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Danos morais. A necessidade de um “take two”

Se recuarmos até à Mesopotâmia, recuperaremos uma civilização que já considerava a reparação do dano moral como algo inevitável.

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Se recuarmos até à Mesopotâmia, recuperaremos uma civilização que já considerava a reparação do dano moral como algo inevitável. Naquele intervalo histórico, a ideia da retribuição na mesma proporção estava muito enraizada. Vingava o princípio "olho por olho, dente por dente" - escrito na lei de Talião - um princípio socialmente compreendido, aceite e, até, considerado necessário.

Contudo, a evolução social permitiu que esse dano moral fosse encarado de diversas outras formas. Na Roma Antiga, alguns crimes eram compensados com penas patrimoniais. Depois veio a Idade Média, chegou a Inquisição, surgiu o absolutismo, vieram as lutas liberais e o holocausto. No último século assistimos aos loucos anos 60, à magia dos anos 80 e entrámos num novo milénio cheio de sonhos para a humanidade.

Enfim, sentimos que cada um poderia relaxar à sombra de robôs que trabalhariam por nós. Mas será que evoluímos no respeito pela dignidade humana? Será que somos mais justos do que aqueles que consideramos selvagens por exigirem um olho por um olho e um dente por um dente?

Provavelmente não.

Será que estamos a olhar para dentro da nossa própria casa? Não estaremos a viver uma verdadeira época cinzenta no que diz respeito à compensação pela violação da dignidade da pessoa humana? Por vezes assistimos a posições que, continuamente, apregoam que lá fora "é que é" e que os tribunais lá fora pagam indemnizações mais assertivas.

E calamo-nos! Contentamo-nos com este miserável destino de olhar para os outros com admiração enquanto nos diminuímos pela apatia.

Mas será que a culpa é nossa? Talvez. Por não querermos ler a lei e não pedirmos como os outros pedem. A lei portuguesa sempre permitiu a compensação por danos morais e a sua majoração por danos punitivos - uma forma de determinação do quantum indemnizatório muito mais satisfatória para as vítimas -, mas continuamos a esquecer que é assim.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana sustenta todo o Estado de direito. Um Estado de direito do qual emergem os demais direitos fundamentais apontados a um conjunto de destinatários que somos todos nós - exatamente os mesmos destinatários que os deixam cair em desuso. Porque a insuficiente proteção destes direitos representa uma tutela exígua deste princípio e, em "ultima ratio", um retrocesso social que, se bem visto, acaba por ser provocado por quem não exige.

Por isso, a quantificação do dano moral deverá atender às finalidades subjacentes a esta compensação, à imagem do que é praticado nos tribunais americanos e franceses, aproximando-se daquela espécie de justiça que só vemos nas telas. A reparação deve ser materializada de forma dual e fragmentada. Ao dano moral deve acrescer o dano punitivo. Um duplo esforço destinado a punir o ofensor e dissuadir a prática, futura, de ilícitos semelhantes por parte da comunidade envolvente.

Em 14 de maio de 1998, o Supremo Tribunal de Justiça cedeu. Adotou uma atitude criativa que tutelava, de forma plena, a posição de uma das vítimas, suscitando a necessidade de uma indemnização punitiva. Tal acabou por não ver a luz do dia porque a vítima não o tinha pedido.

Menezes Cordeiro caracteriza este estado de coisas como a "página negra da jurisprudência". Claro que a jurisprudência tem de marcar a sua posição dando um sinal de acompanhamento social. Mas os cidadãos, destinatários da tutela, têm de pedir aquilo que consideram justo sob pena de os seus direitos caírem em desuso. E quando os direitos caem em desuso, há sempre alguém à espreita para os devorar.
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