Opinião
Bush: os anos do fim
Um ano após a reeleição, o presidente perdeu a iniciativa política e começa a ganhar corpo a ideia de que o actual impasse irá prejudicar os interesses políticos dos seus apoiantes.
Se os derradeiros três anos da presidência Bush redundarem em gestão de expedientes para obviar a escândalos maiores e impotência estratégica, então, o panorama é mesmo muito negro .
Muito em breve o número de militares norte-americanos caídos no Iraque alcançará a fatídica fasquia dos dois mil mortos precisamente na altura em que George Bush se confronta com o pior escândalo dos últimos cinco anos.
Karl Rove, o «cérebro» da Casa Branca, irá conhecer, ao que tudo indica, o mesmo destino de Lewis Libby, chefe de gabinete do vice-presidente, e ser confrontado com acusações de perjúrio e de violação da Lei de Protecção de Identidades Secretas.
A denúncia de Valerie Plame como agente da CIA surge aos olhos da opinião pública, que mal digeriu o escândalo de Abu Graibh, como uma retaliação insane contra o seu marido, o embaixador Joseph Wilson, que, em Julho de 2003, acusou publicamente a Casa Branca de manipular informações e mentir sobre a alegada existência de armas de destruição maciça no Iraque.
A revelação da identidade de uma agente secreta por altos responsáveis governamentais desmoralizou os serviços de informação e contribuiu para alimentar fugas sucessivas sobre a forma como a Casa Branca ignorou sistematicamente todos os dados e análises que punham em causa os planos de guerra.
À direita as críticas sobem de tom. O antigo conselheiro de segurança nacional de Bush pai, general Brent Scowcroft, ridiculariza, agora, «a ideia evangélica» de que seja possível exportar a democracia por via militar, enquanto o chefe de gabinete do ex-secretário de estado Collin Powell, coronel Lawrence Wilkerson, acusa o vice-presidente Dick Cheney e o secretário da defesa Donald Rumsfeld de promoverem uma «cabala incompetente» e prosseguirem uma política externa ruinosa, com a conivência de Condoleezza Rice.
Declarações contraditórias dos altos comandos sobre eventuais reduções do contingente militar e acerca da estabilização do Iraque fragilizam ainda mais a administração que não tem reconhecidamente estratégia alternativa e procura, em vão, recentrar a agenda política e conter as críticas crescentes dos sectores mais direitistas.
Os índices de aprovação da política presidencial, abaixo dos 40 por cento, não põem ainda em causa a base de apoio republicana, mas as preocupações nas hostes partidárias avolumam-se com a expectativa de maus resultados nas eleições para o Senado e a Câmara de Representantes no próximo ano. Os inquéritos judiciais a Tom DeLay, que teve de renunciar à liderança da maioria republicana na Câmara de Representantes face a acusações de financiamentos eleitorais ilícitos, e ao líder no Senado, Bill Fristy, alvo de suspeitas mais difíceis de provar, de insider trading, não moralizam o partido.
O mais grave, do ponto de vista da direita republicana, é, no entanto, a incapacidade de Bush de avançar uma agenda conservadora - sobretudo na questão do aborto e da disciplina fiscal -, acrescida de sinais de desorientação política.
À nomeação bem sucedida, mas pouco entusiasmante para os radicais republicanas, de John Roberts para a presidência do Supremo Tribunal, sucedeu-se o fracasso na escolha da advogada Harriet Miers. Um caso de autismo político na linha do falhanço administrativo na gestão do desastre do furacão Katrina que bem revelou os perigos do favoritismo e da reestruturação dos departamentos federais de segurança segundo uma óptica estrita de combate a ameaças terroristas.
A bem acolhida indigitação de Bernard Bernanke para a presidência da Reserva Federal surge em fundo às dúvidas sobre o bem fundado da política económica da administração Bush que fracassou no controlo do défice orçamental.
A alta dos combustíveis, os sinais de quebra no mercado imobiliário a agravar a redução do consumo interno, associadas aos défices comercial e orçamental, não dão grande margem de manobra a Bush, apesar das previsões da Reserva Federal apontarem para a manutenção de taxas de crescimento de 3,5 por cento no corrente ano e de 3,25 ou 3,5 por cento em 2006, à semelhança do que vem ocorrendo desde 2002.
A tentativa de promover uma reforma do código fiscal, a última cartada de Bush para retomar a iniciativa política, encontra forte oposição no Congresso que já bloqueou as propostas de privatização da segurança social.
Um ano após a reeleição, o presidente perdeu a iniciativa política e começa a ganhar corpo a ideia de que o actual impasse irá prejudicar os interesses políticos dos seus apoiantes.
Em Dezembro de 2001 George Bush tomou a decisão de invadir o Iraque. Quatro anos o Iraque tem uma constituição que aliena a comunidade sunita e está a braços com uma insurreição que levará muito tempo da debelar.
O espectro do Iraque assombra a Casa Branca. É a questão que paralisa a administração. Bush não pode declarar vitória e retirar; pede tempo, mas já não convence a opinião pública. Certo é que escândalos e crises de conjuntura são comuns, mas se os derradeiros três anos de presidência redundarem em gestão de expedientes para obviar a escândalos maiores e impotência estratégica, então, o panorama é mesmo muito negro.