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15 de Abril de 2008 às 13:59

Desafios

Estamos agora a entrar numa fase importante para a análise das políticas económicas nacional e internacional, a das chamadas “previsões da Primavera”. Como habitualmente, foi iniciada pela publicação do World Economic Outlook (WEO) do Fundo Monetário Inte

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Os governos estão confrontados com um desafio maior: assumir a defesa do mercado livre, devidamente escorado. Não é só a crise do crédito. O temor da globalização, o descontentamento com a subida dos preços do petróleo e dos alimentos, a crescente desigualdade de rendimentos dentro de cada país – todos contribuíram para um período de incerteza com respeito ao sistema capitalista. Os capitalistas decerto não ajudaram.

Editorial do “Financial Times”, 11 Abril 2008

Estamos agora a entrar numa fase importante para a análise das políticas económicas nacional e internacional, a das chamadas “previsões da Primavera”. Como habitualmente, foi iniciada pela publicação do World Economic Outlook (WEO) do Fundo Monetário Internacional que, como se esperava, não pinta uma imagem cor-de-rosa da conjuntura mundial, prevendo uma forte desaceleração do seu crescimento, de 4,9% em 2007 para 3,7% em 2008 e admitindo o risco de este ser ainda um valor optimista. A desaceleração concentra-se, além disso, nos países desenvolvidos, cuja expansão cai de 2,7% para 1,3%, uma quebra que a Zona Euro acompanha quase integralmente, baixando de 2,6% para 1,4%.

Muito mais importante do que os números, especialmente falíveis numa fase de instabilidade como a que atravessamos, é a análise dos factores que os determinam. Os seus aspectos fundamentais estão exemplarmente sintetizados na citação do Financial Times que antecede este texto. O FMI, obrigado à postura diplomática de um organismo internacional, usa uma linguagem menos incisiva e dispensa-se de sublinhar que, nos últimos dois ou três anos, as análises do WEO foram chamando a atenção para temas cuja acuidade agora plenamente se manifesta, mas que não encontraram eco nos responsáveis pelas maiores economias mundiais quando talvez ainda fosse tempo de alterarem a sua trajectória.

Vale, de facto, a pena recordar as matérias em destaque nos últimos WEO: em Abril 2006, Globalização e Inflação; em Setembro 2006, Os Sistemas Financeiros e os Ciclos Económicos; em Abril 2007, Efeitos de Contágio e Ciclos na Economia Global; em Setembro 2007, Globalização e Desigualdade. Esses temas eram desenvolvidos na óptica de evoluções que estavam a ocorrer e que poderiam ter fortes implicações nas perspectivas futuras da economia mundial. O futuro é agora e mostra que essas áreas se revelaram factores cruciais na evolução da conjuntura e na dificuldade em encontrar as políticas eficazes para a corrigir.

Quanto à crise do crédito, o mínimo que pode dizer-se é que reina ainda a cacofonia. Com respeito à queda brutal do dólar (mais de 15% contra o euro desde o início da crise financeira e cerca de 8% desde o início de 2008), o comentário do secretário Paulson, à saída do G7, limita-se a reiterar o compromisso [dos Estados Unidos] com um dólar forte. Quanto aos problemas de regulação do sector financeiro, sucedem-se as pressões com vista à opção por sistemas de auto-regulação que, nas palavras de Willem Buiter, está para a regulação, como a auto-importância está para a importância: trata-se simplesmente de coisas diferentes. Contudo, o WEO sublinha que existem sinais claros de um aperto generalizado do crédito, que afecta um largo espectro de formas de financiamento, bancário e não bancário. Além disso, a crescente incerteza quanto ao crescimento e ao valor dos activos [...] e – o que é mais importante – uma queda abrupta na capacidade de financiamento por parte de segmentos sistemicamente importantes do sistema bancário podem ter consequências potencialmente graves para o crescimento económico.

Ao mesmo tempo – e em boa parte ligado à crise financeira – assistimos a um aumento fortíssimo dos preços das matérias-primas alimentares (em dólares, 41,5% entre os últimos trimestres de 2005 e de 2007 e 16,7% entre Janeiro e Março de 2008, ou seja, uma taxa anualizada superior a 80%), que veio juntar-se ao da energia. Face à queda do dólar e conhecidos os problemas de crescimento da procura e de estrangulamentos da oferta, esses bens transformaram-se em “activos financeiros alternativos” acompanhando o ouro, mas com consequências de natureza muito diferente para as populações mais vulneráveis.

Este ponto leva-nos à terceira questão suscitada no editorial do “Financial Times”: a crescente desigualdade de rendimentos, especialmente aguda nos países anglo-saxónicos, mas parcialmente exportada via ideologias fiscais. Também aqui o modo como o sistema financeiro evoluiu na última década teve um papel de relevo. A subida do valor dos activos (em particular das casas), as baixas taxas de juro e a crescente acessibilidade do crédito conjugaram-se para desligar o padrão de consumo do nível de rendimento, assim reduzindo a resistência política à estagnação dos rendimentos da classe média. É claro que a inversão da situação se arrisca a pôr em causa o sistema capitalista. É também evidente, como o jornal sublinha, que os capitalistas não ajudaram.

Todos estes comentários se referem às perspectivas económicas para os países desenvolvidos. No debate interno continuamos a assistir a um inacreditável crescendo de demagogias, nalguns casos ideológicas, mas em geral apenas oportunistas. É mais do que tempo de imprimirmos alguma seriedade à política, sob pena de agravarmos as consequências internas dos problemas internacionais e deitarmos a perder as vantagens que, apesar de tudo, tirámos dos sacrifícios dos últimos anos e que se reflectem na maior credibilidade financeira do País, num momento em que ela se tornou no mais valioso dos activos.

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