovar dos quadros técnicos indianos (muitos ex-alunos de universidades norte-americanas onde, em geral, o sistema de reconhecimento académico promove a inovação) e na sua capacidade de resposta em termos de I&D.
Depois, os movimentos de deslocalização mundial – iniciados no final da última década do século XX – prosseguem. Cada vez mais as economias nacionais dependem, por uma razão ou por outra, da economia global. E aproveitando os avanços tecnológicos, as oportunidades locais oferecidas e a proximidade aos enormes mercados de consumo, as grandes empresas internacionais tendem a deslocalizar a sua produção, com consequências para a actividade laboral dos países mais industrializados.
Ora, neste contexto as principais economias europeias ressentem-se. A Alemanha, a França e a Itália enfrentam, ao longo de 2005, o aumento progressivo do desemprego, a perda do poder de compra e a contestação social. Em particular, na terceira economia mundial, a Alemanha, vive-se um período económico difícil, sobretudo no sector industrial. São encerradas unidades produtivas em função de factores de atracção de outros países (do Leste europeu e asiáticos) e noutras unidades os sindicatos são forçados, perante a perda iminente de milhares de postos de trabalho, a renegociar condições de trabalho. A pressão social sobre o executivo de Schroeder é forte e o desemprego atinge os 11%. Em França a situação social é igualmente grave. O governo de Raffarin confronta-se com um taxa de desemprego que ronda os 10% e muito embora certos sectores da economia, em particular os têxteis, procurem resistir à concorrência mundial, algumas empresas encerram localmente.
Em Maio, dá-se o «não» francês ao projecto de Constituição Europeia. Este acontecimento tem consequências internas e externas. Raffarin demite-se e, fora do país, procuram-se explicações. Embora alguns analistas apontem imediatamente como razões para o «não» as questões da imigração e/ou da segurança, outros consideram que decisivos foram o aumento do desemprego, a quebra do poder de compra e um mal-estar social generalizado. Segue-se o «não» holandês. No entanto, em Julho há treze países que ratificam o Tratado Constitucional e dois fazem-no por via referendária: a Espanha e o Luxemburgo. Para muitos este «sim» obtido em referendo reflecte a boa performance económica e a ausência de uma crise social interna nestes dois países que, diga-se, continuam a atrair investimento estrangeiro.
Também em Julho – e aquando da presidência inglesa – Tony Blair, dotado de um sentido político agil, convoca para o final de Outubro uma cimeira europeia especialmente dedicada ao Modelo Social Europeu. Trata-se de um sinal importante e a iniciativa inscreve-se na reacção ao «não» dado pelos franceses e holandeses ao Tratado Constitucional. Em Hampton Court anuncia-se a possibilidade de se criar um Fundo Europeu de Adaptação à Globalização cujo fim será o de ajudar os trabalhadores desempregados, vítimas de choques económico-sociais resultantes da globalização.
Mas nem tudo são notícias preocupantes. No terceiro trimestre do ano, a zona euro regista o crescimento mais forte desde 2004: 0,6%. A confiança dos investidores e dos consumidores na zona euro anima-se e as exportações recuperam. Mas esta melhoria pode revelar-se frágil, nomeadamente na Alemanha e em Itália, onde a recuperação do consumo se mostra lenta e o desemprego teima em persistir (de realçar que, na Alemanha, em Novembro de 2005, e pressionada por um declínio do consumo, a produção industrial caí e, em Dezembro, a taxa de desemprego mantinha-se superior a 11%).
Acresce que o ano de 2006 inicia com a notícia – divulgada, a nível mundial, com grande destaque pelos media – de que revisto em alta o crescimento do PIB da China, este país ocupa, desde 2004, o sexto lugar no ranking das economias mundiais (destronando a economia italiana). Além disso, prepara-se para, em 2005, ultrapassar a actual quarta e quinta economias mundiais, a saber, respectivamente o Reino-Unido e a França. Ficará, então (e por ora), apenas atrás dos EUA, do Japão e da Alemanha. Foi igualmente noticiado que na China, nos primeiros dez meses de 2005, as vendas totais no retalho de bens de consumo – com um crescimento anual de 13% – alcançaram um máximo histórico de 522 mil milhões de euros. Este aumento do consumo ajuda a criar emprego: durante este período, os sectores do comércio por grosso, a retalho e, da restauração foram responsáveis pela criação de 2,72 milhões de novos postos de trabalho no gigante asiático.
E concluo com a seguinte ideia: no que respeita à área laboral vivemos um momento particularmente desafiante para o país, exigindo que a sociedade em geral e, as empresas e os trabalhadores em particular, se congreguem colectivamente na procura de respostas para a competitividade, desejavelmente em ambiente de paz laboral. Não tenho dúvidas de que, desde a formação da Europa comunitária, estamos a atravessar a crise socio-económica europeia mais grave da história recente. Mas esta, para ser superada, tem de ser analisada e explicada não só do ponto de vista económico mas também, acima de tudo, ao nível social e político. É este, pois, um conjunto de desafios para 2006 e os anos que se seguem.