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Contra factos, não há argumentos

Parte do progresso nas contas externas deriva da "transpiração" na placagem da despesa. Consolidar resultados, mitigar riscos e firmar argumentos carece de maior "inspiração" nas nossas decisões do dia-a-dia, colectivas e individuais.

A capacidade de Portugal retomar o financiamento em mercado livre a partir de 2013 tem sido tema recorrente. O custo do risco soberano permanece elevado, subsiste especulação relativa à ajuda financeira ou à restruturação da dívida, a assertividade das autoridades na defesa dos progressos obtidos tem-se revelado pouco eficaz para alterar este sentimento.

A confrontação com factos inequívocos constitui expediente eficiente para lidar com ciclos viciosos de natureza especulativa. Porém, no caso de Portugal, não se dispõe ainda de um manancial de argumentos, sejam indicadores económicos ou orçamentais, que constitua demonstração inequívoca e de fácil apreensão pelos investidores de que as reformas estão a produzir os efeitos desejados - o cumprimento com as metas orçamentais de 2011 confunde-se com medidas de natureza não recorrente, a conjuntura económica permanece fortemente recessiva, a dívida pública suplanta o PIB. Gerir o desencontro entre resultados sustentáveis mas a longo prazo com a impaciência dos mercados constitui um desafio importante para as autoridades e para o País.

Neste contexto, a evolução das contas externas assume particular relevância. O défice externo apresenta uma redução significativa. O Banco de Portugal projecta um saldo comercial positivo para o final de 2012 e um ligeiro excedente na balança corrente e de capital (que agrega os rendimentos líquidos pagos ao exterior) em 2013. Uma balança comercial positiva é resultado inaudito e o equilíbrio na balança corrente e de capital registado no passado recente resultou, na sua maioria, dos fundos europeus. Portanto, estamos na iminência de atingir um "feito" estrutural. Três observações:

i) Apesar dos valores do final de 2011 revelarem uma redução do défice mensal da balança de bens para quase metade do habitual (ajustado da sazonalidade), o saldo comercial é negativo (estima-se um défice perto de 3.5% do PIB em 2011). Assim, saldos positivos ainda se situam no plano das projecções e, como tal, sujeitos a riscos. Destacam-se a evolução do custo dos combustíveis, as condições meteorológicas e o vigor da procura externa;

ii) O Banco de Portugal assume como hipóteses de trabalho a estabilização das quotas de mercado nas exportações e a redução gradual na penetração de importações. Se os desenvolvimentos recentes suportam o pressuposto nas exportações, já a evidência relativa à penetração das importações é ténue. A redução das importações está maioritariamente associada à quebra da procura interna. O efeito rendimento faz-se sentir, como esperado, numa redução generalizada da despesa. Falta desenvolver um efeito de substituição mais evidente, de reafectação da despesa, que decorra da alteração dos factores relativos e que incentive a procura por bens e serviços domésticos;

iii) A concretização destas projecções não é indiferente para o financiamento da economia portuguesa e para o sentimento de mercado. Reduzir o défice comercial significa diminuir as necessidades de financiamento externo de Portugal e, por essa via, facilitar o regresso ao financiamento em mercado. A título de exemplo, a eliminação do défice externo no período 2013/2014 equivaleria a um terço das necessidades de refinanciamento de médio e longo prazo da economia portuguesa no período.

O processo de ajustamento da economia portuguesa enfrenta um desafio importante: recuperar confiança num contexto adverso. Necessita de resultados. Parte do progresso nas contas externas deriva da "transpiração" na placagem da despesa. Consolidar resultados, mitigar riscos e firmar argumentos carece de maior "inspiração" nas nossas decisões do dia-a-dia, colectivas e individuais.



Gabinete de Estudos do Millennium BCP
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