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Desafio aos Gestores

A crise no BCP tem suscitado enorme interesse na imprensa e no país. Esta crise parece ter abalado seriamente a confiança nos líderes empresariais, se não mesmo a auto-estima dos portugueses. As notícias têm-se sucedido a uma enorme velocidade, surpreende

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De um ano para o outro os símbolos do sucesso tornaram-se símbolos de práticas condenáveis. Ainda é cedo para apreciar os danos que esta longa novela terá na história empresarial portuguesa, mas seria injusto julgar a importância do BCP (e dos seus rostos mais emblemáticos) na economia do Portugal democrático à luz das notícias dos jornais em 2007. Existe hoje um conjunto de activos, recursos e competências no BCP que são valiosos para quem os detém e que criam riqueza para o país. Esse património foi construído ao longo de muitos anos à custa, na maioria das situações, de visão empresarial, coragem, capacidade analítica, boa estratégia empresarial e capacidade de execução.

Muitos poderão querer aproveitar todos estes episódios para extrapolar conclusões precipitadas. Que todos os gestores são gananciosos e mal formados, que o sistema capitalista está em crise, que os bancos só fazem operações obscuras. Todas estas apreciações estão, na minha opinião, erradas e empurram numa mesma direcção: a necessidade de aumentar fortemente a vigilância, a fiscalização e controlo sobre a gestão das empresas por parte de entidades públicas.

Esta é porém a tradição portuguesa. A de criar inúmeros órgãos de controlo, vigilância e supervisão, que se actuassem na letra das competências que lhe são atribuídas por lei paralisariam por completo a gestão de topo das empresas e muita da iniciativa privada. Acresce que Portugal participa em espaços económicos mais vastos e dificilmente terá capacidade hegemónica ou negocial para impôr regras de actuação diferentes das praticadas pelos seus vizinhos e parceiros.

Há de factos deficiências sérias na gestão das empresas em Portugal (como em muitos outros países do mundo). Essas deficiências são, na minha opinião, muito influenciadas pela nossa história. Nunca valorizámos o mérito da iniciativa privada, mas enchemos de glória aqueles que actuam em nome do Estado. A actividade económica é vista por muitos como decorrente da acção do Estado, que licencia as actividades permitidas, decide quem pode fazer o quê, e orienta as acções dos portugueses com mais vontade de trabalhar.

A criação de uma boa classe empresarial exigirá por isso alguma paciência e tempo (embora não complacência perante as violações da lei). As deficiências de formação dos gestores em Portugal não são resolúveis por nenhum ministério ou programa rápido. Exigem um tempo longo em que a iniciativa e a autonomia são premiadas ou punidas em função dos resultados e não em função da proximidade ao poder.

A qualidade da governação das empresas em Portugal tem debilidades importantes em todo o tipo de empresas: nas empresas de base familiar, nas empresas que são controladas por um núcleo duro, nas empresas com o poder disperso em bolsa e nas empresas detidas pelo Estado. Em todas elas vemos práticas que, mesmo quando são legais, não respeitam de forma adequada todos os interesses envolvidos...
 
Aqueles que, como eu, acreditam que boas empresas, com lideranças fortes ancoradas no mérito e cujo protagonismo é permanentemente contestado no mercado, são essenciais ao desenvolvimento do país, deviam procurar tirar lições para o futuro dos episódios observados no último ano no BCP.

Em primeiro lugar, os acontecimentos só se tornaram do domínio público porque a empresa estava cotada em bolsa e tinha o capital disperso. Seria por isso positivo que mais activos importantes fossem propriedade de sociedades anónimas abertas.

Em segundo lugar, seria errado imputar as culpas do que aconteceu ao Estado ou às próprias regras em vigor. Os factos graves que tiverem sido cometidos são responsabilidade dos seus autores e não devem ser perdoados socializando essas culpas para o “sistema”.

Em terceiro lugar, quaisquer que sejam as regras em vigor, os gestores ou accionistas, que são pessoas hábeis e inteligentes conseguirão pisar os limites da lei e em muitos casos ponderarão que pode compensar ultrapassá-los. Aqui os valores da sociedade são fundamentais. Será importante que a opinião publicada, em geral, deixe de idolatrar o poder dos gestores de sucesso e passe a reportar de forma mais serena a actividade económica e empresarial das empresas relevantes. Não deve ser a opinião publicada que decide quem tem mérito empresarial. As empresas de sucesso trazem resultados económicos para os seus gestores, colaboradores e accionistas. Não através de truques ou habilidades contabilistas, não através de jogadas de bastidores com o poder político, não através de operações de charme para a imprensa, mas através da criação, produção e entrega de produtos e serviços de forma mais eficiente que a concorrência.

É por isso muito mais seguro considerar bem sucedidos os gestores das pequenas e médias empresas que operam nos mercados externos sem apoios públicos do que gestores de grandes empresas que podem beneficiar dos favores do poder para satisfazer, com lucro próprio, o mercado doméstico.

A crise do BCP é idêntica a outras observadas noutros países e pode vir até a ser útil, pela aprendizagem que induzirá. Creio que marcará as gerações actuais e futuras de gestores. A maioria não quererá ver a sua reputação manchada e isso será um forte estímulo a uma melhor conduta. Acresce que a sociedade e os reguladores se tornaram muito mais atentos ao tipo de factos revelados, pelo que a probabilidade de detecção e punição será maior no futuro. Parece-me, por isso, que talvez não haja necessidade de nova legislação, regulação ou fiscalização adicional para melhorar a qualidade da gestão em Portugal.

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