Opinião
Crises de comunicação HOT e COLD: os desafios para as empresas em tempo real
Cada um de nós é, por isso, um meio de comunicação com poder para gerar ou ampliar uma crise de reputação de uma marca, a partir de um dispositivo móvel.
A transformação digital que torna o mundo hiperconectado traz oportunidades de comunicação aparentemente infindáveis e que abrem alas à criatividade. No entanto, nem sempre nos lembramos do outro lado da moeda: a hipervulnerabilidade. Hoje, como explica a ciberantropóloga Amber Case, todos somos cidadãos ciborgues, pelo simples facto de termos uma extensão – o smartphone, do qual não nos conseguimos separar. Cada um de nós é, por isso, um meio de comunicação com poder para gerar ou ampliar uma crise de reputação de uma marca, a partir de um dispositivo móvel.
Este contexto veio alterar a gestão de crises: porque estão mais rápidas, na sua origem e desenvolvimento; porque as empresas estão mais vulneráveis e é-lhes exigida uma abordagem em tempo real, através de novas ferramentas, canais e linguagens. Proteger a reputação de uma marca implica cada vez mais investir na antecipação de riscos e na monitorização da forma como estes evoluem. Podemos diferenciar, neste novo contexto, dois grandes tipos de crises de comunicação: as crises HOT e as crises COLD.
As Crises HOT – acrónimo de High Velocity, Over Information e Tricky Context - são crises típicas do cenário digital em que vivemos. Desenvolvem-se muito rápido, têm excesso de informação, vinda de diferentes contextos, e forte repercussão nas redes sociais e nos media.
Vejamos, como exemplo de Crise HOT, o episódio em que a marca de vestuário H&M enfrentou um diálogo negativo viral nas redes sociais sobre se um anúncio online onde um rapaz negro vestia uma camisola com a frase «o macaco mais giro da selva» seria racista.
Para quem não se lembra, tudo começou com um tweet da influencer Stephanie Yeboah, em janeiro de 2018. O produto já estava à venda nas lojas físicas e online há um mês, sem ter gerado qualquer problema, até ao momento em que a influencer, que à época tinha cerca de 15 000 seguidores, manifestou a sua indignação. Em poucas horas o tweet torna-se viral, transforma-se em trending topic e chega aos media. A crise torna-se global e multicanal, envolvendo grupos pró-direitos humanos e diversidade, figuras públicas e co-designers, que rescindiram os contratos com a marca. Houve lojas da marca na África do Sul vandalizadas e temporariamente encerradas.
Na primeira reação, a H&M substituiu a imagem da criança por uma da camisola sem modelo, mantendo o produto à venda no site enquanto, em declarações às agências de notícias, pedia desculpa a quem pudesse ter ofendido. A medida foi insuficiente para diminuir o ritmo e a negatividade das reações, e, por isso, a marca cancelou a venda do produto e no dia seguinte partilhou um comunicado no site e nas redes sociais. Duas semanas depois, a empresa anunciou a criação de um novo cargo com responsabilidade global dentro da empresa, o de Diretor da Diversidade.
Esta crise, do tipo HOT, que nasce e se desenvolve nas redes sociais para depois passar aos meios de comunicação digitais e tradicionais, apanhou a marca de surpresa. Tanto a mensagem como as medidas anunciadas tiveram de se alinhar com os valores exigidos pelos cidadãos, num contexto sem fronteiras, onde as pessoas com capacidade de influência estão hiperconectadas.
A transversalidade e efeito global também se aplicam às Crises COLD – Calm Development, Old Issue, Low Digital Initial Spread e Damage. Estas desenvolvem-se tipicamente de forma lenta, porque estão latentes dentro da organização ou resultam do regresso de um incidente não resolvido. No início, a sua propagação no digital é baixa, mas o risco do aumento progressivo existe. Podem ter picos de impacto e, a longo prazo, um efeito mais nocivo na reputação da marca.
Um caso recente deste tipo de crise é o da Boeing, a maior fabricante de aviões dos Estados Unidos. Em seis meses, a empresa sofreu dois acidentes com o mesmo modelo, o Boeing 737 MAX, provocando a morte de 157 e 189 pessoas, respetivamente. Face à inação da empresa, que resistiu a suspender os voos deste modelo, foram vários os países - Reino Unido, Austrália, Estados Membros da União Europeia e Canadá - que tomaram a iniciativa de decretar o encerramento dos respetivos espaços aéreos ao 737 até as causas dos acidentes serem apuradas.
Esta crise, com um impacto intenso e de longo prazo na reputação da marca, foi agravada pela má gestão da comunicação em todas as áreas – do relacionamento com os stakeholders às redes sociais – quando exigia uma resposta em tempo real, bem como a adequação da imagem dos seus ativos digitais à gravidade da situação. O CEO da Boeing só prestou declarações nove dias após o acidente, transmitindo algumas mensagens contraditórias. Além das consequências do descrédito do líder da empresa e da desvalorização em bolsa, estimada em 24 mil milhões de euros, a crise de reputação da Boeing resultou em novas medidas de controlo para todo o setor aeronáutico, tal como aconteceu com o Dieselgate.
Quando analisamos este contexto de disrupção, as organizações poderão ter saudades das regras do jogo que prevaleciam nas crises do passado, tal como o tempo de resposta mais longo, permitido pela ausência de redes sociais, canais de notícias ou media digitais. Hoje, são as empresas que podem ser classificadas como slow (lentas) ou fast (rápidas) na sua capacidade de resposta a crises, dependendo do nível de antecipação dos seus recursos de prevenção, tais como: manual de crise e procedimentos, canais de comunicação digital, porta-voz definido e formado, canais seguros de comunicação interna, escuta digital ativa e realização de simulacros de crise.