Opinião
David e Golias nas Telecoms
Teóricos de economia falam de ganhos de escala. Quando consultor nos EUA, aprendi que, para cada nicho e em cada fase tecnológica e cultura empresarial, há um tamanho ideal. As fórmulas de o calcular são complexas.
O mito "quanto maior melhor" vem dos primórdios da revolução industrial, onde a extracção de minérios e produção de matérias-primas exigia escasso capital para caras máquinas. Pois a produção final era feita por artesãos, específica a cada cliente.
Hoje, 200 anos depois, querem iludir governos e povo com este mito.
Uma montadora entre 80 e 130 mil carros/ano já é rentável. Com "outsourcing" para novos modelos e ao usar aplicativos junto com seus fornecedores, os obtem ao mesmo custo de há 15 anos. O preço, ao contrário do que dizem, pouco se relata com o custo na fábrica. Quanto mais concorrência, mais publicidade cara na TV, menor preço de venda e maior o de sobressalentes.
Detergente, sabonete, shampu, colas, etc vivem de publicidade emotiva, que responde por 70% do preço. Neles vale-tudo para ganhar e manter clientes, p.ex. usar químicos nocivos para criar dependência ou obter um branco, não um limpo. Aí quanto maior pior, pois o lucro está no volume criado pela publicidade, não pela boa produção e distribuição ou qualidade. Aí dominam gigas para seu lóbi impedir que autoridades controlem produtos, abusos no mercado e publicidade enganosa.
Em produtos com gosto pessoal, p.ex.calçados e roupa, anuncio na TV ajuda mas não domina. São os sectores de racionais pequenas empresas.
Em utilidades públicas como água, energia, telefonia, com produto quase padronizado mas de entrega ao domicílio sem intermediários, o importante é que a medição e facturação sejam correctas. Há um século só haviam empresas locais, para garantir a boa distribuição. Na Inglaterra dos -70 haviam abusos e Tatcher achou que a causa era serem estatais. Mas era o monopólio; sem livre concorrência não há escolha. O lóbi a convenceu que bastava privatizar para melhorar. Nos primeiros anos até melhorou... Para entrar na UE Tatcher obrigou-a a mudar suas leis e todos os países privatizaram as utilidades.
Cartéis em utilidades como água, energia e telecom são piores que monopólios. Uma das razões pelas quais o PS da Suécia perdeu as eleições após 75 anos no governo é a insatisfação de utentes. Já se fala em voltar a estatizar a produção e distribuição de electricidade. Os maiores índices de protestos são com as telecoms. Aqui essas abusam ainda mais.
Cartéis pagam menos a fornecedores, cobram mais de clientes. P.ex, enquanto na Suécia o custo da construção é 80% do valor de venda de m² de habitação, no Brasil é 50-70% e aqui 40%. Lá, sem especulação e intransparências, o lote custa uns 9%; no Brasil, com parcial especulação 18%, aqui 25%. E o resto?
Em telefonia o custo de capital varia com a quantidade de utentes por km² se móvel, por km linear de tronco, se fixa. Com alta densidade, p.ex. em Lisboa, Porto, Setubal, já há lucratividade com 200 mil utentes. Há tecnologias próprias aí, como WLL para voz, híbrido, móvel entre edifícios, fixo neles, que nunca aqui foram aplicadas, pois as telecoms em cartel não querem baratear a produção.
O custo operacional tem a ver com a extensão do território e a mobilidade de técnicos. Quanto maior, menos eficaz. P. ex., em Chicago, Washington e Nova Iorque, onde vivi, eles usam bicicleta. Já em S. Francisco, moto. O lucro no custo operacional nas telecoms está entre 100 e 500 mil utentes, dependendo da geografia e mobilidade do território.
Ao privatizar a telefonia, há dez anos, o Brasil tinha duas opções:
uma, baseada em pulverizações nos EUA e Oriente, era criar 60 áreas, cada uma com 100-180 mil utentes e potencial para triplicar. Outra, liderada pelo lóbi, para 5 regiões, com potencial para logo haver merger. O lóbi ganhou, deu no que deu: tecnologia ultrapassada até este ano, clonagem de cartões para debitar a outros utentes, irrecebíveis de utentes pobres, práticas ilegais. Isto também ocorreu em França, mas a ANACOM lá os defendeu e obrigou as móveis a devolver 534 milhões.
Aqui, se houvesse legislação pró utente, teríamos 8 territórios, 3-4 operadoras em cada um, uma ANACOM dirigida por um Conselho de Utentes, com algum apoio técnico, pois as frequências já foram calculadas e atribuídas.
As chamadas cobradas mas não realizadas seriam controladas e alvarás não seriam renovados após repetidas reclamações. O lucro seria maior por capital aplicado, pois a publicidade na TV seria ínfima; o importante seria eficácia e atender bem.
Até o Wall Street Journal gritou: Como pode o país com a telefonia mais cara da Europa permitir um Golias viagrado crescer mais? Acabou qualidade e racionalidade! Dilema: iremos para o Skype ou tambor?