Opinião
Ian Bremmer - Fundador e presidente do Eurasia Group e da GZERO Media.
© Project Syndicate, 2008. www.project-syndicate.org
09 de Junho de 2009 às 11:49
Capitais de capital
Recentemente, o governo chinês anunciou que quer que Shangai se converta numa capital financeira mundial, tal como Londres e Nova Iorque, até 2020. Um objectivo ambicioso, que pode ou não ser alcançado. Mas as aspirações da...
Recentemente, o governo chinês anunciou que quer que Shangai se converta numa capital financeira mundial, tal como Londres e Nova Iorque, até 2020. Um objectivo ambicioso, que pode ou não ser alcançado. Mas as aspirações da China realçam também uma nova realidade preocupante e cada vez mais generalizada: os responsáveis políticos estão a tomar decisões, que são normalmente deixadas nas mãos dos mercados, a uma escala que não se via há décadas.
Tal como a própria crise financeira, esta tendência globalizou-se. Os líderes políticos de dezenas de países estão a tomar decisões que marcarão o desempenho dos mercados locais (e mundiais) no futuro previsível.
Na China, as exportações caíram mais de 25% em Fevereiro. Nada de preocupante, afirmou o primeiro-ministro, Wen Jiabao: o governo chinês tem "munições adequadas" para somar ao seu pacote de estímulo de 586 mil milhões de dólares, um plano destinado a criar milhões de empregos através do forte investimento governamental nos transportes, infra-estruturas energéticas, alojamento e outros projectos de larga escala.
Na Índia, onde com frequência se considera que o governo constitui mais um atraso para o comércio do que um catalisador de crescimento, é mais provável que as decisões que movem actualmente os mercados locais provenham dos burocratas de Nova Deli do que dos inovadores de Bombaim. Com efeito, em ano de eleições que tem como pano de fundo um abrandamento económico, o governo liderado pelo Partido do Congresso, ansioso por mostrar que atende aos pedidos de ajuda públicos, já pôs em marcha três pacotes de estímulo económico desde Dezembro.
Conclusão: para averiguar como, quando e onde é que os activos serão distribuídos e a riqueza será gerada em dezenas de países do mundo desenvolvido e em desenvolvimento nos dias de hoje, devemos observar as capitais políticas e não as financeiras.
Esta tendência acabará por gerar problemas para o crescimento económico global a mais longo prazo. Para começar, os dirigentes que fazem parte da elite do Partido Comunista Chinês têm dificuldades em estar de acordo quanto às prioridades em matéria de política económica. Os desafios com que se depara o presidente norte-americano, Barack Obama, na tentativa de obter apoio - na tomada de medidas arriscadas e dispendiosas - por parte de democratas conflituosos e republicanos obstinados, irão custar-lhe alguns acordos legislativos dolorosos.
Esse padrão generalizou-se. Na Rússia, Ucrânia, Hungria, Paquistão, Turquia, Malásia, México, Nigéria e outros países, as batalhas entre facções políticas internas provocarão, face aos problemas económicos urgentes, respostas frequentemente incoerentes.
Em segundo lugar, se já é difícil um país chegar a consenso sobre a melhor forma de estimular o crescimento, imagine-se como será à escala mundial. A maioria dos dirigentes políticos contenta-se em promover medidas que atendam às necessidades dos seus círculos eleitorais locais e que protejam o seu capital político pessoal. A revitalização do crescimento global é relegada para um segundo plano muito distante.
Em Washington, muitos democratas aproveitarão estes debates políticos para tirarem partido da ira popular contra Wall Street, ao passo que muitos republicanos procurarão a mais pequena brecha para tirarem partido de uma desejável fúria popular contra os democratas. Na liderança do Partido Comunista Chinês, alguns membros serão a favor dos planos destinados à transição de um modelo de crescimento movido pelas exportações para um modelo baseado no consumo interno. Outros tentarão direccionar os fundos públicos para os seus projectos pessoais de investimento. Por outro lado, as facções existentes no seio dos governos russo, indiano, mexicano e sul-africano também têm as suas próprias prioridades políticas concorrentes.
Como é que tantos responsáveis políticos, que se debatem para encontrar respostas para a crise, de forma a solucionarem problemas locais ou a criarem oportunidades a nível local, conseguirão chegar a acordo para uma abordagem internacional unificada?
O nosso primeiro vislumbre dos problemas em matéria de coordenação de uma resposta internacional à crise financeira remonta a finais de Novembro passado, aquando da cimeira de emergência do G-20, em Washington. Conseguir que o G-8 chegue a acordo em matéria de prioridades já é suficientemente complicado; reunir consenso no âmbito do G-20 é exponencialmente mais difícil, não só devido ao maior número de intervenientes envolvidos, mas também porque muitos deles não chegam a acordo quanto às regras mais elementares do jogo económico global.
Apesar de a cimeira do G-20 que se realizou em Abril em Londres ter resultado num consenso mais amplo do que o esperado em matéria de política económica, isso deveu-se em grande medida ao facto de a questão mais polémica - o desejo, por parte dos norte-americanos e dos britânicos, de haver um aumento da despesa global com vista ao relançamento económico mundial - ter sido de antemão eliminada da agenda. Foi assim que os sorridentes presidentes e primeiros-ministros conseguiram ser mais diplomáticos do que o primeiro-ministro checo, Mirek Topolanek, que, no seu papel de presidente em funções da União Europeia, advertiu que o plano económico de Obama conduziria os restantes a uma "estrada para o inferno".
Topolanek não esteve na cimeira do G-20; o seu país não é membro. E apesar de o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, concordar com a perspectiva de Obama de que os principais países industrializados devem estimular as suas economias domésticas o máximo que puderem, o governador do Banco de Inglaterra, Mervyn King, alertou para o facto de Reino Unido poder ter já acumulado demasiada dívida para se permitir lançar novos planos de estímulos.
Por mais aterradora que seja a recessão global, a desejável resposta coerente e coordenada por parte dos líderes políticos mundiais continua a ser, no melhor dos casos, extremamente incerta. E a influência cada vez maior de factores políticos no desempenho do mercado provavelmente pesará no crescimento global nos próximos anos.
Tal como a própria crise financeira, esta tendência globalizou-se. Os líderes políticos de dezenas de países estão a tomar decisões que marcarão o desempenho dos mercados locais (e mundiais) no futuro previsível.
Na Índia, onde com frequência se considera que o governo constitui mais um atraso para o comércio do que um catalisador de crescimento, é mais provável que as decisões que movem actualmente os mercados locais provenham dos burocratas de Nova Deli do que dos inovadores de Bombaim. Com efeito, em ano de eleições que tem como pano de fundo um abrandamento económico, o governo liderado pelo Partido do Congresso, ansioso por mostrar que atende aos pedidos de ajuda públicos, já pôs em marcha três pacotes de estímulo económico desde Dezembro.
Conclusão: para averiguar como, quando e onde é que os activos serão distribuídos e a riqueza será gerada em dezenas de países do mundo desenvolvido e em desenvolvimento nos dias de hoje, devemos observar as capitais políticas e não as financeiras.
Esta tendência acabará por gerar problemas para o crescimento económico global a mais longo prazo. Para começar, os dirigentes que fazem parte da elite do Partido Comunista Chinês têm dificuldades em estar de acordo quanto às prioridades em matéria de política económica. Os desafios com que se depara o presidente norte-americano, Barack Obama, na tentativa de obter apoio - na tomada de medidas arriscadas e dispendiosas - por parte de democratas conflituosos e republicanos obstinados, irão custar-lhe alguns acordos legislativos dolorosos.
Esse padrão generalizou-se. Na Rússia, Ucrânia, Hungria, Paquistão, Turquia, Malásia, México, Nigéria e outros países, as batalhas entre facções políticas internas provocarão, face aos problemas económicos urgentes, respostas frequentemente incoerentes.
Em segundo lugar, se já é difícil um país chegar a consenso sobre a melhor forma de estimular o crescimento, imagine-se como será à escala mundial. A maioria dos dirigentes políticos contenta-se em promover medidas que atendam às necessidades dos seus círculos eleitorais locais e que protejam o seu capital político pessoal. A revitalização do crescimento global é relegada para um segundo plano muito distante.
Em Washington, muitos democratas aproveitarão estes debates políticos para tirarem partido da ira popular contra Wall Street, ao passo que muitos republicanos procurarão a mais pequena brecha para tirarem partido de uma desejável fúria popular contra os democratas. Na liderança do Partido Comunista Chinês, alguns membros serão a favor dos planos destinados à transição de um modelo de crescimento movido pelas exportações para um modelo baseado no consumo interno. Outros tentarão direccionar os fundos públicos para os seus projectos pessoais de investimento. Por outro lado, as facções existentes no seio dos governos russo, indiano, mexicano e sul-africano também têm as suas próprias prioridades políticas concorrentes.
Como é que tantos responsáveis políticos, que se debatem para encontrar respostas para a crise, de forma a solucionarem problemas locais ou a criarem oportunidades a nível local, conseguirão chegar a acordo para uma abordagem internacional unificada?
O nosso primeiro vislumbre dos problemas em matéria de coordenação de uma resposta internacional à crise financeira remonta a finais de Novembro passado, aquando da cimeira de emergência do G-20, em Washington. Conseguir que o G-8 chegue a acordo em matéria de prioridades já é suficientemente complicado; reunir consenso no âmbito do G-20 é exponencialmente mais difícil, não só devido ao maior número de intervenientes envolvidos, mas também porque muitos deles não chegam a acordo quanto às regras mais elementares do jogo económico global.
Apesar de a cimeira do G-20 que se realizou em Abril em Londres ter resultado num consenso mais amplo do que o esperado em matéria de política económica, isso deveu-se em grande medida ao facto de a questão mais polémica - o desejo, por parte dos norte-americanos e dos britânicos, de haver um aumento da despesa global com vista ao relançamento económico mundial - ter sido de antemão eliminada da agenda. Foi assim que os sorridentes presidentes e primeiros-ministros conseguiram ser mais diplomáticos do que o primeiro-ministro checo, Mirek Topolanek, que, no seu papel de presidente em funções da União Europeia, advertiu que o plano económico de Obama conduziria os restantes a uma "estrada para o inferno".
Topolanek não esteve na cimeira do G-20; o seu país não é membro. E apesar de o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, concordar com a perspectiva de Obama de que os principais países industrializados devem estimular as suas economias domésticas o máximo que puderem, o governador do Banco de Inglaterra, Mervyn King, alertou para o facto de Reino Unido poder ter já acumulado demasiada dívida para se permitir lançar novos planos de estímulos.
Por mais aterradora que seja a recessão global, a desejável resposta coerente e coordenada por parte dos líderes políticos mundiais continua a ser, no melhor dos casos, extremamente incerta. E a influência cada vez maior de factores políticos no desempenho do mercado provavelmente pesará no crescimento global nos próximos anos.
Mais artigos de Opinião
Como vai ser o mundo em 2024
30.12.2023
O formato do poder em 2024
29.12.2023
As arriscadas reformas da China
29.04.2014
Capitais de capital
09.06.2009